País está no topo da lista pelo 14º ano consecutivo. Foram 131 assassinatos em 2022, aponta levantamento. Maioria das vítimas são mulheres trans ou travestis negras. Expectativa de vida de pessoas trans é de 35 anos.O Brasil segue liderando o ranking de países com mais mortes de pessoas trans e travestis no mundo, aponta o dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras. É o 14º ano consecutivo em que o país está no topo da lista.

Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (26/01) pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em uma cerimônia no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Para o ranking internacional, a Antra usa como base o projeto Trans Murder Monitoring (TMM), da rede Transgender Europe, que contabilizou 96 assassinatos de pessoas trans no Brasil entre outubro de 2021 e setembro de 2022. México e Estados Unidos aparecem em segundo e terceiro lugares, com 56 e 51 assassinatos, respectivamente.

Já segundo o levantamento da própria Antra, em 2022, 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil, e 20 tiraram a própria vida em decorrência da discriminação e do preconceito.

Para o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, os dados são uma “tragédia”, mas representam uma oportunidade de mudança.

“O fato de termos um relatório como esse aponta para possibilidade de pensar superar essa tragédia. Ter o conhecimento, ter os dados, ter a possibilidade de olhar de frente para esse problema, nos traz perspectiva de mudança, de transformação”, disse.

Perfil das vítimas

O perfil predominante entre as vítimas é de mulheres trans e travestis negras e pobres. Entre os assassinatos, 130 foram de mulheres trans e travestis e um de homem trans.

A pessoa mais jovem assassinada tinha 15 anos – quase 90% das vítimas tinham até 40 anos, e a idade média foi de 29,2 anos. A estimativa média de vida de pessoas trans no Brasil é de 35 anos, segundo a Antra.

Do total de pessoas assassinadas, 76% eram travestis ou mulheres trans negras. Ao menos 54% atuavam como profissionais do sexo – a prostituição é a fonte de renda mais frequente entre as vítimas.

Ao menos 65% dos assassinatos apresentaram requintes de crueldade, como o uso excessivo de violência.

Em números absolutos, Pernambuco foi o estado que mais registrou assassinatos (13), seguido por São Paulo (11), Ceará (11), Minas Gerais (9), Rio de Janeiro (8) e Amazonas (8).

O levantamento mostra que mulheres trans e travestis têm até 38 vezes mais chance de serem assassinadas em relação aos homens trans e às pessoas não binárias.

Suspeitos

Entre os 131 assassinatos do ano passado, foram identificados 32 suspeitos – a maioria não tinha relação direta, social ou afetiva com a vítima.

Segundo o dossiê, “é constante a ausência, precariedade e a fragilidade dos dados, muitas vezes intencionalmente, usados para ocultar ou manipular a ideia de uma diminuição dos casos em determinada região”.

De acordo com a pesquisadora responsável e secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, contribuem para esse quadro fatores como a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQ. A falta de dados e subnotificações governamentais também podem contribuir para um cenário impreciso ao longo dos anos, além de dificultar a identificação de acusados.

“Se pegar o telefone e pesquisar no Google ou qualquer outro mecanismo a palavra 'travesti', oito em cada 10 notícias são sobre violência, e esse cenário tem que mudar”, afirmou.

Benevides também destacou que, desde 2019, com o governo de Jair Bolsonaro, houve exclusão de comitês e mecanismos de proteção e visibilidade da pauta pelos ministérios dos Direitos Humanos, da Educação e das Relações Exteriores.

Desde 2017, quando iniciou a pesquisa, a Antra registrou um total de 912 assassinatos de pessoas trans e não
binárias brasileiras. Em 2021, haviam sido 140 casos; em 2020, 175; em 2019, 124; em 2018, 163; e em 2017, o recorde 179 casos.

Reações do governo

A secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, primeira travesti a ocupar o cargo, prometeu “trabalhar com ousadia” na proteção às pessoas trans e travestis.

“Os dados que recebemos hoje [quinta-feira] vão reger a criação das nossas políticas públicas”, enfatizou.

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou que, nos últimos anos, houve um processo político de negação da existência de pessoas negras e trans.

“Esses números são extremamente impactantes. Isso tem relação com a necropolítica e o quanto esses corpos são descartáveis”, disse, ao se comprometer com o tema.

le/lf (AgBR, ots)