15/06/2022 - 19:27
Se, como os astrônomos acreditam, as mortes de grandes estrelas deixam buracos negros, deve haver centenas de milhões deles espalhados por toda a Via Láctea. O problema é que buracos negros isolados são invisíveis.
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Agora, uma equipe internacional liderada por astrônomos da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) descobriu pela primeira vez o que pode ser um buraco negro que flutua livremente no espaço – ou errante – ao observar o brilho de uma estrela mais distante quando sua luz foi distorcida pelo forte campo gravitacional do objeto – a chamada microlente gravitacional.
A equipe, liderada pelo pós-graduando Casey Lam e Jessica Lu, professora associada de astronomia da UC Berkeley, estima que a massa do objeto compacto invisível esteja entre 1,6 e 4,4 vezes a do Sol. Como os astrônomos pensam que o remanescente de uma estrela morta deve ser mais pesado que 2,2 massas solares para se transformar em um buraco negro, os pesquisadores da UC Berkeley ressalvam que o objeto pode ser uma estrela de nêutrons em vez de um buraco negro. As estrelas de nêutrons também são objetos densos e altamente compactos, mas sua gravidade é equilibrada pela pressão interna de nêutrons, o que evita um colapso ainda maior em um buraco negro.
‘Fantasma’ estelar
Seja um buraco negro ou uma estrela de nêutrons, o objeto é o primeiro remanescente estelar escuro – um “fantasma” estelar descoberto vagando pela galáxia sem par com outra estrela.
“Este é o primeiro buraco negro errante ou estrela de nêutrons descoberto com microlente gravitacional”, disse Lu. “Com a microlente, podemos sondar esses objetos solitários e compactos e pesá-los. Acho que abrimos uma nova janela para esses objetos escuros, que não podem ser vistos de outra maneira.”
Determinar quantos desses objetos compactos povoam a Via Láctea ajudará os astrônomos a entender a evolução das estrelas – em particular, como elas morrem – e de nossa galáxia, e talvez revelar se algum dos buracos negros invisíveis são buracos negros primordiais, os quais alguns cosmólogos pensam terem sido produzidos em grandes quantidades durante o Big Bang.
A análise de Lam, Lu e sua equipe foi aceita para publicação na revista The Astrophysical Journal Letters. A análise inclui quatro outros eventos de microlente que a equipe concluiu que não foram causados por um buraco negro, embora dois provavelmente tenham sido causados por uma estrela anã branca ou uma estrela de nêutrons. A equipe também concluiu que a população provável de buracos negros na galáxia é de 200 milhões – aproximadamente o que a maioria dos teóricos previu.
Mesmos dados, conclusões diferentes
Notavelmente, uma equipe concorrente do Space Telescope Science Institute (STScI) em Baltimore (EUA) analisou o mesmo evento de microlente e afirma que a massa do objeto compacto está mais próxima de 7,1 massas solares e, indiscutivelmente, um buraco negro. Um artigo descrevendo a análise da equipe do STScI, liderada por Kailash Sahu, foi aceito para publicação na revista The Astrophysical Journal.
Ambas as equipes usaram os mesmos dados: medições fotométricas do brilho da estrela distante à medida que sua luz era distorcida pelo objeto supercompacto e medições astrométricas da mudança da localização da estrela distante no céu como resultado da distorção gravitacional pelo objeto da lente. Os dados fotométricos vieram de dois levantamentos de microlentes: o Optical Gravitational Lensing Experiment (OGLE), que emprega um telescópio de 1,3 metro no Chile operado pela Universidade de Varsóvia (Polônia), e o experimento Microlensing Observations in Astrophysics (MOA), montado em um telescópio de 1,8 metro na Nova Zelândia operado pela Universidade de Osaka (Japão). Os dados astrométricos vieram do Telescópio Espacial Hubble, da Nasa/ESA. O STScI gerencia o programa científico do telescópio e conduz suas operações científicas.
Como ambas as pesquisas de microlente capturaram o mesmo objeto, ele tem dois nomes: MOA-2011-BLG-191 e OGLE-2011-BLG-0462, ou OB110462, para abreviar.
Enquanto pesquisas como essas descobrem cerca de 2 mil estrelas iluminadas por microlentes a cada ano na Via Láctea, a adição de dados astrométricos é o que permitiu que as duas equipes determinassem a massa do objeto compacto e sua distância da Terra. A equipe liderada pela UC Berkeley estimou que está entre 2.280 e 6.260 anos-luz (700-1.920 parsecs) de distância, na direção do centro da Via Láctea e perto da grande protuberância que circunda o buraco negro maciço central da galáxia. O grupo do STScI estimou que fica a cerca de 5.153 anos-luz (1.580 parsecs) de distância.
Agulha no palheiro
Lu e Lam se interessaram pelo objeto pela primeira vez em 2020, depois que a equipe do STScI concluiu provisoriamente que cinco eventos de microlente observados pelo Hubble – todos os quais duraram mais de 100 dias e, portanto, poderiam ser buracos negros – podem não ser causados por objetos compactos afinal.
Lu, que procura buracos negros errantes desde 2008, pensou que os dados a ajudariam a estimar melhor sua abundância na galáxia, que foi estimada entre 10 milhões e 1 bilhão. Até o momento, buracos negros do tamanho de estrelas foram encontrados apenas como parte de sistemas estelares binários. Buracos negros em binários são vistos em raios X, produzidos quando o material da estrela cai no buraco negro, ou por detectores de ondas gravitacionais recentes, que são sensíveis à fusão de dois ou mais buracos negros. Mas esses eventos são raros.
“Casey e eu vimos os dados e ficamos muito interessados. Dissemos: ‘Uau, sem buracos negros. Isso é incrível’, mesmo que devesse ter havido”, disse Lu. “E então começamos a olhar para os dados. Se realmente não houvesse buracos negros nos dados, então isso não corresponderia ao nosso modelo de quantos buracos negros deveriam existir na Via Láctea. Algo teria que mudar em nossa compreensão dos buracos negros – seja seu número ou quão rápido eles se movem ou suas massas.”
Quando analisou a fotometria e a astrometria dos cinco eventos de microlente, Lam ficou surpresa que um deles, OB110462, tinha as características de um objeto compacto: o objeto de lente parecia escuro e, portanto, não era uma estrela; o brilho estelar durou muito tempo, quase 300 dias; e a distorção da posição da estrela de fundo também foi duradoura.
A duração do evento de lente foi a principal dica, disse Lam. Em 2020, ela mostrou que a melhor maneira de procurar microlentes de buracos negros era buscar eventos muito longos. Apenas 1% dos eventos de microlentes detectáveis são provavelmente de buracos negros, disse ela, então olhar para todos os eventos seria como procurar uma agulha no palheiro. Mas, calculou Lam, cerca de 40% dos eventos de microlentes que duram mais de 120 dias provavelmente são buracos negros.
“A duração do evento de brilho é uma dica de quão massiva é a lente de primeiro plano que dobra a luz da estrela de fundo”, disse Lam. “Eventos longos são mais prováveis devido a buracos negros. Não é uma garantia, no entanto, porque a duração do episódio de brilho não depende apenas da massa da lente de primeiro plano, mas também da velocidade com que a lente de primeiro plano e a estrela de fundo estão se movendo em relação No entanto, obtendo também medições da posição aparente da estrela de fundo, podemos confirmar se a lente do primeiro plano é realmente um buraco negro.”
De acordo com Lu, a influência gravitacional de OB110462 na luz da estrela de fundo foi incrivelmente longa. Demorou cerca de um ano para a estrela clarear ao máximo em 2011, depois cerca de um ano para escurecer de volta ao normal.
Mais dados distinguirão buracos negros de estrelas de nêutrons
Para confirmar que OB110462 foi causado por um objeto supercompacto, Lu e Lam pediram mais dados astrométricos do Hubble, alguns dos quais chegaram em outubro passado. Esses novos dados mostraram que a mudança na posição da estrela como resultado do campo gravitacional da lente ainda é observável dez anos após o evento. Outras observações do Hubble da microlente estão programadas para o outono de 2022 no hemisfério norte.
A análise dos novos dados confirmou que OB110462 era provavelmente um buraco negro ou estrela de nêutrons.
Lu e Lam suspeitam que as conclusões divergentes das duas equipes se devem ao fato de que os dados astrométricos e fotométricos fornecem medidas diferentes dos movimentos relativos dos objetos em primeiro plano e em segundo plano. A análise astrométrica também difere entre as duas equipes. A equipe liderada pela UC Berkeley argumenta que ainda não é possível distinguir se o objeto é um buraco negro ou uma estrela de nêutrons, mas eles esperam resolver a discrepância com mais dados do Hubble e análises aprimoradas no futuro.
“Por mais que queiramos dizer que é definitivamente um buraco negro, devemos relatar todas as soluções permitidas. Isso inclui tanto buracos negros de menor massa quanto possivelmente até uma estrela de nêutrons”, afirmou Lu.
“Se você não consegue acreditar na curva de luz, no brilho, isso diz algo importante. Se você não acredita em posição versus tempo, isso diz algo importante”, disse Lam. “Então, se um deles estiver errado, temos que entender o porquê. Ou a outra possibilidade é que o que medimos em ambos os conjuntos de dados está correto, mas nosso modelo está incorreto. Os dados de fotometria e astrometria surgem do mesmo processo físico, o que significa que o brilho e a posição devem ser consistentes entre si. Portanto, existe algo faltando lá.”
Ambas as equipes também estimaram a velocidade do objeto de lente supercompacto. A equipe de Lu/Lam encontrou uma velocidade relativamente calma, inferior a 30 quilômetros por segundo. A equipe do STScI encontrou uma velocidade incomumente grande, 45 km/s, que interpretou como resultado de um impulso extra que o suposto buraco negro recebeu da supernova que o gerou.