Mais de três quartos dos sul-coreanos creem que capacidade nuclear independente seria a melhor defesa para o país, diante das crescentes ameaças à segurança partindo da Coreia do Norte e da China.Um novo estudo indica que mais de 76% dos sul-coreanos defendem que o país desenvolva e implante suas próprias armas nucleares como forma de dissuasão, com a China vista como a maior ameaça à paz na região.

O surpreendente, segundo analistas, é que a ideia de uma capacidade nuclear independente tem apoio de todo o espectro político da Coreia do Sul.

Os conservadores insistem que um arsenal atômico é necessário para afastar a ameaça representada por Pequim, que nos últimos anos vem expandindo agressivamente seu controle do Mar do Sul da China, exigindo o controle de Taiwan e fazendo reivindicações territoriais cada vez mais ousadas contra muitos de seus vizinhos, incluindo a Coreia do Sul.

O imprevisível regime de Kim Jong Un em Pyongyang também tem investido fortementeem suas capacidades nucleares e de mísseis de longo alcance nos últimos anos. Analistas preveem um oitavo teste nuclear subterrâneo na base de Punggye-ri, nos próximos meses.

Fragilidade na aliança Washington-Seul

A percepção de uma certa fragilidade na aliança de segurança que tem ligado os EUA a Seul desde a eclosão da Guerra da Coreia em 1950 também tem sido motivo de preocupação no Sul. Enquanto estava no poder, o presidente Donald Trump forçou o país asiático a aumentar drasticamente o valor pago para manter as tropas americanas em seu solo, sob ameaças de retirá-las da península.

Mais recentemente, também houve questionamentos sobre o compromisso de Washington com a aliança, à medida que aumentam os atritos comerciais entre os dois países. Além de adotarem uma postura mais firme em relação às importações de veículos elétricos sul-coreanos, os EUA têm se afastado de uma longa dependência dos fabricantes coreanos de semicondutores.

A sensação, em certos círculos, é que se Washington não é confiável no comércio, então como Seul pode ter certeza absoluta de que as forças americanas irão se comprometer no caso de outra invasão pelo Norte ou de uma ameaça à segurança nacional por parte da China?

Tensões comerciais e políticas se reforçam

Anunciado em 30 de janeiro, o mais recente estudo sobre como a população sul-coreana enxerga uma estratégia doméstica de dissuasão nuclear foi conduzido pelo Chey Institute for Advanced Studies no fim de 2022.

Dos entrevistados pelo think tank 60,7% disseram acreditar que a Coreia do Sul está “um tanto necessitada” de desenvolver suas próprias armas atômicas. Outros 15,9% consideram uma dissuasão nuclear “muito necessária”. Apenas 3,1% opinaram que o Sul não precisa de suas próprias armas nucleares.

Mesmo alguns políticos mais à esquerda se dizem a favor de uma capacidade nuclear doméstica, alegando que isso tornaria Seul menos dependente do “guarda-chuva defensivo” fornecido pelos EUA, além de permitir uma redução das forças armadas americanas e colocar as decisões sobre segurança nacional inteiramente nas mãos das autoridades locais.

“Acredito que estamos numa situação em que a China vem emergindo e se tornando uma grande ameaça, enquanto os EUA estão tentando competir com a Coreia do Sul”, disse Hyobin Lee, professora adjunta de política da Chungnam National University.

“O fato de os EUA não subsidiarem os veículos elétricos coreanos e tentarem competir na indústria de semicondutores está gerando apreensão na Coreia do Sul”, complementou.

Falta confiança no guarda-chuva nuclear

“Os sul-coreanos não confiam no guarda-chuva nuclear dos EUA”, acrescenta Hyobin Lee. “Como podemos confiar em alguém para proteção, se nos trata como concorrentes?” Ainda assim, existe um receio de que os movimentos cada vez mais agressivos da China no Indo-Pacífico acabem levando a um conflito.

“A antipatia em relação à China aumenta a cada dia”, prossegue Lee. “De acordo com uma pesquisa, cerca de 80% dos coreanos dizem ter antipatia por ela, a taxa mais alta da história. Para muitos coreanos é relativamente alta a possibilidade de a China e a Coreia do Norte atacarem a Coreia do Sul.”

O estudo do Chey Institute vem na esteira de uma série de pesquisas similares que sugerem apoio popular crescente a uma capacidade nuclear doméstica. Nos últimos anos, uma consulta do think tank Chicago Council on Global Affairs concluiu que 71% do público defende o modelo, enquanto outro estudo do Asian Institute for Policy Studies acusou um a taxa de 70,2%.

Karl Friedhoff, coautor do relatório do Chicago Council, ressalva que, embora a taxa de apoio a armas nucleares seja de fato maior no último estudo, a metodologia empregada foi bem diferente das pesquisas anteriores. Ainda assim, seu próprio estudo enfatiza que a aquisição de armas nucleares, “outrora um tópico para as margens da política”, agora já se tornou um elemento dominante nas discussões sobre segurança.

O relatório acrescenta que o apoio às armas nucleares é “robusto”, com o controle interno sobre um arsenal atômico sendo visto de forma muito mais favorável do que o emprego de armamento americano como forma de impedir um eventual conflito na Coreia do Sul. Cerca de 67% dos entrevistados são a favor de uma capacidade nuclear independente, contra apenas 9% que defendem uma base americana em território sul-coreano.

Friedhoff sugere ainda outra razão para a solidez deste apoio: a assim chamada “teoria do uso indesejado”, segundo a qual, à medida que aumenta a credibilidade do poder dos EUA e sua prontidão em usar armas nucleares a partir de bases na Coreia do Sul, isso paradoxalmente torna o Sul mais um alvo de seus rivais regionais, seja como um ataque preventivo, seja em retaliação.

O debate sobre as ambições nucleares de Seul ganhou ainda mais munição após um comentário aparentemente improvisado do presidente Yoon Suk-yeol sobre as opções nacionais de defesa: em janeiro, ele afirmou que a Coreia do Sul pode precisar adquirir capacidades nucleares ou, pelo menos, ter um papel mais ativo na gestão de armas dos EUA que podem ser reintroduzidas no Sul.

Oposição oficial

“A posição atual do governo se opõe a um programa doméstico de armas nucleares na Coreia do Sul”, observou Friedhoff. “No entanto, ele parece de fato estar buscando um retorno de armas nucleares táticas ou compartilhamento nuclear.”

Temendo a proliferação e uma resposta forte e unida da China e da Coreia do Norte, os EUA se opõem a ambas as opções. No entanto, caso a Coreia do Sul tente desenvolver sua própria dissuasão nuclear, Friedhoff estima que o desenvolvimento de uma arma levaria menos de um ano.

No entanto ele questiona: onde se colocarão essas armas? “A massa territorial é restrita, e toda instalações nuclear estaria próxima a um centro populacional. Isso atrairá mais protestos. Assim, parece provável que qualquer programa de armas sul-coreano teria que ser baseado na Marinha.”

Todo plano para uma capacidade nuclear independente seria inevitavelmente condenado pelos rivais regionais do país, principalmente a Coreia do Norte e a China, como um esforço deliberado para desestabilizar a região e provavelmente desencadearia sanções econômicas retaliatórias de Pequim.

O Japão provavelmente expressará receios, enquanto os EUA também deverão resistir aos esforços sul-coreanos para desenvolver e implantar armas atômicas, alegando que se opõem à proliferação nuclear.

Qualquer decisão desse tipo também significaria que Seul estaria descartando os compromissos assumidos sob o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, com implicações para seu programa de energia nuclear civil.

Analistas também chamam atenção para aquele 24% do público que se opõe às armas nucleares e que, embora em número significativamente menor, ainda não começou a se manifestar.

“O povo coreano não está em situação de possuir suas próprias armas nucleares de modo fácil e rápido, mesmo que queira”, esclarece Lee. “A Coreia do Sul precisa respeitar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, e não será fácil quebrar essa promessa que firmou.”