Campanha de Lula decide jogar o jogo sujo do bolsonarismo, e propostas passam para segundo plano. Só que a nova direita tem mais fôlego nessa disciplina, observa o colunista Philipp Lichterbeck.A campanha eleitoral brasileira entrou na fase da rinha de galo. Com a saída dos candidatos de perfis mais programáticos Simone Tebet e Ciro Gomes, estamos lidando agora com um duelo entre dois machos alfa da política, Lula e Bolsonaro. Como dois galos num ringue, os candidatos se cercam mutuamente, insuflados por seus torcedores, e tentam acertar o outro gravemente.

É um espetáculo típico, que se vê de tempos em tempos em todas as repúblicas presidenciais latino-americanas. Tudo gira em torno de dois homens, às vezes também há uma mulher. Todas as esperanças, desejos e expectativas são projetados neles, assim como rejeição ou até ódio. É o triste efeito de um sistema feito sob medida para um líder da nação.

Especialmente na América Latina, com suas sociedades tão heterogêneas, uma democracia parlamentar, em que partidos e programas são eleitos, seria a solução mais democrática. Ela também civilizaria as campanhas eleitorais. Em vez disso, as campanhas estão se tornando cada vez mais histéricas e sujas, como se vê agora, na reta final do segundo turno.

Um tenta satanizar o outro

Lula e Bolsonaro poderiam estar discutindo o futuro. Por exemplo, as reformas necessárias do sistema tributário, do sistema educacional e do sistema político.

Em vez disso, abordam a moralidade. Cada candidato reivindica a supremacia moral, acusando o outro de ser moralmente degenerado. Um tenta demonizar o outro – método inventado no passado por estrategistas de direita para desacreditar a esquerda em vez de combatê-la no campo das ideias.

Mas a esquerda aprendeu desde então. Ela não mais se orienta pelo lema de Michelle Obama: “When they go low, we go high” (quando eles descem [o nível], nós o subimos). Seu novo lema é: 'When they go low, we go with them!” (quando eles descem [o nível], nós vamos junto!).

Aparentemente foi percebido que grandes setores do eleitorado simplesmente não estão interessados no fato de o governo Bolsonaro ser corresponsável por quase 700 mil mortes por covid-19, que a Floresta Amazônica está sendo destruída em velocidade recorde e que um gigantesco esquema de corrupção foi criado com o orçamento secreto.

O que se discute é o suposto canibalismo de Bolsonaro e uma visita dele a um templo maçônico há cinco anos. As interações nas redes sociais mostram que essas questões chamam a atenção e, pelo jeito, atingem o outro lado.

Esquerda quer dar a Bolsonaro seu próprio veneno

A esquerda está provando que também é capaz de desenterrar vídeos antigos na internet e tecer narrativas em torno deles. Ela também consegue manipular fotos, tirar trechos de vídeo de contexto e produzir fake news. Ela quer dar a Bolsonaro seu próprio veneno.

O bolsonarismo, como apontou Wilson Gomes, professor de teoria da comunicação da Universidade Federal da Bahia, é “incompreensível do ponto de vista meramente político, é um fenômeno de psicologia social”.

Então talvez André Janones esteja mesmo certo quando tenta atingir o bolsonarismo em seu lado emocional e irracional. “Se vocês me autorizarem, daqui pra frente vou surrar esse gado todo dia! JANONES EU AUTORIZO”, escreveu o deputado federal em sua conta no Twitter. Ele quer derrotar o bolsonarismo com suas próprias armas. Para ele, o fim justifica os meios.

A questão é o que vem depois disso. Quem resolve começar a jogar sujo não consegue de repente jogar limpo de novo. Só que a nova direita é bem melhor nisso, pois desde Donald Trump toda a sua raison d'être é baseada em conspirações, mentiras, fake news, exageros, insultos e alarmismo.

Partes da nova direita dos EUA acreditam seriamente que existe uma estratégia para substituir a população branca e cristã por indivíduos mais escuros e islâmicos.(white replacement conspiracy theory). No Brasil, os bolsonaristas afirmam que os cristãos evangélicos estão sendo perseguidos. Mas a esquerda não tem esse tipo de metanarrativa, ela se apoia em escândalos pontuais. É por isso que a nova direita tem mais fôlego nesse jogo sujo. A espiral em que se está entrando é descendente.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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