01/02/2022 - 10:56
A atmosfera da Terra não é um envelope uniforme, mas consiste em camadas distintas, cada uma com propriedades características. A camada mais baixa, a troposfera, que se estende desde o nível do mar além dos picos mais altos das montanhas, contém a maior parte do vapor d’água e, portanto, é a camada na qual ocorre a maioria dos fenômenos climáticos. A camada acima dela – a estratosfera – é aquela que contém a famosa camada de ozônio que nos protege da radiação ultravioleta nociva do Sol.
Em um novo estudo publicado na revista Nature Astronomy, uma equipe internacional de pesquisadores liderada pela Universidade de Lund (Suécia) mostra pela primeira vez que a atmosfera de um dos planetas mais extremos conhecidos também pode ter camadas distintas semelhantes – embora com características muito diferentes.
- Exoplaneta onde chove ferro é ainda mais estranho do que se pensava
- Exoplanetas: ‘Estamos encontrando uma diversidade cósmica’, diz astrônomo
- Exoplanetas rochosos são ainda mais estranhos do que se imaginava
Coquetel exótico
O WASP-189b é um planeta localizado a 322 anos-luz da Terra. Extensas observações com o telescópio espacial Cheops em 2020 revelaram, entre outras coisas, que o planeta está 20 vezes mais próximo de sua estrela hospedeira do que a Terra está do Sol e tem uma temperatura diurna de 3.200 graus Celsius. Investigações mais recentes com o espectrógrafo Harps no Observatório de La Silla, no Chile, permitiram agora, pela primeira vez, que os pesquisadores observassem mais de perto a atmosfera desse planeta semelhante a Júpiter.
“Medimos a luz que vem da estrela hospedeira do planeta e passa pela atmosfera do planeta. Os gases em sua atmosfera absorvem parte da luz estelar, semelhante ao ozônio absorvendo parte da luz solar na atmosfera da Terra e, assim, deixam sua característica ‘impressão digital’. Com a ajuda do Harps, conseguimos identificar as substâncias correspondentes”, explicou Bibiana Prinoth, principal autora do estudo e doutoranda da Universidade de Lund. Segundo os pesquisadores, os gases que deixaram suas impressões digitais na atmosfera do WASP- 189b incluíam ferro, cromo, vanádio, magnésio e manganês.
“Camada de ozônio”?
Uma substância particularmente interessante que a equipe encontrou é um gás contendo titânio: óxido de titânio. Embora o óxido de titânio seja muito escasso na Terra, ele pode desempenhar um papel importante na atmosfera do WASP-189b – semelhante ao do ozônio na atmosfera da Terra. “O óxido de titânio absorve radiação de ondas curtas, como a radiação ultravioleta. Sua detecção pode, portanto, indicar uma camada na atmosfera de WASP-189b que interage com a irradiação estelar de forma semelhante à camada de ozônio na Terra”, explicou o coautor do estudo Kevin Heng, professor de astrofísica da Universidade de Berna (Suíça) e membro do NCCR PlanetS (instituição de estudo de planetas sediada na Universidade de Berna).
De fato, os pesquisadores encontraram indícios de tal camada e outras camadas no planeta ultraquente semelhante a Júpiter. “Em nossa análise, vimos que as ‘impressões digitais’ dos diferentes gases foram ligeiramente alteradas em relação à nossa expectativa. Acreditamos que ventos fortes e outros processos possam gerar essas alterações. E porque as impressões digitais de diferentes gases foram alteradas de maneiras diferentes, achamos que isso indica que eles existem em diferentes camadas – de forma semelhante a como as impressões digitais de vapor d’água e ozônio na Terra apareceriam alteradas de maneira diferente a distância, porque ocorrem principalmente em diferentes camadas atmosféricas”, explicou Prinoth. Esses resultados podem mudar a forma como os astrônomos investigam exoplanetas.
Olhar diferente
“No passado, os astrônomos muitas vezes assumiam que as atmosferas dos exoplanetas existem como uma camada uniforme e tentavam entendê-la como tal. Mas nossos resultados demonstram que mesmo as atmosferas de planetas gasosos gigantes intensamente irradiados têm estruturas tridimensionais complexas”, explicou Jens Hoeijmakers, coautor do estudo e professor associado sênior da Universidade de Lund.
“Estamos convencidos de que para podermos compreender plenamente esses e outros tipos de planetas, inclusive os mais parecidos com a Terra, precisaremos apreciar a natureza tridimensional de suas atmosferas. Isso requer inovações nas técnicas de análise de dados, modelagem computacional e teoria atmosférica”, concluiu Kevin Heng.