Sob a justificativa de combate ao tráfico de drogas, Trump pressiona a Venezuela com presença militar crescente no Mar do Caribe. Qual é o risco de as tensões se espalharem também para o México?Em uma demonstração de poder direcionada ao regime de Nicolás Maduro, os Estados Unidos intensificaram sua presença militar no Caribe, em frente à costa da Venezuela , e enviaram o maior porta-aviões do mundo à região. Desde setembro, mais de 75 pessoas morreram em ataques das forças americanas em águas internacionais contra barcos supostamente a serviço do narcotráfico .

Quão provável é que a ofensiva militar de Donald Trump , supostamente para combater os cartéis de drogas, se volte também contra o México ? Washington classificou vários cartéis mexicanos como organizações terroristas, e não descartou incursões no país vizinho para combatê-los – ideia que a presidente mexicana Claudia Sheinbaum rejeita categoricamente, insistindo no respeito à soberania de seu país.

México é entreposto das drogas que chegam aos EUA

Para o pesquisador Gary Hale, do Instituto Baker da Universidade Rice, em Houston (EUA), o risco de uma ação militar americana contra cartéis de drogas mexicanos é “elevado”. “Especialmente contra os que operam embarcações sem bandeira em águas internacionais e transportam abertamente carregamentos de drogas, produtos químicos ou combustível”, afirma à DW.

Hale explica que a costa mexicana é o principal destino dos barcos do narcotráfico que partem da América do Sul ou da América Central. De lá, as drogas costumam ser transportadas por terra até os Estados Unidos.

México e EUA cooperam militarmente

Já o especialista em segurança David Saucedo pensa diferente e destaca a colaboração e coordenação entre as Forças Armadas americanas e a Marinha mexicana: “Há um acordo para que as embarcações americanas possam se abastecer em portos mexicanos com combustível, água potável e mantimentos”, afirma à DW.

Além disso, ele frisa que as embarcações da Marinha mexicana estão prontas para intervir e interceptar qualquer lancha rápida que escape das forças militares de Washington.

E há quem defenda que a pressão exercida por Trump já surtiu efeito sobre o governo mexicano. Segundo o especialista em narcotráfico Nathan Jones, as autoridades mexicanas estão combatendo os cartéis com ajuda da inteligência americana, e o governo de Sheinbaum tem demonstrado disposição para colaborar em outras áreas, como migração ilegal e comércio.

Por isso, Jones descarta que Washington se arrisque a perder essa cooperação: “Para quê? Para lançar um míssil Tomahawk e destruir um laboratório de fentanil? Não faz sentido”, argumenta ele, que é também professor associado de estudos de segurança na Universidade Estadual Sam Houston, no Texas (EUA).

Jones também destaca a extradição de 26 narcotraficantes para os EUA em agosto, por decisão de Sheinbaum. “Na realidade, não foram extraditados, mas transferidos ou expulsos, o que pode significar que não há restrições legais sobre o que pode ser feito com eles”, aponta.

Ele diz crer até que, nos bastidores, as autoridades americanas estejam solicitando a pena de morte para esses 26 narcotraficantes como forma de pressioná-los a aceitar um acordo de delação premiada.

Já Saucedo lista outro impedimento a uma eventual ação militar americana em solo mexicano: o temor do próprio Pentágono de que suas Forças Armadas sejam infiltradas pelo narcotráfico. “O Exército americano não é impermeável à corrupção”, afirma.

Casa Branca está de olho em Sheinbaum

Quão bem-sucedida tem sido a luta do governo de Sheinbaum contra o crime organizado? Os números oficiais apontam uma redução dos homicídios, de uma média de 86,9 casos por dia em setembro de 2024 para 59,5 em setembro deste ano.

No entanto, o recente assassinato do prefeito de Uruapan, Carlos Manzo, apenas duas semanas depois do assassinato de Bernardo Braco, líder dos produtores de limão do estado de Michoacán, coloca em dúvida a eficácia da estratégia de segurança pública de Sheinbaum, baseada em inteligência, investigação e atenção às causas sociais.

Para Saucedo, o critério mais importante para avaliar o desempenho de Sheinbaum não é a opinião dos mexicanos, e sim a do governo americano. “Washington tem uma opinião muito negativa sobre o que se faz no México em matéria de combate ao narcotráfico”, afirma, acrescentando que “as decisões estratégicas e de longo prazo para o México são tomadas na Casa Branca”.

Na opinião de Hale, que dirigiu operações na América Latina da DEA, órgão do governo americano de combate às drogas, o assassinato de Carlos Manzo é “o último fracasso da abordagem não confrontacional” do governo mexicano contra os cartéis. Mas ele pondera que Sheinbaum, que acabou de entrar no segundo ano de seu mandato, “ainda tem tempo para mudar o rumo de suas políticas”.

“Com navios de guerra americanos operando diante da costa do Pacífico e do Golfo do México, Trump poderia obrigar Sheinbaum a redesenhar suas estratégias antidrogas, dando-lhe a oportunidade de se ajustar e alinhar-se ao pensamento americano, ou continuar enfrentando sanções comerciais, como tarifas elevadas e possíveis ataques militares em seu próprio território”, afirma o pesquisador da Universidade Rice.