22/02/2024 - 18:05
Depois do Rio de Janeiro, encontro de ministros de Relações Exteriores deve se repetir em Nova York para debater reforma da governança internacional e solução de conflitos internacionais.Numa rodada de reuniões fechadas e com poucas declarações públicas, ministros de Relações Exteriores do G20 concordaram em se encontrar pela segunda vez ainda sob a presidência do Brasil. O evento vai ocorrer em setembro, às margens da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
“Será aberto a todos os membros da ONU, para que haja um amplo debate sobre os temas que foram o centro desta reunião de ontem e de hoje”, disse o chanceler Mauro Vieira à imprensa ao fim do encontro no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (22/02).
Os assuntos que dominaram a agenda foram os conflitos internacionais, principalmente na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e a reforma da governança global, segundo as prioridades estabelecidas pelo anfitrião.
“Os países reiteraram a condenação da guerra na Ucrânia, como aconteceu em 2022. Grande número de países expressou preocupação com o conflito na Palestina, com risco de alastramento para outros países da região”, declarou Vieira.
Segundo o ministro brasileiro, os membros do G20 são unânimes na defesa da solução de dois Estados para o conflito. Alguns pediram ainda a liberação imediata do acesso para ajuda humanitária na Faixa de Gaza, que Israel se abstenha de fazer uma operação em Rafah, assim como a liberação dos reféns mantidos pelo Hamas.
Mais cedo, Josep Borrell, alto representante da União Europeia para Política Externa, havia dito a jornalistas que os ministros concordaram sobre a necessidade de se encontrar uma solução de dois Estados para pacificar a questão no Oriente Médio.
Borrel disse esperar uma proposta de paz vinda do mundo árabe nos próximos dias.
Conflitos reforçam necessidade de reformar governança internacional, diz pesquisadora
Para Marta Fernández, diretora do Brics Policy Center, sediado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o Brasil acertou na ordem dos temas em debate na reunião com os chanceleres.
“Vieira expôs as feridas no primeiro dia. Mostrou: 'Olhem a quantidade de conflitos que estão aí'. E no segundo dia ele questiona: 'Como vamos curar as feridas? Precisamos avançar com as reformas'”, analisa Fernández em entrevista à DW.
Propor uma nova reunião sobre o tema no âmbito da ONU, opina Fernández, é uma sinalização do Brasil de que a modernização das instituições globais precisa ser discutida num fórum mais amplo. Será a primeira vez que o G20 promove um encontro dentro da ONU.
Ecoando o discurso do Itamaraty, ela argumenta que as mudanças estruturais precisam incluir instituições financeiras. “A presidência brasileira enfatiza como os conflitos geopolíticos têm consequências ruins para a economia, principalmente nos países mais pobres. Por isso a defesa de que os mais impactados possam ter mais voz e poder decisão em órgãos como o Fundo Monetário Internacional”, analisa a pesquisadora.
Um dos reflexos da invasão da Rússia pela Ucrânia foi a inflação generalizada, principalmente no setor de energia e alimentação. O território ucraniano era um importante fornecedor de grãos, e o abastecimento foi afetado com ataques e perdas na produção. A guerra, além disso, expôs a dependência da Europa do gás russo.
A Rússia, representada por Sergey Lavrov, disse defender a expansão do Conselho de Segurança mas ser a favor apenas da inclusão de países da Ásia, África e América Latina. China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos são os membros permanentes desde a criação do órgão, em 1945. Atualmente, os membros rotativos são Argélia, Guiana, Coreia do Sul, Serra Leoa e Eslovênia.
Recados à Rússia
A ministra alemã Annalena Baerbock deixou a Marina da Glória, sede da reunião, sem falar com a imprensa. Em seu discurso na plenária, ela se dirigiu à colega Naledi Pandor, da África do Sul, ao dizer que a Alemanha vai respeitar o resultado das investigações sobre o conflito na Faixa de Gaza. Em janeiro, o país africano apresentou uma denúncia à Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda, acusando Israel de cometer genocídio contra o povo palestino.
“Ter opiniões jurídicas diferentes não significa questionar a legitimidade do Tribunal”, disse Baerbock. “Pelo contrário: nós e muitos outros participaremos nos procedimentos iniciados pela África do Sul e outros, a fim de expressar a nossa opinião.”
A alemã também mandou recados à Rússia e defendeu as sanções impostas ao país “devido a graves violações do direito internacional e dos direitos humanos”.
“Se as autoridades russas estiverem envolvidas na deportação de crianças da Ucrânia, já não poderão ir à Europa comprar roupas de luxo para os seus próprios filhos. Ou investir o dinheiro que roubaram de terceiros para comprar apartamentos em Berlim”, pontuou.
Lavrov conversou apenas com a imprensa russa, que tem a segunda maior delegação de jornalistas no G20, atrás dos brasileiros. Ele criticou os Estados Unidos e disse ter recebido um tratamento duro de diplomatas ingleses e alemães. Na plenária, os ministros de ambos países expuseram as agressões das forças russas na Ucrânia e questionaram a morte, em uma colônia penal na Sibéria, de Alexei Navalny, principal opositor do presidente Vladimir Putin.
“Ninguém tem direito de interferir nos assuntos domésticos”, disse Lavrov ao comentar sobre o tema em entrevista coletiva a jornalistas russos. “Ninguém sabe o que fizeram com Navalny na Alemanha quando ele ficou doente no avião. Fomos acusados de tê-lo envenenado, mas pedimos acesso a amostras de sangue dele e não foi nos concedido nenhum dado”, disse.
Em 2020, o opositor russo foi levado a Berlim para tratar uma suspeita de envenenamento. Análise laboratorial comprovou “de modo inequívoco”, segundo declaração do governo alemão à época, intoxicação pelo agente nervoso novichok – mesmo tipo de veneno usado em uma tentativa de assassinato de um ex-espião do Kremlin.
Mais integração, menos isolamento
Apesar dos graves conflitos como pano de fundo, o Brasil estaria numa posição favorável para colocar em evidência global discussões que são importantes para o futuro do país, opina Clarissa Lins, conselheira do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
“À frente do G20 e na presidência dos Brics, o Brasil tem a vantagem de colocar suas prioridades, como a redução da desigualdade social e combate à fome; a solução de conflitos com desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global”, cita Lins.
Como futura sede da Conferência do Clima em 2025, o Brasil teria ainda a chance de influenciar a transição energética em todo o mundo. Na visão de Lins, que é economista, esse caminho será bem-sucedido com a integração dos países – e não com o isolamento de alguns em grupos fechados, como defendem alguns do chamado Sul Global.
“Estamos vendo governos de grande países se fecharem para garantir o apoio da sociedade. Agricultores franceses se posicionando contra regras ambientais, políticas industriais nos Estados Unidos pensando em subsídios. Não acredito que esta seja a solução. O Brasil tem que influenciar este cenário com conciliação, boas práticas, mostrando o valor dos ativos ambientais”, defende Lins.