Os humanos se estabeleceram no sudoeste da Amazônia e até experimentaram a agricultura muito antes do que se pensava, de acordo com uma equipe internacional de pesquisadores.

“Há muito sabemos que sociedades complexas surgiram em Llanos de Moxos, no sudoeste da Amazônia, na Bolívia, há cerca de 2.500 anos, mas nossa nova evidência sugere que os seres humanos se estabeleceram na região há mais de 10 mil anos, durante o início do período Holoceno”, José Capriles, professor assistente de antropologia da Universidade Estadual da Pensilvânia (PSU, na sigla em inglês).

Segundo Capriles, esses grupos de pessoas eram caçadores. No entanto, os dados mostram que eles estavam começando a esgotar seus recursos locais e estabelecer comportamentos territoriais, talvez levando-os a começar a domesticar plantas como batata-doce, mandioca, amendoim e pimenta como forma de adquirir comida.

A equipe arqueológica realizou seu estudo em três ilhas florestais – Isla del Tesoro, La Chacra e San Pablo – dentro da savana sazonalmente inundada dos Llanos de Moxos, no norte da Bolívia.

Sítio arqueológico na Amazônia boliviana / Foto: José Capriles, PSU
Sítio arqueológico na Amazônia boliviana / Foto: José Capriles, PSU

“Essas ilhas são elevadas acima da savana circundante, de modo que não inundam durante a estação das chuvas”, diz Capriles. “Acreditamos que as pessoas usavam esses locais  recorrentemente como campos sazonais, particularmente durante as longas estações chuvosas, quando a maioria dos Llanos de Moxos fica inundada.”, afirma.

As escavações da equipe nas ilhas florestais revelaram esqueletos humanos que haviam sido intencionalmente enterrados de maneira diferente dos caçadores-coletores típicos e, em vez disso, eram mais parecidos com os comportamentos de sociedades complexas – caracterizadas pela hierarquia política e pela produção de alimentos.

“Se estes fossem caçadores nômades, você não esperaria que eles enterrassem seus mortos em lugares específicos; em vez disso, eles deixariam seus mortos onde quer que eles morressem”, disse Capriles.

Capriles observou que é raro encontrar restos humanos ou arqueológicos que antecedam o uso de cerâmica queimada na região.

“Os solos tendem a ser muito ácidos, o que muitas vezes torna a preservação do material orgânico muito pobre”, disse ele. “Além disso, a matéria orgânica se deteriora rapidamente em ambientes tropicais e essa região não tem nenhum tipo de rocha para fazer ferramentas de pedra, então mesmo essas não estão disponíveis para estudo.”

Segundo Umberto Lombardo, cientista na Universidade de Berna, Suíça, quando os pesquisadores publicaram pela primeira vez a descoberta desses sítios arqueológicos, em 2013, eles tiveram que basear suas conclusões em evidências indiretas – principalmente análises geoquímicas – em vez de evidências diretas, como artefatos.

“Por causa da falta de evidências diretas, muitos arqueólogos estavam céticos sobre nossas descobertas”, disse Lombardo. “Eles não acreditavam realmente que aquelas ilhas florestais fossem locais arqueológicos do Holoceno. O estudo atual fornece evidências fortes e definitivas da origem antropocêntrica desses locais, porque as escavações arqueológicas descobriram os primeiros enterros humanos do Holoceno. Essas são a prova definitiva da antiguidade desses locais.

Capriles notou que os ossos humanos dessas ilhas florestais estavam preservados apesar das más condições, porque eles estavam envoltos em pilhas de lixo contendo abundantes fragmentos de conchas, ossos de animais e outros restos orgânicos.

Segundo o pesquisador, essas pessoas estavam forrageando caramujos durante a estação chuvosa e descartando as conchas em grandes pilhas. Com o tempo, a água dissolveu o carbonato de cálcio das conchas e esses carbonatos precipitaram-se sobre os ossos, efetivamente fossilizando-os.

Como os ossos humanos foram fossilizados, a equipe não conseguiu datá-los diretamente usando datação por radiocarbono. Em vez disso, eles usaram datação por radiocarbono de carvão e concha associados para estimar o intervalo de tempo em que os locais foram ocupados.

“Os abundantes restos de terra queimada e madeira sugerem que as pessoas estavam usando fogo, provavelmente para limpar a terra, cozinhar alimentos e se aquecer durante longos dias de chuva”, disse Capriles.

De acordo com Capriles, existe uma lacuna entre as pessoas estudadas por sua equipe que viviam nas ilhas da floresta entre 10 mil e 4 mil anos atrás e o surgimento de sociedades complexas, que começaram há cerca de 2,5 mil anos.

“Este artigo representa o primeiro passo no esforço para aprender mais sobre as pessoas que habitaram o sudoeste da Amazônia por milhares de anos”, disse Lombardo.

De acordo com Capriles, ainda há muitas questões não respondidas. Uma delas é: as pessoas que foram encontradas agora são predecessoras diretas dessas sociedades mais complexas? Pesquisas futuras vão responder.

O estudo foi publicado na revista científica “Science Advances”.