A área do Brasil coberta por água sofre uma nova redução em 2024. Em doze meses, quatro mil quilômetros quadrados de área alagada evaporaram. É como se um lago equivalente a três vezes a cidade do Rio de Janeiro tivesse sumido.

Em todo território nacional, 179 mil quilômetros quadrados (km2) ainda estão cobertos por água, mas a área é 2% menor que a registrada em 2023.

O levantamento, divulgado nesta sexta-feira (21/03), é do MapBiomas, rede formada por universidades, ONGs e empresas que mapeia as mudanças em solo brasileiro e atualiza os dados anualmente.

“São más notícias. Desde os anos 2000 temos registrado, quase que regularmente, valores baixos. Em 2024, ficamos 4% abaixo da média histórica”, disse à DW Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água.

A tendência de queda é observada desde 2009. Segundo o MapBiomas, que mantém uma série histórica desde 1985, oito dos dez anos mais secos foram registrados nesta última década. Só em 2022 a superfície inundada aumentou.

A situação é mais grave por uma observação específica: os ambientes naturais são os que mais secaram. Rios e lagos tiveram uma perda de 15% no ano passado em comparação com 1985. No Brasil, eles formam a maior parte da superfície coberta por água (77%). O restante está em reservatórios construídos.

Onde mais secou

O Pantanal, maior planície alagável do planeta, foi o bioma brasileiro que mais perdeu superfície de água desde o início do mapeamento. Desde 1985, a queda foi de 61% nessa área.

Segundo Schirmbeck, todos os meses de 2024 foram marcados por uma cobertura de água perto da mínima já registrada. A última cheia na região aconteceu em 2018 e, desde então, foi seguida por períodos de seca severa.

Em 2024, vários rios da região alcançaram cotas mínimas, segundo o Serviço Geológico Brasileiro (SGB). A falta de água afetou a navegação, o abastecimento em várias cidades e o modo de vida de inúmeras comunidades tradicionais.

O impacto ambiental também é preocupante. Cientistas do SGB alertam que o baixo fluxo de água intensifica a degradação dos habitats aquáticos e pode provocar grande mortandade de peixes.

Um extremo atrás do outro

Pelo segundo ano consecutivo, a Amazônia sofreu uma seca extrema em 2024. O levantamento do MapBiomas aponta que houve uma redução de 3,6% na superfície coberta por água em comparação com a média do bioma.

“É muito intrigante que, na Amazônia, a seca de 2024 não foi como a de 2023. Ela se pronunciou em locais diferentes, em rios diferentes”, aponta Schirmbeck.

Mais da metade dos rios amazônicos registraram perda em relação à média dos últimos 40 anos. As bacias mais afetadas foram a do rio Trombetas, Negro e Solimões. O cenário também foi dramático no rio Tapajós – que havia sido poupado em 2023.

No total, a perda de superfície de água foi de 45 mil km2 no bioma em relação a 2022, quando o último ganho havia sido registrado.

RS depois das enchentes

No extremo sul do Brasil, o Pampa ficou ligeiramente abaixo da média histórica (0,03%). O bioma recebeu parte da chuva intensa que caiu no Rio Grande do Sul (RS) entre abril e maio do ano passado e afetou centenas de cidades.

“O ano começou seco no Sul e, no fim de 2024, estava seco de novo”, diz Schirmbeck. “A cheia é uma enxurrada, um pico de precipitação. O que recupera o nível de um rio ao longo de um ano é uma chuva mais regular”, adiciona, lembrando do impacto das mudanças climáticas na intensidade e frequência dos eventos extremos climáticos.

A média de chuva anual naquela região é de mil a dois mil milímetros. Durante as cheias, foram registrados mil milímetros em apenas sete dias.

Morador de Roca Sales, na região do Vale do Taquari (RS), Schirmbeck precisou deixar sua casa às pressas durante as enchentes de 2023. Naquela ocasião, ele se refugiou em Belém, Pará, para conseguir finalizar o levantamento anual do MapBiomas. Neste ano, ele completou a tarefa em sua cidade, que também foi atingida pelas enchentes de 2024 e ainda convive com os resquícios da devastação.

Onde há mais água

Os demais biomas do país, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, registraram em 2024 superfície de água acima da média. No caso da Caatinga, o período foi excepcionalmente positivo, com valores mais altos dos últimos 10 anos. Ainda assim, bolsões de seca persistente ainda estão no mapa, como pontos ao longo da bacia do São Francisco e Seridó Nordestino.

O Cerrado alcançou em 2024 um marco preocupante: há atualmente mais água armazenada em estruturas artificiais do que em rios e lagos. Segundo o MapBiomas, reservatórios, hidrelétricas, áreas de mineração e represas contém 60% de toda a água disponível na superfície – em 1985 eram 37%.

Um levantamento paralelo feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) concluiu que Cerrado perdeu água natural em 91% de suas bacias hidrográficas nos últimos 40 anos. Uma das causas para este cenário é o desmatamento, afirmam os pesquisadores.

O impacto é perigoso principalmente para as plantações, já que o bioma concentra 60% da produção nacional e metade da agricultura irrigada do país, alerta o Ipam.

No ranking nacional, mais da metade da água disponível está na Amazônia (61%). Mata Atlântica tem 13% da superfície, seguida pelo Pampa (10% do total), Cerrado (9%) e Pantanal (2%).

Como a conta é feita

Para fazer as contas, o MapBiomas utiliza imagens do satélite Landsat, que acumula a maior série de registros do território brasileiro captadas do espaço. As cenas são processadas e classificadas de acordo com cada pixel que se assemelha à superfície de água.

Schirmbeck lembra que a disponibilidade de água na superfície depende de alguns fatores que incluem regularidade de chuvas e condições dos ambientes naturais, como nascentes e vegetação ao longo dos rios.

“Esses ambientes acabam funcionando como espécie de ‘pulmão’, que armazena a água e vai soltando aos poucos, de forma espaçada no tempo. Sem eles, quando falta chuva, não tem de onde vir água. E, quando chove demais, o risco de enxurrada é grande”, explica o pesquisador.

O armazenamento em reservatórios também “disfarça” a situação real. “Eles enganam porque fazem pensar que a situação é menos crítica, mas a água que eles armazenam vem do ambiente natural. Se lá na nascente não estou preservando, como vou ter água no reservatório?”, alerta Schirmbeck.