Com Daniel Brühl no papel principal, minissérie francesa celebra o czar da moda alemã Karl Lagerfeld. Para além dos bastidores da alta costura, produção aborda também uma história de amor.Quem disse que ninguém é profeta em sua própria terra? No fim de maio de 2024, o Senado de Hamburgo decidiu renomear parte da luxuosa rua comercial Neuer Wall, do número 55 ao 75, como Karl Lagerfeld Promenade. Embora tenha apenas 155 metros de comprimento, trata-se de um trecho bastante central da cidade, até perto da Felix Jud, a livraria preferida do designer de moda Karl Lagerfeld (1933-2019), notório entusiasta dos livros.

Enquanto isso, na França – a despeito do grande ceticismo geralmente observado em relação à moda alemã –, nasce um blockbuster inteiramente dedicado à figura icônica: Becoming Karl Lagerfeld.

Por trás do projeto, está uma tradicional empresa francesa: a produtora cinematográfica Gaumont., fundada em 1895, uma das mais antigas do mundo. E isso é bom, diz a jornalista de cinema Simone Schlosser, uma das maiores especialistas em séries da Alemanha. “Seria estranho fazer tudo do ponto de vista alemão – afinal, Lagerfeld passou quase toda a vida na França.”

Um alemão em Paris

Os seis primeiros episódios estão sendo exibidos no provedor de streaming Disney+ desde o início de junho e, em caso de sucesso, serão apenas o início de uma produção muito mais longa. A princípio, o diretor Jérôme Salle e a equipe de roteiristas percorreram uma década da agitada vida de Lagerfeld: do início dos anos 70 aos 80.

O por enquanto último episódio termina com um fax fatídico, em junho de 1981, no qual Lagerfeld é convidado a assumir a renomada Maison Chanel como o novo directeur artistique.

Aqui alguns poderiam protestar: mas é exatamente aí que tudo começa! Por outro lado, há que se concordar que também teria sido muito emocionante ver o jovem Karl.

Nascido em 1933 (ano em que Adolf Hitler chegou ao poder) numa família de empresários hanseáticos, este filho da guerra chega a Paris aos 19 anos, vindo de uma Alemanha então nada popular, e trabalha para se tornar estilista-chefe das principais casas da capital mundial da moda. Mas muitas vezes a arte reside precisamente no que é omitido – e isso se aplica tanto a designers de moda quanto a produtores de séries.

Intrigas, sexo e moda na “Cidade do Amor”

O cenário, portanto, é emocionante: Paris na década de 1970. A indústria da moda está crescendo, há muitas festas, muitas drogas e quase todo mundo dorme com todo mundo. A homossexualidade era proibida pelo direito penal até 1982, mas ninguém se importava com isso.

Paloma Picasso, filha do célebre pintor espanhol, dá o tom do jet set, Andy Warhol entra em cena volta e meia, e, atrás das portas fechadas de seu boudoir, Marlene Dietrich (Sunny Melles) celebra sua solidão voluntária. E há ainda um enfant terrible, um gênio, em torno de quem o mundo da moda gira: Yves Saint Laurent (Arnaud Valois). Instável, excêntrico, muito francês – um contraste com Lagerfeld (Daniel Brühl), também o excêntrico, mas de espírito empresarial e, de alguma forma, muito alemão.

Yves e Karl são dois opostos que se atraem, adversários e confidentes. Eles competem entre si – e não conseguem se separar. Especialmente quando o sedutor e belo dândi Jacques de Bascher (Théodore Pellerin) intervém. O grande amor de Lagerfeld também tem um caso fervoroso com Saint Laurent, e esse triângulo amoroso, por si só, já valeria uma série.

A moda virou moda?

Becoming Karl Lagerfeld é a terceira série sobre um estilista que chega ao mercado de streaming internacional desde o início de 2024. No começo do ano, começaram as séries Cristóbal Balenciaga, da Disney+, sobre o designer de moda espanhol, e The New Look, produção da Apple TV+ cujos protagonistas são Christian Dior e Coco Chanel. Coincidência?

Sim, mas só até certo ponto, diz a especialista em séries Simone Schlosser. Porque as produções seguem uma tendência: “Todas têm uma personagem principal interessante que, de certa forma, não encarna a figura do ‘velho homem branco’ do mainstream. São personalidades queer, por exemplo. Podemos usá-las, portanto, para explorar questões de identidade.”

Ao mesmo tempo, as séries de moda, especificamente, serviriam como uma forma de escapismo típica dos tempos atuais, avalia Schlosser: “Porque elas têm tudo de que precisamos: um fascínio pelas histórias, pelo contexto histórico, pela beleza dos trajes e da decoração. Mergulhamos em outro mundo, o mundo das passarelas, dos estúdios, que de outro modo é muito distante de nós.”

Daniel Brühl na pele de Karl Lagerfeld

Mas Becoming Karl Lagerfeld tem algo que as demais séries não têm: seu ator principal. “Acho Daniel Brühl como Lagerfeld simplesmente fantástico!”, diz Schlosser, somando-se ao coro internacional de louvor. Mesmo que, à primeira vista, o gentil astro de Adeus, Lenin nada tenha a ver com o czar da moda notoriamente mordaz.

Schlosser acha fascinante a transformação de Brühl: “No início, não há nada de icônico em seu Lagerfeld – sem rabo de cavalo, leque ou óculos escuros. E aí começa, devagar: o cabelo vai ficando cada vez mais comprido, os óculos mais escuros.” E então o milagre da atuação acontece, e eis Karl Lagerfeld, o homem, com todos os seus defeitos.

Excesso de cenas íntimas

Valeu a pena Brühl ter passado tanto tempo pesquisando sua personagem, conversando com o círculo de amigos de Lagerfeld, aprendendo seus gestos e seu andar. Ele e seu parceiro na série, Théodore Pellerin, mergulharam tanto no papel que chegaram a agir como amantes na vida real.

Brühl inclusive teria dito à esposa que estava “temporariamente” apaixonado por um homem. Ao receber um enorme buquê de rosas vermelhas de Pellerin, confessou: “Minha mulher nunca ganhou uma coisa dessas.”

“A performance de Brühl é muito contida. Ele não faz uma caricatura da coisa, mas sim atua com grande sinceridade e apreço”, reforça Schlosser. Sua representação permite ver Lagerfeld como uma grande figura romântica, por vezes também trágica.

Os elogios da especialista, porém, não se aplicam à produção como um todo: “Acho que a série não faz realmente justiça à personagem de Lagerfeld; muitas vezes é incomodamente voyeurística.” Fala-se muito sobre a vida privada do estilista – embora ele próprio quase não falasse disso, “ele era uma pessoa muito discreta”.

É claro que Lagerfeld e Bascher tiveram um caso de amor, caso contrário o verdadeiro Lagerfeld não teria passado meses ao lado da cama de seu parceiro, que sofria de aids (seu amado “Jaco” morreu em 1989). “Mas os produtores da série ficam o tempo todo tentando botar os dois em cenas de sexo, e não acho isso bom”, critica Schlosser.

O próprio estilista disse, certa vez: “Não gosto de dormir com gente que eu realmente amo. Não quero dormir com eles porque sexo não pode durar, mas afeição pode durar para sempre,”

É preciso ter estilo – esse também era o mandamento de Karl Lagerfeld.