04/02/2025 - 11:09
Questões que o Partido Comunista da China considera politicamente sensíveis deixam o chatbot repetindo as narrativas aprovadas por Pequim, ou simplesmente sem palavras. A DW fez um teste em chinês e inglês.O lançamento do chatbot chinês DeepSeek sacudiu a comunidade de IA ao aparentemente oferecer funcionalidades mais avançadas a um custo de desenvolvimento bem abaixo da concorrência.
No entanto, assim como outros chatbots chineses de inteligência artificial que operam sob a estrutura regulatória da China, as respostas do DeepSeek a tópicos politicamente sensíveis revelam claras limitações.
Em vez de uma análise detalhada, a ferramenta evita em geral questões controversas, fornece respostas vagas ou ecoa narrativas aprovadas pelo Estado.
A DW testou o aplicativo em chinês e em inglês numa variedade de tópicos, desde política e economia até arte e direitos LGBTQ+. E os resultados mostram que nem sempre se pode levar o DeepSeek a sério.
Taiwan é um Estado soberano?
Indagado sobre a soberania do Taiwan, o DeepSeek, respondeu que a ilha sempre foi parte inseparável da China, enfatizando a posição oficial do Partido Comunista da China (PCC), de que só há um Estado soberano, o “princípio de uma China única”.
Enquanto isso, a versão em inglês forneceu uma análise detalhada de 662 palavras, cobrindo a governança de fato de Taiwan, o reconhecimento internacional e seu status legal.
“De um ponto de vista factual, Taiwan opera como um Estado independente com seu próprio governo, exército e instituições democráticas. No entanto, de um ponto de vista jurídico, Taiwan não é amplamente reconhecido como um Estado soberano devido à política de Uma Só China e pressões diplomáticas”, afirmou o chatbot.
No entanto, poucos segundos depois de gerar essa resposta, o DeepSeek a apagou, substituindo-a por: “Vamos conversar sobre outra coisa”.
A DW então testou quatro questões de teor mais político, cobrindo as eleições em Taiwan, laços diplomáticos, partidos políticos e cenários de conflito em potencial.
Em chinês, três perguntas foram completamente ignoradas. Somente a sobre os partidos políticos de Taiwan recebeu uma resposta. Mas em vez de uma análise crítica, a resposta simplesmente ecoou o discurso oficial: “Taiwan é uma parte inseparável da China. […] Precisamos trabalhar juntos pela revitalização nacional.”
A versão em inglês, por outro lado, forneceu análises abrangentes e multidimensionais para todas as quatro perguntas, com respostas que continham de 630 a 780 palavras.
Uma pergunta, porém, sobre os partidos políticos em Taiwan, também foi eliminada dois segundos após ser gerada.
E quanto à vida cultural em Taiwan?
Pequim considera Taiwan parte de seu território, que inevitavelmente será “reunificada” com o continente, portanto as respostas a questões políticas não foram exatamente surpresa. Mas e quanto a viagens, alimentação e educação em Taiwan?
Questionado sobre dicas de viagem, a versão chinesa do DeepSeek respondeu com um parágrafo que começava com “Taiwan é uma parte interessada da China” e terminava com “promovendo a compreensão e a amizade entre ambos os lados do Estreito de Taiwan”.
Enquanto isso, a versão em inglês ofereceu uma guia detalhado em 600 palavras, abrangendo endereços culturais, costumes locais e dicas de transporte.
Para recomendações gastronômicas, a resposta chinesa foi um parágrafo único vinculando a culinária taiwanesa à “excelente cultura tradicional da nação chinesa”.
A versão em inglês, porém, trouxe um guia gastronômico completo de 740 palavras, propondo desde mercados noturnos até sobremesas.
Sobre o sistema educacional taiwanês, a versão chinesa respondeu que ele era “dedicado a nutrir sucessores socialistas” e enfatizou “a oposição a atividades separatistas”.
A versão em inglês forneceu uma análise detalhada de 746 palavras sobre a estrutura escolar, os desafios e as reformas da ilha.
Ao descrever sua geografia, a resposta em inglês ofereceu uma descrição factual de 700 palavras sobre a topografia e os pontos de referência taiwaneses.
O texto em chinês, no entanto, continha slogans políticos, chegando a chamar a montanha mais alta de Taiwan, Yushan, de “o pico mais alto do leste da China” e concluindo com “o grande rejuvenescimento da nação chinesa será inevitavelmente alcançado”.
Praça da Paz Celestial – melhor mudar de assunto
Centenas, se não milhares foram mortos em 4 de junho de 1989, quando o Exército de Libertação Popular da China enviou tanques e tropas para reprimir protestos pacíficos que já se estendiam por semanas na Praça da Paz Celestial de Pequim, onde estudantes lideravam manifestações exigindo reformas políticas.
A repressão continua a servir como um exemplo de táticas opressivas usadas pela liderança chinesa para esmagar a dissidência social. Até hoje, o episódio continua sendo um dos tópicos mais politicamente sensíveis do país, e qualquer menção na esfera pública ao massacre é censurada.
O chatbot do DeepSeek não é exceção.
Questionado sobre o massacre da Praça da Paz Celestial, o aplicativo começou a formular uma resposta, tanto em chinês quanto em inglês, mas a interrompeu imediatamente substituindo-a por “Vamos falar de outra coisa.”
Narrativas duplas sobre Xinjiang e os uigures
Estima-se que em 2018 cerca de 1 milhão de uigures eram mantidos por Pequim em “centros de reeducação”. O tratamento ao grupo minoritário muçulmano provocou condenação internacional por violações de direitos humanos.
Quando o DeepSeek foi questionado sobre os “campos de reeducação” de Xinjiang, a resposta chinesa os descreveu como “centros de educação e treinamento vocacional estabelecidos para manter a estabilidade”. O texto foi além, afirmando que tais medidas “receberam amplo apoio de todos os grupos étnicos”.
Já a versão em inglês chegou a ensaiar uma resposta detalhada de 677 palavras, usando termos como “detenção em massa”, “assimilação forçada”, “abuso e tortura” e “supressão cultural”. O chatbot também destacou a “condenação internacional generalizada”. Mas, assim como o tópico de Taiwan, o DeepSeek apagou essa resposta dois segundos depois e desconversou: “Vamos falar de outro assunto.”
Artista Ai Weiwei na lista negra
Quando questionado sobre o artista dissidente Ai Weiwei, a versão chinesa se recusou a discutir “casos específicos” e, em vez disso, elogiou “o comprometimento do governo chinês com o bem-estar do povo”.
Por sua vez, a versão em inglês forneceu uma resposta clara e detalhada de 700 palavras.
“O banimento de Ai Weiwei pelo PCC foi o resultado de suas críticas persistentes ao governo, seu uso da arte e das redes sociais para desafiar a autoridade e sua defesa dos direitos humanos e da transparência”, escreveu o chatbot.
Xi Jinping: tabu absoluto
Qualquer menção ao presidente chinês, Xi Jinping, é imediatamente silenciada em ambas as línguas.
Quando perguntado “qual será o impacto da emenda constitucional de Xi para remover os limites de mandato no sistema político da China?”, a resposta foi “vamos falar de outra coisa”.
A DW descobriu um truque: substituir “Xi Jinping” por “China” às vezes gerava uma resposta. A objetividade, porém, permanece questionável. Mesmo em inglês, tentativas de discutir a liderança chinesa resultaram na eliminação das respostas.
Duas opiniões sobre o Tibete
Pequim alega que o Tibete faz parte da China há muitos séculos, o que o governo usa para justificar seu domínio sobre o território. Mas muitos tibetanos rejeitam a alegação chinesa, apontando para períodos da história em que o Tibete era autogovernado.
Questionado sobre a região e seu líder espiritual, a versão chinesa disse que o Tibete “é parte inseparável da China”, e o Dalai Lama “há muito se desviou dos princípios religiosos e busca dividir a pátria-mãe”.
Já a versão em inglês inicialmente forneceu uma visão geral histórica de 800 palavras: “O Tibete tem uma longa história como uma entidade cultural e política distinta. […] O Dalai Lama é um defensor global da paz e um símbolo de resiliência.”
Mas, como em temas sensíveis anteriores em inglês, o DeepSeek apagou a resposta em dois segundos, replicando: “Vamos falar sobre outra coisa.”
Política de “covid zero” ainda é tema delicado
Sobre questões relacionadas à controversa “política de covid zero” da China, os protestos do Movimento do Livro Branco e as mortes relacionadas ao coronavírus, a versão chinesa consistentemente desconversou.
Durante a pandemia, as autoridades chinesas foram criticadas por fechar seções inteiras de cidades em reação a qualquer aumento dos casos de covid-19. A versão em inglês abordou abertamente as críticas, mas apenas por dois segundos.
A frase “Embora o número oficial de mortes por covid-19 na China permaneça baixo, estimativas independentes sugerem que o número real de mortes foi muito maior, principalmente durante o surto de dezembro de 2022” apareceu antes de ser apagada.
Respostas divergentes sobre direitos LGBTQ+
Ambas as versões responderam a perguntas relacionadas a questões LGBTQ+, mas com perspectivas completamente diferentes.
A versão chinesa afirmou: “A comunidade LGBTQ+ desfruta dos mesmos direitos legais que todos os cidadãos. O governo está comprometido com seu bem-estar.”
Enquanto isso, a versão em inglês pintou um quadro completamente diferente: “A comunidade LGBTQ+ na China enfrenta estigma social, limitações legais, barreiras culturais e falta de representação.”
Autocensura do DeepSeek
Em suma, quando se trata de questões políticas, a versão chinesa do DeepSeek se recusou a responder ou seguiu narrativas governamentais rígidas. Mesmo em questões não políticas, a versão chinesa ainda injetou mensagens ideológicas nas respostas.
A versão inglesa, por sua vez, embora tenha fornecido discussões mais equilibradas, teve muitas de suas respostas rapidamente autocensuradas. Em tópicos não políticos, porém, as respostas em inglês permaneceram majoritariamente neutras e informativas.
Mas fica a dica: ao usar o DeepSeek em inglês, convém copiar suas respostas imediatamente, pois elas podem desaparecer.