Sob a liderança do novo general do grupo mercenário russo, Andrei Averyanov, Moscou trata de expandir influência no país africano. O que isso significa para a transição democrática?Anos de guerra e caos, um impasse político contínuo, enchentes devastadoras em setembro do ano passado e a ausência de uma via democrática tornaram a Líbia propensa à influência de milícias estrangeiras, como o Grupo Wagner.

O grupo mercenário russo está presente no país africano desde 2018.

No entanto, de acordo com um relatório recente do grupo de reflexão militar Royal United Services Institute, ou Rusi, com sede em Londres, a Rússia está prestes a intensificar ainda mais tais esforços sob a forma de uma “Entente Roscolonial” – um grupo de nações que busca ativamente ajudar a Rússia – no Oriente Médio e na África.

Politicamente fragmentada, mas rica em petróleo e ouro, a Líbia, no Mar Mediterrâneo, é uma excelente candidata a este tipo de novo “colonialismo russo”.

O país está dividido sob duas administrações rivais desde 2014. No oeste, o poder está nas mãos do Governo de Unidade Nacional, uma liderança provisória internacionalmente reconhecida e mediada pela ONU, com sede em Trípoli e com Abdul Hamid Dbeibah como primeiro-ministro. Esse governo tem apoio de milícias turcas.

Já o lado oriental é administrado pelo Governo de Estabilidade Nacional do primeiro-ministro Ossama Hamad, com sede em Tobruk, que é apoiado pelo Exército Nacional Líbio sob o comando do general Khalifa Hiftar.

“Os objetivos do Wagner na Líbia têm sido principalmente obter acesso às receitas do petróleo, de forma mais ou menos indireta, através do apoio às forças armadas de Hiftar, mas também garantir um acesso mais amplo ao continente africano”, disse à DW Tim Eaton, investigador sênior no think tank londrino Chatham House.

“Nesse sentido, a Líbia tem funcionado como uma ponte”, acrescentou.

Recursos para segurança

Fundado em 2014, o Grupo Wagner foi durante anos comandado pelo milionário russo Yevgeny Prigozhin, que costumava ter laços estreitos com o presidente Vladimir Putin – ou pelo menos até protagonizar uma rebelião contra o Kremlin em junho de 2023.

Dois meses depois, Prigozhin morreu num acidente de avião. Desde então, o Grupo Wagner tem ficado sob os auspícios da inteligência militar russa.

Seu novo líder, o general Andrei Averyanov, é suspeito de supervisionar assassinatos estrangeiros e de desempenhar um papel na desestabilização de países europeus.

Agora sob seu comando, os mercenários na Líbia foram rebatizados como “Corpo Expedicionário”.

“Ao substituir Prigozhin por alguém mais próximo do regime e com experiência na inteligência russa, as operações do Grupo Wagner se tornaram mais abertamente ligadas a Moscou”, disse à DW Hager Ali, pesquisadora do think tank alemão GIGA German Institute for Global and Area Studies.

Enquanto antes o Kremlin podia negar qualquer ligação com as atividades da milícia, aponta, Averyanov “elimina essa negação plausível, pois agora trata-se realmente de mais uma extensão direta dos interesses da Rússia na África e no Oriente Médio”.

Mas nem todos os combatentes do Wagner estão satisfeitos com a nova liderança, aponta o russo Ruslan Suleymanov, especialista independente em Oriente Médio baseado em Baku.

“Até hoje, há negociações difíceis com ex-combatentes do Wagner para assinar um contrato com o Ministério da Defesa russo”, disse ele à DW.

Ainda assim, uma das primeiras pessoas que Averyanov conheceu no seu novo cargo em setembro passado foi o general Hiftar.

Ambos os lados reafirmaram seu compromisso com o que pode ser resumido como um acordo de “segurança para os recursos”, afirmou o relatório do RUSI.

Os combatentes do Wagner continuam a apoiar Hiftar e estão, por sua vez, autorizados a continuar utilizando o país estrategicamente localizado para o trânsito de armas, contrabando de drogas e para gerir três bases aéreas da Líbia.

Tais bases permitem à Rússia trazer o ouro que foi extraído sob a liderança do Wagner na Líbia para o país, hoje alvo de rígidas sanções devido ao seu ataque à Ucrânia.

“O Wagner também tem transportado mísseis superfície-ar portáteis, munições, combustível e outras cargas da Líbia para as Forças de Apoio Rápido do Sudão, que estão em guerra com as Forças Armadas Sudanesas”, afirmou outra análise recente do GIGA, disse Hager Ali.

Para os líbios, no entanto, ter mercenários do Wagner no país também implica “graves abusos dos direitos humanos, incluindo tortura, estupros em massa e execuções extrajudiciais”, concluiu a UE já em dezembro de 2021.

Wagner tem potencial de inviabilizar a transição democrática

A última tentativa de realizar eleições na Líbia falhou em dezembro de 2021. Desde então, nenhum dos partidos conseguiu ou aceitou concordar com medidas que pudessem vencer o impasse político.

Em fevereiro, Abdoulaye Bathily, enviado especial da ONU para a Líbia, instou novamente os líderes líbios a “deixarem os seus interesses próprios de lado e virem à mesa de negociações de boa fé, dispostos a discutir todas as questões contestadas”.

Caso contrário, advertiu, “a fragilidade das instituições e as profundas divisões dentro da nação representam graves riscos para a estabilidade”.

Hager Ali, no entanto, não nutre esperanças de que a Líbia possa regressar a uma trajetória eleitoral ou demográfica enquanto o Grupo Wagner estiver presente.

“O Grupo Wagner realiza campanhas de desinformação online”, disse ela, acrescentando que o grupo paramilitar pode interferir nos preparativos eleitorais, intimidar os eleitores através da violência e até ajudar a fraudar as eleições.

E no caso da Líbia, “onde ainda há partidos políticos que precisam estabelecer uma base eleitoral e tomar decisões sobre o próprio processo eleitoral, a desinformação é extremamente prejudicial para a integridade de qualquer processo eleitoral”.