A política de transporte está atrasada em Berlim, acreditam defensores das bicicletas e ambientalistas da capital alemã. Eles denunciam o que chamam de políticas “devastadoras” de transporte local do atual governo centrista. Os dados mais recentes da ONG Changing Cities revelam que a Secretaria dos Transportes, liderada por Manja Schreiner, da União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita, mal alcançou um quarto de sua meta de ciclovias para 2023 – apenas 22,3 quilômetros em vez dos 60 prometidos.

Além disso, um dia depois de os parisienses terem votado para triplicar as taxas de estacionamento para veículos utilitários esportivos (SUVs), que podem chegar a 225 euros por seis horas, o governo de Berlim confirmou que nenhuma medida desse tipo está sendo considerada para a capital alemã, embora outras cidades do país, como Hannover, ainda pensem na possibilidade.

Acrescido à falta de novas medidas, uma parte de uma das principais avenidas da cidade, a Friedrichstrasse, que foi fechada para carros, se tornou uma das questões mais controversas da última eleição estadual de Berlim, em fevereiro do ano passado.

Depois de uma ordem judicial ter revertido uma decisão do Partido Verde que tornava uma pequena área da avenida exclusiva para pedestres, a CDU prometeu mantê-la aberta para carros.

“A transição do tráfego em Berlim foi paralisada”, disse o porta-voz da ONG Changing Cities, Ragnhild Sørensen, em comunicado na semana passada.

“Nenhuma nova faixa de ônibus foi construída em 2023, os projetos de bondes foram suspensos, a expansão das ciclovias foi desacelerada e, agora, elas estão sendo redesenhadas para serem mais favoráveis aos carros. O SPD [Partido Social Democrata] e a CDU nos prometeram uma cidade funcional, mas o que recebemos foi ar sujo e ruas perigosas.”

Uma cidade favorável aos carros

A atual secretária dos Transportes de Berlim argumenta que o antecessor, o Partido Verde, também não conseguiu cumprir as metas de ciclovias e que, no passado, a pasta priorizou cruzamentos particularmente perigosos para os ciclistas. “O debate deve se afastar da quantidade e abordar, também, a qualidade”, disse Schneider à emissora de TV RBB.

A questão do tráfego e do equilíbrio entre os interesses de motoristas, ciclistas e pedestres foi fortemente politizada durante a campanha eleitoral do ano passado em Berlim. Logo após assumir como novo prefeito, Kai Wegner, da CDU, disse ao jornal Berliner Morgenpost: “a maneira como os Verdes deixaram as ruas simplesmente não se adequa a uma metrópole como Berlim”.

Michaela Christ, especialista em mobilidade do Instituto Alemão de Assuntos Urbanos (DIFU), sediado em Berlim, acha que o debate passou a ser orientado por ideologias. “Temos aqui circunstâncias políticas completamente diferentes das de Paris”, disse à DW. “A eleição em Berlim foi vencida com a promessa de reverter todas as medidas que vão em direção à mobilidade progressiva.”

“Ficamos presos nessa luta entre: “sim aos carros” ou “não aos carros”, e esse não é o objetivo da política de mobilidade”, explica. “O maior desafio para as cidades europeias é não cair em uma guerra cultural sobre se posso dirigir ou se preciso andar de ônibus, mas pensar juntos em termos de objetivo.”

Afinal de contas, ressalta Christ, a maioria dos moradores da cidade usa uma combinação de meios de transporte todos os dias. “São pouquíssimos os berlinenses que usam apenas carros, apenas o transporte público ou apenas a bicicleta”, explica. “E os políticos não precisam dizer que queremos privilegiar este ou aquele meio de transporte; em vez disso, temos um interesse comum: o objetivo é chegar aonde queremos da forma mais rápida, confortável e segura possível.”

Berlim e sua história única

O contraste entre Berlim e a capital francesa, Paris, que vem implementando mais medidas para desencorajar os carros no centro da cidade, não poderia ser mais gritante. Isso se deve, em parte, às diferentes histórias entre as duas cidades, de acordo com Giulio Mattioli, pesquisador de desenvolvimento urbano da Universidade Técnica de Dortmund.

“Muitas cidades europeias são muito congestionadas, e há uma luta contra o excesso de carros e a crença de que algo precisa ser feito a respeito. Parece que Berlim está atrasada em muitos aspectos”, disse Mattioli à DW. “Outras cidades têm ruas para pedestres sem tanta controvérsia.”

Há razões para isso: Berlim tem poucos carros por habitante, em parte por causa de sua história peculiar, uma vez que seu desenvolvimento foi muito diferente do de outras cidades. O Muro de Berlim, que dividiu a cidade de 1961 a 1989, restringiu o seu crescimento, o que significa que agora há menos subúrbios com pessoas dependentes de carros.

“As cidades precisam chegar a um estágio em que seja realmente evidente para todos, inclusive para os motoristas, que existe um excesso de carros nas ruas, e Berlim ainda não chegou a esse ponto”, diz Mattioli.

Berlim é uma das únicas grandes cidades do mundo já desenvolvida a construir um novo aeroporto nos últimos anos. E ainda está ampliando sua rodovia urbana A100 ao redor da cidade.

“Ainda existe essa ideia de que ter carros e ter novas estradas é algo moderno, que pertence a uma cidade grande, enquanto que, em lugares como Paris e Londres, eles dizem: ‘não, nós queremos liderar o caminho da restrição de carros'”, explica Mattioli.

Certas peculiaridades legais na Alemanha também dificultaram as cidades a tornarem suas vias mais seguras e adequadas para bicicletas e pedestres. Por exemplo, a Alemanha é um dos poucos países que não permite que as cidades alterem unilateralmente seus limites de velocidade padrão. Embora existam campanhas em Berlim e em outras cidades alemãs para reduzir o limite de velocidade de 50 km/h para 30 km/h, isso não pode ser feito sem o sinal verde do governo federal.

Da mesma forma, a Alemanha tem regulamentações rígidas sobre como as ruas são designadas, seja para pedestres, bicicletas ou carros. Isso dificulta para os governos locais a conversão de ruas ou a construção de novas ciclovias, como os sucessivos governos de Berlim estão descobrindo – quer tenham vontade política ou não.