05/02/2023 - 11:28
O menino Enrique, de dois anos e meio, está sentado no chão da sala, o narizinho arrebitado despontando acima do livro ilustrado com triângulos, círculos e quadrados multicoloridos.
“Où est le triangle rouge?”, pergunta a mãe em francês. “Ici!”, responde ele, apontando o triângulo vermelho, para grande alegria de Chloé. “¿Dónde está el círculo amarillo?”, pergunta em espanhol o pai, Juan. “Onde está o círculo amarelo?” “¡Aquí!”, indica o pequeno, sem hesitar.
Da mesma forma que ele, cada vez mais crianças por todo o mundo crescem em duas ou mais línguas simultaneamente. A francesa Chloé Bourrat e o espanhol Juan Koers vivem com os filhos e irmã Alice, de oito meses, nos arredores de Madri. Assim como muitos casais multiculturais, eles gostariam que seus fllhos aprendam ambos os idiomas.
Para tal, Chloé fala com os pequenos quase exclusivamente em francês, enquanto Juan praticamente só espanhol, que também é a língua coletiva da família. Essa abordagem, que os linguistas denominam “uma pessoa, uma língua”, é um entre diversos métodos estabelecidos de educação plurilíngue.
Estratégia perfeita não é o que importa
Na família de Yeliz Göcmez, em Frankfurt, a situação é diversa: tanto ela como o marido, Taner, são naturais da Turquia, e em casa falam em seu idioma materno com as filhinhas Melissa, de sete anos, e Mila, de quatro. “Lá fora – ou seja, na creche, na escola e nas horas livres – as crianças falam alemão”, conta Yeliz. Os especialistas denominam essa abordagem “em casa versus lá fora”.
Paralelamente há, ainda o método orientado pelas atividades: nas refeições fala-se, por exemplo, árabe, e inglês quando se brinca. Ou a abordagem cronológica: de manhã, ao se vestir e tomar o desjejum, chinês, à noite, alemão.
Muitos pais se questionam qual método é o melhor, e como obter os resultados mais seguros. Porém as pesquisas mostram que na educação plurilíngue a questão não é adotar a estratégia perfeita, “mas sim estimular a criança, de forma poliglota, com a maior frequência e variedade possível”, afirma Wiebke Scharff Rethfeldt, professora de logopedia da Faculdade de Bremen. Ou seja: conversar o máximo possível, sobre temas diversos.
Nessas ocasiões, os educadores não precisam aplicar uma regra rígida de seleção do idioma, mas sim adotar aquele em que se sentem mais à vontade e estão aptos a contar mais: “Pode ser a própria língua-mãe, mas não tem que ser.”
Foi assim que os Koers Bourrat e os Göcmez escolheram seus idiomas de família. “Francês e espanhol são simplesmente as línguas que cada um de nós sente como natural, e na qual falamos automaticamente com as crianças”, confirma Juan. Para Yeliz, “o turco é a língua em que conseguimos expressar melhor os nossos sentimentos”.
Expressar sentimentos, proporcionar consolo e comunicar proximidade são funções elementares, lembra Scharff Rethfeldt, “pois não se trata de se colocar como professor de línguas, mas sim como uma mãe ou pai que forma um laço emocional com seu filho”.
Sem medo de trocar línguas nem de cometer erros
Contudo, os genitores não precisam permanecer sempre no seu idioma mais cômodo: “Separar constantemente as línguas corresponde a uma mentalidade monolíngue, monocultural, não se encaixa mais em nossos tempos atuais”, observa a logopedista. Em vez disso, as famílias devem se manter flexíveis e mudar o idioma quando calhar. Assim, os pais podem relaxar, e se preserva o prazer das crianças de aprender línguas.
Os Koers Bourrat também quebram as próprias regras, se a situação exige. “Quando a mãe de Chloé vem da França nos visitar, eu também falo francês”, diz o pai. “Ou, se nos encontramos com amigos em Madri, eu também falo espanhol com Enrique, para que todos entendam a conversa e possam participar”, complementa Chloé.
Ambos falam as duas línguas quase perfeitamente, fazendo pouquíssimos erros na que lhes é estrangeira, “mas mesmo erros não são nenhum drama”, assegura Scharff Rethfeldt. “As crianças são aprendizes bem robustas, elas aprendem as regras gramaticais mesmo escutando frases erradas aqui e ali.”
Na família Göcmez, é parecido. Durante a entrevista ao telefone com Yeliz, uma das filhas lhe pergunta algo em turco, mas ela responde em alemão, pois no momento está em fluxo comunicativo nessa língua. “Em casa, fazemos sempre com as crianças ‘ilhas de idioma'”, conta a mãe. “Aí lemos um livro em alemão para as nossas filhas, por exemplo, ou escutamos canções infantis alemãs, embora falemos em turco o resto do dia.”
Multilinguismo atrasa a fala?
Também ocorre de um termo alemão pipocar no meio de uma frase em turco. “No dia a dia, simplesmente não dá para separar cem por cento”, justifica Yeliz. O atual consenso entre os logopedistas é que misturar as línguas é perfeitamente permissível, pois as crianças sabem qual palavra pertence a qual língua: já desde o útero materno, elas aprendem a distinguir os idiomas segundo seus fonemas.
“Isso é que é bilinguismo: misturar línguas faz parte, e não há mal nenhum”, reforça Scharff Rethfeldt. “Assim mostramos à criança: ‘Olha, eu também sou poliglota, sei jogar com os idiomas e passar de um para o outro. É uma coisa positiva, que me torna especial – e a você também.'”
Mas uma educação poliglota também tem desvantagens? Um mito persistente reza que crianças multilíngues só começam a falar mais tarde, ou até apresentam problemas de desenvolvimento da fala. No entanto há muito esse mito foi refutado.
“Distúrbios logopédicos são congênitos e não desencadeados pelo bilinguismo”, assegura a especialista. Cerca de cinco a oito por cento das crianças apresentam esse tipo de deficiência, sejam mono ou bilíngues. Só que, no caso das últimas, a falha é atribuída ao plurilinguismo.
Por outro lado, pode realmente ser preciso um pouco mais de tempo até uma criança dominar ambas as línguas no mesmo nível de seus coetâneos que só falam uma. Isso não significa um atraso, mas sim que ela necessita mais tempo até atingir o mesmo nível de informação em cada idioma.
Se uma criança, por exemplo, conversa com os pais um total de quatro horas por dia, para uma monolíngue são quatro horas num só idioma, enquanto para a bilíngue serão, digamos, duas horas para o alemão, duas para o árabe. Ainda assim, o vocabulário total nos dois idiomas costuma ser maior do que o de um coleguinha monolíngue.
Acesso a mentalidades diversas e a novas línguas
Uma educação plurilíngue não tem nenhuma desvantagem, mas muitas vantagens. Quando a família sai para férias na Turquia, Melissa e Mila são capazes de se comunicar perfeitamente com a avó e o avô: “A língua turca é uma ponte entre eles”, confirma Yeliz.
Wiebke Scharff Rethfeldt frisa, ainda, que quem se comunica em mais de uma língua obtêm acesso a outras culturas e formas de vida, desse modo “há uma tendência maior a refletir sobre as próprias perspectivas – e assim se fica um bocado mais sabido”.
Outra vantagem: quem já domina duas línguas terá muito mais facilidade para aprender uma terceira ou outras. “Crianças que crescem bilíngues já sabem que não é possível traduzir literalmente expressões de outro idioma”: para elas é mais fácil penetrar o mundo mental de uma língua nova.
Isso é algo que Yeliz Göcmez também pôde observar: “Há algum tempo temos em casa uma babá au pair que fala inglês com as meninas”, e a caçula Mila absorveu o idioma como uma esponja. “Ela já está até falando em orações completas –com ‘because’ ou ‘but’, por exemplo. Para nós, foi uma bela surpresa.”