Em um estudo publicado recentemente no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, pesquisadores da Universidade Aix-Marseille (França), liderados pela geógrafa Hader Sheisha, localizaram um “braço” desaparecido do rio Nilo. A pesquisa indica que esse pedaço desconhecido do famoso rio pode ter sido essencial para o transporte de material de construção das pirâmides.

Para reconstruir o planalto de Gizé e descobrir o braço, batizado de Khufu, os pesquisadores utilizaram a análise das camadas estratigráficas das margens do Nilo. Eles coletaram amostras de pólen de cinco camadas diferentes que, dependendo de sua quantidade, podem revelar não só a localização desse braço no tempo, mas também entender sobre o seu desaparecimento.

“É um estudo interessante porque se baseia no material ali coletado para poder usar enquanto referência, fazendo datação por radiocarbono. Ali temos camadas estratigráficas, cada uma data de um período e, com isso, conseguimos verificar como foi a composição daquela região ao longo dos milênios. Não apenas do período da construção das pirâmides, mas antes e depois”, comenta Thomas Henrique de Toledo Stella, historiador pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e doutorando em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), ambos da USP.

Transporte de materiais de construção

De acordo com Thomas, a parte do rio recém-identificada foi de vital importância para a construção das pirâmides, já que foi utilizada no transporte de materiais de construção.

“Temos uma série de portos [na região], tanto portos com funções no próprio processo da construção, quanto os de uso ritualístico, que eram associados ao sepultamento do faraó. Para fazer a dragagem e o atracamento dos barcos era necessário um volume de água que fosse condizente com essa movimentação. E aquela região reunia todas as condições necessárias para isso, o braço cumpria exatamente esse papel.”

Na opinião do especialista, descobertas arqueológicas como essa são de “extrema importância”, não só para acabar com mitos envolvendo a construção das pirâmides, como também para entendermos melhor situações em nosso presente. Nesse caso específico, estudar a evolução do rio Nilo pode contribuir no entendimento sobre os efeitos que as mudanças climáticas podem exercer no mundo atual.

“Se temos uma melhor compreensão sobre um rio como o Nilo, podemos pensar também, por exemplo, em rios como o Amazonas, como o rio Tietê, o São Francisco. São rios aqui do nosso país que, por causa das mudanças climáticas, podem sofrer uma série de efeitos. Por isso, esse tipo de trabalho favorece não apenas a arqueologia, mas também os atuais estudos sobre mudanças climáticas. Afinal, quando fazemos uma afirmação sobre uma mudança de longa duração, nada melhor do que buscar no passado as evidências sobre como a transformação aconteceu”, finaliza o historiador.