O novo programa Brain, lançado pelo governo americano, deverá ter grande impacto no estudo de doenças neurológicas.

Um ano após o seu lançamento, a Brain Initiative, um programa do governo de Barack Obama dedicado a esmiuçar o funcionamento do cérebro, já tem suas primeiras vitórias. No dia 2 de abril, a revista Nature publicou um artigo a respeito de um atlas pioneiro que mapeia quais genes controlam o desenvolvimento de diferentes áreas do cérebro humano em estágio fetal, um instrumento precioso na investigação de moléstias neurológicas como a doença de Parkinson, a esquizofrenia e o autismo. 

Na mesma semana, cientistas liderados por Hongkui Zeng, do Allen Institute for Brain Science, de Seattle, no Estado de Washington, divulgaram o primeiro mapa das conexões descobertas no cérebro de um camundongo. Uma semana antes, outro grupo de pesquisadores lançou um atlas do cérebro da larva da mosca. 

Brain é o acrônimo de Brain Research rough Advancing Innovative Neurotechnologies (ou Pesquisa do Cérebro Através do Avanço de Neurotecnologias Inovadoras, em tradução livre). Além de investir US$ 110 milhões na iniciativa e montar uma complexa engenharia financeiro-acadêmica, a administração Obama vai incentivar empresas privadas e universidades americanas a se juntarem para conquistar um avanço inédito nessa área A Brain Initiative visa criar mapas do cérebro humano em diferentes estágios de desenvolvimento. Os mapas divulgados no início de abril representam um passo importante nessa direção. Pesquisadores podem usar o atlas para procurar correlações entre a expressão do gene e o desenvolvimento de regiões específicas do órgão, e também investigar problemas de acordo com a perspectiva genética. 

Outro objetivo destacado do projeto é a elaboração dos diagramas das conexões utilizadas pelos 100 bilhões de células nervosas do cérebro para se comunicarem entre si por meio de sinais elétricos, conhecidas em inglês pela palavra “connectomes”. 

Visão abrangente

“Isso é só o começo”, afirmou Ed Lein, pesquisador do Allen Institute for Brain Science, por ocasião do artigo publicado na Nature. “Queremos compreender o modelo pelo qual construímos um cérebro e isso é um passo nessa direção. Podemos começar a ter um mapa de como os genes estão conduzindo esse processo.” Lein encabeça a lista de 80 autores do texto, que aborda uma pesquisa na qual o Allen Institute investiu US$ 35 milhões. Assim como o conjunto de mapas do cérebro de camundongos, o BrainSpan Atlas of the Developing Human Brain entrou no portal Allen Brain Atlas, que pode ser acessado gratuitamente online no endereço brainmap. org. 

“Saber onde um gene se expressa no cérebro pode proporcionar indícios valiosos sobre qual é o seu papel”, afirma Lein. “Isso fornece uma visão abrangente de quais genes estão ativados e desativados em núcleos específi cos e tipos de células, enquanto o cérebro está se desenvolvendo durante a gravidez.” 

Thomas Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), também destacou a importância do feito em um comunicado à imprensa. “Esse atlas vai transformar a maneira como os cientistas abordam o desenvolvimento do cérebro humano e as doenças neurológicas como o autismo e a esquizofrenia”, disse “Embora os muitos genes associados ao autismo e à esquizofrenia não mostrem uma relação clara entre si no cérebro adulto, o BrainSpan Atlas revela como eles são ligados no cérebro prénatal. 

No artigo da Nature, Ed Lein e seus colegas relatam uma sobreposição significativa entre uma rede de genes que afeta a geração de certos tipos de neurônios para o córtex e conjuntos de genes que têm sido relacionados ao autismo. “Essa é uma evidência adicional de que as origens do autismo podem ser pré-natais”, disse Lein na época da publicação do texto. 

Os resultados vêm ao encontro de outros estudos que sugerem que a intervenção precoce pode ser fundamental em crianças com autismo. “Há evidências convergindo para um lugar no espaço e no tempo em que devemos estar colocando nosso foco”, afirmou Lein. 

Neocórtex em formação

O atlas foi criado a partir do estudo dos cérebros de quatro fetos humanos com idade entre 15 e 21 semanas após a concepção. “Esse é o período em que começamos a estabelecer o neocórtex do cérebro, responsável por muitas das nossas características cognitivas mais singulares”, sublinha Lein. 

As amostras de tecido foram obtidas no Laboratório de Pesquisas de Defeitos do Cérebro, da Universidade de Washington, em Seattle, e no Advanced Bioscience Resources, em Alameda, na Califórnia. O estudo trabalhou apenas com tecidos normais de mães sem histórico conhecido de abuso de drogas ou álcool, contágio pelo vírus da hepatite ou pelo HIV. Por exigências de confidencialidade, os pesquisadores não sabem se esses tecidos vieram de fetos abortados de maneira natural ou induzida. 

Cada cérebro foi cortado em fatias. Cada fatia foi digitalizada em detalhes microscópicos para determinar a localização de áreas funcionais. Também foram feitos testes genéticos em dezenas de milhares de áreas nas amostras cerebrais. Cada um desses passos recebeu referências cruzadas na base de dados informatizada do atlas. 

O esforço foi baseado em projetos anteriores realizados no Allen Institute que usaram cérebros de rato. “O trabalho por trás da criação desse atlas não poderia ter sido feito em qualquer outro lugar”, disse Allan Jones, diretor-executivo do instituto, em um comunicado. 

As aplicações potenciais vão além da medicina. As comparações entre os seres humanos e outros animais podem revelar por que os primeiros acabaram por ser tão inteligentes. Lein e colegas descobriram, por exemplo, um conjunto de genes que estavam fortemente expressos no córtex frontal humano e em uma zona que serve como base para o início da formação dos circuitos cerebrais.

“Sabemos que algumas regiões importantes do genoma mostram impressionantes diferenças de sequências [de DNA] em humanos na comparação com outras espécies”, diz Lein. “Uma vez que o lugar onde um gene é expresso no cérebro pode nos dar um vislumbre sobre a sua função, podemos usar nosso mapa para começar a descobrir os papéis desses genes no que torna os humanos tão  istintos.”