Com a presença cada vez mais numerosa de mulheres em empresas de tecnologia, cresce a insatisfação com o tratamento desigual. Elas se sentem cada vez mais pressionadas a terem que trabalhar extra em função de seu gênero.”Acredito verdadeiramente que não há época melhor para as mulheres no setor de tecnologia do que hoje em dia”, disse a CEO Margaret Zablocka, ao refletir sobre quando fundou sua empresa Onoco, um popular aplicativo para pais e mães, em 2020. A rede de apoio às mulheres já é bem melhor do que costumava ser, segundo sua avaliação.

Então como explicar os resultados de um relatório recentemente divulgado pelo Web Summit, o maior evento tecnológico do mundo?

Em uma pesquisa de 2022 sobre as mulheres na comunidade tech, 70% das entrevistadas disseram sentir que precisavam trabalhar mais para provar sua competência, em razão de seu gênero. Isso representa um aumento de 36% em relação ao mesmo levantamento feito em 2019.

O número de mulheres nas startups está aumentando, o que joga luz sobre as questões relacionadas ao gênero nesse setor.

Em 2019, em torno de 20% dessas empresas em todo o mundo possuíam ao menos uma fundadora mulher, um aumento de 10% em comparação com 2009, segundo dados do portal Crunchbase, que fornece análises sobre as startups.

Mas, mesmo com o maior número de mulheres, apenas 2% dos financiamentos de capital de risco na Europa foram para startups totalmente femininas em 2021 – abaixo dos insignificantes 3% registrados em 2020.

Desafios na captação de recursos

“Olha, o preconceito é real”, afirmou Rima Al-Shikh, fundadora de uma startup de inteligência artificial (IA) no Canadá. “Não vou esconder, não é simples. Não é como se eu dissesse para as pessoas 'ei você, mude isso' e elas mudassem”, contou à DW.

Nascida em uma família de cientistas, Al-Shikh é obcecada por computadores e codificações desde quando era criança na Síria.

Depois de trabalhar como consultora tecnológica no mundo corporativo por muitos anos, ela fundou durante a pandemia a Begin AI, uma plataforma de inteligência artificial para processar dados de clientes no intuito de criar experiências personalizadas para os usuários.

A Begin AI assegurou financiamento de 1 milhão de dólares (R$ 5,11 milhões), inclusive através da Sandpiper Ventures, um fundo de investimentos canadense administrado por mulheres que investem em empresas lideradas também por mulheres. Para Al-Shikh, isso é algo muito valioso.

“As pessoas têm [estereótipos sexistas] profundamente instalados em seus cérebros”, afirmou. “Na captação de recursos, está claro que, quando entro em uma sala, os investidores não esperam ver uma mulher.”

Homens se sentem pressionados

Zablocka conta também ter vivido preconceito de gênero ao captar recursos para sua startup com sede em Londres.

Depois de se tornar mãe pela segunda vez, ela fundou um aplicativo que permite o acompanhamento e planejamento da rotina do bebê de acordo com as fases de seu desenvolvimento. Isso, depois de passar dez anos construindo produtos digitais para sites de apostas esportivas e para a indústria financeira.

“As pessoas são rápidas em conectar os dois pontos. Elas pensam 'ok, ela é jovem, e é mulher. Ela abriu uma empresa móvel para pais e mães. Isso quer dizer que, provavelmente, ela não possui experiência em tecnologia'”, afirmou.

Zablocka diz que as mulheres na tecnologia estão bem mais visíveis hoje em dia, mas, curiosamente, isso pode ser um dos motivos pelo qual cada vez mais as mulheres se sentem pressionadas a provar que são capazes de trabalhar no setor.

“É possível que haja mais frustração entre os homens no setor, o que faz com que a importância da diversidade e inclusão seja um tópico cada vez mais discutido abertamente”, observou. “Acho que algumas pessoas podem pensar que há injustiças nisso.”

Aperto econômico significa maior competição

De modo geral, este é um momento de frustração para o setor tecnológico, independentemente do gênero. Depois de mais de uma década do que parecia ser um crescimento incessante, as taxas de juros altas e as condições econômicas desfavoráveis atingiram duramente o setor.

O índice Nasdaq, voltado para empresas de tecnologia nos Estados Unidos, perdeu 7,4 trilhões de dólares em valor entre novembro de 2021 e o mesmo mês em 2022.

Os investidores selecionam mais criteriosamente as empresas antes de comprarem participação nelas. Quando o capital fluía livremente, eles com frequência escolhiam companhias que tinham pouco ou nenhuma experiência de negócios, observou Al-Shikh, baseando-se naquilo que chamavam de “instinto”.

“Dessa forma, porque você acha que uma pessoa é excelente para se investir nela? Talvez por que ela tenha o seu sotaque, a sua cor ou fale o seu idioma.”

Com menos recursos disponíveis no mercado, as mulheres do setor tecnológico podem acabar se sentido como alvos das frustrações de seus semelhantes.

Zablocka recentemente compareceu a uma conferência sobre IA em Londres onde um dos painéis de especialistas era composto somente por mulheres. De seu assento, ela podia ouvir vozes afirmando que as integrantes da mesa tinham sido provavelmente escolhidas em razão de seu gênero.

“Depois de ouvirem o que essas mulheres tinham a dizer, eles provavelmente ficaram constrangidos”, observou. “Elas eram muito capacitadas.”

Startups ainda são bom lugar para mulheres

Um dos meios de ajudar a apoiar as mulheres no setor é se concentrar menos no gênero e deixar a qualidade do trabalho falar por si mesma, afirmam as duas CEOs.

“Sim, sou uma fundadora mulher, mas também gostaria de ser tratada simplesmente como fundadora”, disse Zablocka. “Gostaria que nos concentrássemos no mundo masculino e no que podemos fazer para ajudar os homens a melhor compreender.”

Para ela, isso significa melhorar as políticas de licença remunerada para que as mulheres não tenham sempre que ter o papel principal em cuidar dos filhos. Facilitar o compartilhamento dessas tarefas também é um dos objetivos de sua empresa.

As duas fundadoras afirmam que as empresas tech ainda são um excelente espaço para mulheres, em particular nas startups, onde elas encontram bastante flexibilidade para construir seus valores dentro de uma organização, mais ainda do que no mundo corporativo.

“Na minha experiência, a maioria das pessoas, quando têm a chance de fazerem as coisas certas e são conscientizadas para fazer o certo, acabam fazendo”, disse Al-Shikh, “Sinto que as startups estão certamente melhor posicionadas para criar mudanças profundas.”