Bilionários devem contribuir com 2% da sua fortuna para financiar a luta global contra a pobreza, prevê a proposta brasileira. Uma declaração de intenções nesse sentido já foi anunciada pelos parceiros do grupo.Em reunião no Rio de Janeiro na penúltima semana de julho, os ministros das Finanças do G20 declararam seu empenho em tributar os super-ricos. “Respeitando plenamente a soberania fiscal, iremos nos esforçar por trabalhar em conjunto a fim de garantir que indivíduos muito ricos sejam efetivamente tributados”, constou da declaração final conjunta.

O Brasil, que atualmente detém a presidência do grupo, sugeriu que os bilionários fossem tributados em pelo menos 2% da sua fortuna ao ano. Essa medida permitiria gerar receitas adicionais de 200 bilhões a 250 bilhões de dólares, que poderiam ser utilizadas na luta contra a pobreza e na proteção do clima.

Brasil quer assumir papel pioneiro

A proposta brasileira foi elaborada pelo economista francês Gabriel Zucman. Ele conta que a ideia de trazer o imposto mínimo global para os super-ricos para o G20 nasceu em fevereiro. Exigências semelhantes já haviam sido feitas no Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano, algumas delas pelos próprios bilionários. Agora o Brasil queria trazer para a mesa do G20 sua contribuição para uma cooperação internacional mais estreita em questões fiscais, explica o economista e fundador do Observatório Fiscal da UE em Paris.

Zucman atribui ao G20 os progressos dos últimos dez anos no tocante à troca automática de informações sobre dados bancários e à tributação mínima global para as grandes empresas. “O Brasil se perguntou: ‘O que é que vem agora?’ E eu respondi que devia haver um imposto mínimo global para os super-ricos.”

Mais riqueza = menos impostos

Zucman se refere ao grupo relativamente pequeno de cerca de 3 mil bilionários em todo o mundo que, tendo em conta suas posses, pagaram até agora impostos individuais baixos demais, ou seja, apenas 0,3% do patrimônio, na média global.

Se considerarmos a carga fiscal total, um bilionário pagaria cerca de 20%. Em comparação, a carga fiscal para as classes baixa e média em países como a Alemanha ou a França é de 40% a 50%.

“Trata-se de uma injustiça fundamental: os mais ricos, que poderiam contribuir mais, têm a carga fiscal efetiva mais baixa”, afirma Zucman. “A minha proposta de um imposto mínimo sobre o rendimento individual para os multimilionários, de 2% do seu patrimônio, deve garantir que eles não paguem menos do que os seus motoristas, os seus empregados domésticos ou o restante da população. Porque ninguém concorda que os bilionários paguem menos do que o restante de nós.”

Dinheiro frequentemente investido em empresas

Embora haja certa controvérsia sobre quantos bilhões alguns super-ricos, como Donald Trump, realmente possuem, na maioria dos casos é relativamente fácil calcular os seus ativos.

Cerca de metade da riqueza dos bilionários do mundo é investida em ações de empresas cotadas na bolsa, enquanto a outra metade é investida principalmente em participações em empresas privadas, que podem ser avaliadas. “Não estou dizendo que teremos uma avaliação absolutamente perfeita. Haverá sempre casos excepcionais, como o de Trump, em que é difícil. Mas podemos chegar a um valor de referência razoável.”

A tributação dos multimilionários recebe grande aprovação em nível mundial, afirma Zucman. Sua esperança aumenta diante da rapidez com que foi aceito o intercâmbio global de informações sobre dados bancários, já introduzido por mais de 100 países. A questão foi negligenciada por bastante tempo, até que os ministros das Finanças do G20 a incluíram na sua agenda em 2013. Atualmente constata-se uma redução da evasão fiscal transfronteiriça em dois terços.

“Massa crítica” de países precisa participar

Também não é necessário que todos os países participem. “Só precisamos de uma massa crítica de países, como os grandes países europeus, juntamente com o Brasil e a África do Sul, para introduzir a tributação dos seus bilionários. E que também tributem os bilionários de outros países que pagam muito pouco no seu país [de origem] e cujos ativos podem ser acessados no estrangeiro.”

O Brasil quer ter a proposta pronta par a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, em novembro. Zucman acredita que as negociações sobre pormenores técnicos avançarão rapidamente no palco oficial.

Foram necessários cerca de dez anos para elaborar a tributação mínima global das empresas. A expectativa do economista é que o imposto para os multimilionários chegue mais cedo, pois será possível aproveitar a experiência adquirida com a tributação das empresas: “Já não precisamos reinventar a roda, mas sim adaptar os processos aos super-ricos.”

A proposta de Zucman não é utópica, mas provavelmente será difícil de implementar em escala global, avalia Nelson Marconi, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. É importante que alguns grandes países tomem a iniciativa, e um acordo no âmbito do G20 pressionaria o resto do mundo a introduzir gradualmente esse imposto a nível global, crê o economista.

Marconi está convicto de que o sucesso do imposto mínimo seria um grande passo para o Brasil se posicionar como um ator global de justiça social: “Avançar nesse debate é muito importante para a imagem progressista que o governo brasileiro quer projetar no exterior.”