21/05/2024 - 17:32
Mudanças climáticas, mudanças de hábito de consumo e guerras na Ucrânia e no Oriente Médio contribuem para alta no preço do grão. Brasil, porém, tem vantagem estratégica no mercado atual.O café sempre foi algo especial na Alemanha. Isso ficou bem claro após a Segunda Guerra Mundial. À época, duas cidades no estado da Renânia do Norte-Vestfália foram transferidas para a Holanda por alguns anos, uma medida de reparação após o conflito. Como no país vizinho havia manteiga, cigarros e café – itens que estariam em falta na Alemanha pelos anos seguintes – os moradores de Elten e Selfkant praticamente ganharam na loteria.
Com a recuperação da economia alemã, aumentaram as visitas à região de fronteira – não por causa das belas paisagens, mas em razão da manteiga e do café, o que se tornou um bom negócio para os holandeses.
O vilarejo de Selfkant também se beneficiou do contrabando. Ali, assim como na fronteira com a Bélgica, a prática significava um enorme problema que nem a polícia, nem a alfândega conseguiam controlar.
Escasso, visado e caro
Atualmente, a situação dos cobiçados grãos parece, em parte, se repetir, enquanto a bebida favorita dos alemães se torna perceptivelmente mais cara. O mercado global e os altos custos de energia encarecem o produto, segundo a Tchibo, empresa líder no comércio de café torrado na Alemanha.
No início de maio, a Tchibo anunciou que teria de “ajustar” os preços de seus produtos. “No ano passado, muitos dos nossos gastos continuaram a aumentar, incluindo o café verde. Para podermos continuar oferecendo aos nossos clientes a qualidade com a qual estão acostumados, precisamos agir agora.”
A agência de notícias alemã Serviço Evangélico de Imprensa (EPD), que também monitora o aumento do preço do café, consultou sobre a questão a maior importadora de café fair trade (produzido e comercializado segundo padrões de comércio justo e no qual um dos pilares da sustentabilidade econômica e ecológica) do sul global para a Europa, a Gepa.
“Estamos atualmente em uma situação econômica desafiadora”, afirma Matthias Kroth, diretor comercial da Gepa, relatando um declínio nas vendas devido a uma relutância dos consumidores provocada pela inflação. Ele diz que a alta nos preços da matéria prima, no caso o café e o cacau, assim como a guerra na Ucrânia, tiveram um forte impacto negativo.
A diretora de políticas da Gepa, Andrea Fütterer, também demonstra preocupação com os altos custos e as flutuações nos mercados de matéria prima. Isso ocorre devido a pragas decorrentes da monocultura e em razão das mudanças climáticas, que geram secas ou chuvas em excesso.
Preocupações no sul global
Do outro lado do comércio fair trade, entre os produtores do sul global, os cafeicultores também sofrem. A ONG Fairtrade International explica à DW que condições meteorológicas desfavoráveis, especialmente na América do Sul e no Sudeste Asiático, provocam um aumento nos preços, o que gera temores de possíveis gargalos nas cadeias de abastecimento.
Segundo a Fairtrade, isso “exacerba o já delicado balanço entre a oferta e a demanda. Longas secas no Vietnã, o maior produtor dos grãos do tipo robusta, danificaram as plantações. Por outro lado, o Brasil, a principal fonte de café do tipo arábica, sofre com pesadas chuvas que afetam as lavouras”.
A ONG sublinha que “incertezas climáticas, perturbações nas rotas do comércio global e a natureza especulativa de muitos portfólios de investimento criaram uma tempestade perfeita no mercado cafeeiro”.
Vantagem brasileira
Carsten Fritsch, analista do banco alemão Commerzbank, avalia que os conflitos armados ao redor do mundo também geram impactos nos mercados. Ele monitora as chamadas “matérias-primas suaves”, que incluem os alimentos.
Em conversa com a DW, ele menciona um estudo que preparou para o Commerzbank Research, o departamento da instituição que avalia diferentes mercados. E a pesquisa aponta para uma vantagem brasileira.
“Em contraste com o café robusta, o arábica dificilmente é afetado pelos efeitos do transporte através do Mar Vermelho, já que a grande maioria dos produtores de arábica não necessita dessa rota comercial. A situação é bem diferente para produtores de robusta, produzido predominantemente no sudeste asiático”.
Um produtor, contudo, pode se beneficiar das dificuldades do outro. “O aumento significativo no preço e a escassez do robusta podem aumentar a demanda pelo arábica”, observou Fritsch. “A vantagem é do Brasil, de onde vem 80% da produção desse tipo de café.”
As previsões são otimistas para o maior produtor global de arábica. “Para a colheita de 2024/25, há sinais de um estoque maior de café no Brasil”, diz Fritsch. Autoridades brasileiras preveem para janeiro um aumento de 5,5% comparado ao período anterior, chegando a 58,1 milhão de sacas de 60 quilos, das quais 40,75 milhões serão de arábica e 17,33 milhões de robusta”, disse o especialista.
Perspectivas nebulosas
Contudo, o diretor de uma empresa de torrefação de café na Alemanha não vê motivos para tanto otimismo. Steffen Schawrz diz aguardar novos aumentos nos preços, também em razão de problemas em empregar trabalhadores migrantes nas plantações e do aumento do consumo de café nos próprios países produtores.
“Dessa forma, temos menor produtividade, falta de trabalhadores e, ao mesmo tempo, um aumento na demanda”, afirmou à revista alemã Der Spiegel.
Esse aumento não se deve apenas a um modismo em torno do café na Europa e nos Estados Unidos, onde os sommeliers da bebida celebram os baristas mais badalados e cada vez mais consumidores se consideram verdadeiros connoisseurs (uma pessoa com grande interesse em café).
O aumento do consumo de café em países que tradicionalmente cultivavam a cultura do chá também impulsiona uma alta nos preços, como é o caso da Coreia do Sul e da China.
Schwarz diz que os alemães terão de se acostumar com os preços mais altos. Ele avalia que, na Europa, o café deverá custar entre 25 e 30 euros por quilo (R$138 e R$166). “Devo, no mínimo, esperar pagar mais se quiser um gosto bom, observando aspectos ecológicos e sociais que são importantes para mim.”