Ingrid Coetzee lembra como foi viver a crise hídrica da Cidade do Cabo em 2018, quando as torneiras quase secaram e a metrópole sul-africana se tornou a primeira grande cidade do mundo a correr o risco de ficar sem água.

A certa altura, os residentes ficaram limitados a apenas 50 litros por dia. Para ter uma referência, uma lavagem de roupa pode usar até cerca de 70 litros, dependendo da máquina. “Lembro-me de como era difícil conviver com essas restrições severas, em termos de redução de nossos limites diários de água”, disse à DW por telefone a especialista em biodiversidade, natureza e saúde da Cidade do Cabo.

No final, a Cidade do Cabo conseguiu evitar o “Dia Zero”, introduzindo limites estritos de água para empresas e residentes, como lembra Coetzee. A cidade aumentou as tarifas de água e as multas por uso excessivo e trabalhou com o setor agrícola para reduzir o consumo de água e reter a umidade do solo.

Coetzee disse que uma extensa campanha de conscientização pública pediu às pessoas que reduzissem ou eliminassem atividades que consomem muita água, como lavar roupas ou carros, e as aconselhou a tomar banhos mais curtos – assim como a reutilizar a água do chuveiro para dar descarga no vaso sanitário.

“Muitos proprietários de casas, especialmente aqueles que podiam pagar, instalaram tanques de coleta de água da chuva, mas a realidade é que a maioria das pessoas não tinha esses luxos e realmente enfrentaram dificuldades”, disse ela.

Soluções na natureza

Desde a seca, Coetzee disse que a cidade também encontrou maneiras de aumentar o abastecimento de água trabalhando com órgãos públicos, empresas privadas e comunidades locais para restaurar as áreas de captação de águas superficiais e aquíferos.

“Uma solução baseada na natureza, na forma de remoção de vegetação exótica invasora nas áreas de captação da cidade e restauração dessas áreas, provou ser a medida mais econômica e eficiente com os melhores rendimentos”, disse Coetzee, diretora da seção para a África da ONG Governos Locais para a Sustentabilidade (ICLEI ).

Espécies invasoras como pinheiros e eucaliptos absorvem muito mais água do que o arbusto nativo fynbos e restringem o abastecimento de água da cidade. “Os esforços até agora geraram 55 bilhões de litros de água adicionais a cada ano, a um décimo do custo da opção mais barata para esse nível de rendimento”, disse Coetzee.

Essa solução, juntamente com o retorno das chuvas e as medidas de conservação aprendidas durante a crise de 2018, ajudaram a reabastecer as barragens da cidade e aliviar significativamente as preocupações com a água – pelo menos por enquanto.

Aumentar conscientização

Muitas outras cidades ao redor do mundo investiram em medidas de eficiência para ajudar a economizar água. Tóquio, por exemplo, atualizou sua infraestrutura e investiu em uma pronta detecção e reparo de vazamentos para reduzir o desperdício de água pela metade de 2002 a 2012, para apenas 3%.

Em lugares onde o abastecimento já está ameaçado devido às mudanças climáticas, tais esforços são ainda mais críticos. Como muitos californianos, 3,3 milhões de residentes no condado de San Diego, na fronteira sul dos EUA com o México, enfrentaram várias secas severas nos últimos 20 anos.

Mas, graças às restrições de água, educação pública e investimentos para aumentar a capacidade de reservatórios e reparos de canais para evitar infiltrações, o município reduziu o uso de água per capita em quase 50% nas últimas três décadas.

Juntamente com soluções tecnológicas como usinas de dessalinização, que removem o sal da água do oceano para torná-la potável, e planos futuros para purificar a água usada, o condado disse que será capaz de atender à demanda local até pelo menos 2045 – embora não sem um investimento financeiro significativo.

Reciclagem de água na África e na Europa

A região árida da Namíbia é uma veterana quando se trata de encontrar fontes alternativas de água. A capital, Windhoek, instalou a primeira usina de reciclagem de água do mundo em 1968, transformando esgoto em água potável em um processo de 10 etapas envolvendo desinfecção e várias camadas de filtragem. A Usina de Recuperação de Água de Goreangab foi modernizada em 2002 e continua a garantir um abastecimento de água confiável.

A reciclagem e a dessalinização da água já são comuns em climas secos como o Oriente Médio, o Mediterrâneo e o sul da Ásia. Mas não é assim no norte da Europa, onde os países não tiveram que se preocupar com o abastecimento de água até agora.

A Bélgica e a Holanda estão analisando projetos em Antuérpia e Haia que criariam água potável a partir de fontes não convencionais – pelo menos pelos padrões locais. Uma usina no porto de Antuérpia, com inauguração prevista para 2024, deve tratar água salgada e também águas residuais, para uso em áreas industriais próximas. Ao reduzir o uso de água potável no porto em cerca de 95%, espera-se aliviar a pressão sobre o abastecimento de água da região após anos de seca.

Em Haia, o fornecedor de água Dunea lançou um projeto piloto para tratar a água salobra bombeada de baixo das dunas costeiras. A osmose reversa, que usa alta pressão e membranas muito finas para filtrar o sal e outros minerais, pode ajudar a Dunea a produzir até 6 bilhões de litros de água potável todos os anos. Parece muito – mas em 2020, a Holanda consumiu cerca de 1,3 trilhão de litros.

“Nosso objetivo é aumentar o número de fontes de água, mas também limitar a demanda”, disse o líder do projeto Dunea, Gertjan Zwolsman, no lançamento em fevereiro de 2022. “Por exemplo, apoiamos novos edifícios com eficiência hídrica e pedimos aos nossos clientes que usem água com responsabilidade. Mas essa abordagem leva tempo.”

Buscando soluções no passado

Às vezes, porém, a solução mais simples é a melhor. Em 2021, Istambul teve uma ideia da era de Bizâncio e do Império Otomano e tornou obrigatório que todos os novos edifícios em terrenos com mais de mil metros quadrados incluíssem cisternas subterrâneas para coletar e usar a água da chuva. O governo federal da Turquia determinou planos semelhantes para o resto do país.

Para combater a desertificação no Senegal, alguns agricultores estão plantando jardins circulares conhecidos como tolou keur, que mantêm plantas e árvores resistentes a climas quentes e secos. Os canteiros circulares – plantas medicinais no meio, seguidas por fileiras de vegetais e um anel externo de frutas, nozes e grandes baobás – permitem que as raízes cresçam para dentro, ajudando a reter as raras chuvas da região.

E em países como Chile e Marrocos, os habitantes locais há muito espalham redes para coletar água capturando a névoa. Usando tecnologia e materiais modernos para melhorar o design, os pesquisadores conseguiram coletar cinco vezes mais água.