Era o dinheiro que crescia nas árvores.

Considerado um presente dos deuses, o cacau para os antigos maias era considerado sagrado, usado não apenas como moeda, mas em cerimônias especiais e rituais religiosos. É a planta progenitora do chocolate, e noções de luxo estão embutidas em sua tradição.

A crença predominante: o cacau estava mais disponível, até mesmo controlado, pelos escalões mais altos da sociedade, a realeza. Esforços anteriores para identificar o cacau em cerâmica se concentraram em vasos altamente decorativos associados a contextos cerimoniais de elite – pense em vasos ornamentados –, levando a suposições sobre como o cacau era distribuído e quem poderia acessá-lo.

E os agricultores que cultivavam cacau e as comunidades de pessoas que viviam entre esses pomares? E a população em geral?

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Um novo estudo dos pesquisadores da Universidade da Califórnia em Santa Barbara (EUA), Anabel Ford e Mattanjah de Vries, responde a essas perguntas examinando resíduos de cacau de cerâmicas antigas. Seus resultados, publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), demonstram que o cacau era, de fato, acessível à população em geral e era usado em celebrações em todos os níveis da sociedade.

“Há muito se supunha que o cacau para os maias era exclusivo da elite”, disse Ford, antropóloga e diretora do Centro de Pesquisa Mesoamericano da UC Santa Barbara, que há 40 anos realiza pesquisas sobre a antiga cidade maia de El Pilar. “Sabemos agora que não é assim. A ingestão do cacau era um luxo acessível a todos. O importante é que era uma exigência dos rituais a ele associados.”

Para testar a exclusividade do uso do cacau, o trabalho examinou 54 fragmentos de cerâmica arqueológica. Originários de El Pilar (sítio localizado entre Belize e Guatemala), os fragmentos podem ser rastreados para contextos cívicos e residenciais do período Clássico Tardio, representando uma seção transversal dos antigos habitantes maias. O estudo inclui uma análise química desses fragmentos, especificamente dos biomarcadores do cacau: cafeína, teobromina e teofilina.

Mesoamérica e planície maia com a localização de El Pilar, entre o interior e o rio Belize. Outros centros urbanos de destaque aparecem indicados. Crédito: MesoAmerican Research Center

Componente específico

“A descoberta de assinaturas químicas do cacau tornou a investigação possível, mas o principal ingrediente ativo, a teobromina, não é suficientemente discreto para se ter certeza da atribuição do cacau”, disse Ford. “Mattanjah (de Vries) e seus alunos, em suas pesquisas químicas, encontraram a possibilidade de detectar a teofilina, um componente específico do cacau que não podia ser confundido com mais nada. Seu trabalho não era arqueológico, mas ele viu o potencial de um projeto interdisciplinar.”

Professor emérito e chefe do departamento de química e bioquímica da UC Santa Barbara, de Vries há muito estuda como as bases de DNA – os blocos de construção da vida – e moléculas semelhantes respondem à luz ultravioleta (UV) e, segundo ele, se a luz UV “poderia ter desempenhado um papel em uma Terra primitiva, na forma como a natureza selecionou esses blocos de construção de uma sopa primordial de muitos desses compostos.

“Em algum momento percebi que alguns dos compostos que estávamos estudando nesse projeto de origem da química da vida ocorrem no cacau e, portanto, podem servir como biomarcadores para o cacau”, disse de Vries. “Como já havíamos investigado a espectroscopia desses compostos em grande detalhe, isso apresentou uma oportunidade de aplicar esse conhecimento à detecção desses biomarcadores para a arqueologia.”

Surpresa inicial

Ele acrescentou: “Podemos encontrar uma agulha no palheiro, desde que saibamos como é a agulha; neste caso, a molécula-alvo era um certo biomarcador para o cacau. Essa habilidade é o que tornou esta análise possível”.

Em sua seleção de cerâmicas para testar, Ford e de Vries priorizaram os vasos dos quais o cacau provavelmente era bebido. Eles também testaram tigelas, potes e pratos. Todos os tipos de vasos tinham evidências de cacau.

“Isso foi uma surpresa no começo”, disse Ford, “mas pensando na presença e compreensão de seus usos, tigelas seriam boas para misturar, jarras seriam adequadas para aquecer a bebida (uma preparação tradicional de cacau) e pratos apropriados para servir comida com molhos que podem conter cacau (como mole poblano).

“Agora que sabemos que a presença do cacau está em todos os tipos de vasos, precisamos entender a maior distribuição e uso dessas importantes formas domésticas”, acrescentou Ford. “O que é crítico em nosso trabalho é que os dados que coletei na área El Pilar-Rio Belize enfatizam as famílias comuns e não apenas o centro de elite. Nossa pesquisa, portanto, inova na identificação e distribuição.”