05/05/2020 - 16:45
Até 3 bilhões de pessoas poderão lutar para sobreviver em condições de calor extremo daqui a 50 anos se o mundo não reduzir as emissões de gases de efeito estufa, revelou um estudo realizado por uma equipe internacional de arqueólogos, ecologistas e cientistas climáticos. Segundo os pesquisadores, cerca de um terço da população mundial viverá em áreas onde a temperatura média anual é estimada em mais de 29 graus Celsius – a menos que emigre.
De acordo com um dos coautores do estudo, Marten Scheffer, da Universidade de Wageningen (Holanda), viver nessas condições colocaria essas pessoas fora do nicho climático que os humanos habitam nos últimos 6 mil anos. O trabalho foi publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”.
“O coronavírus mudou o mundo de uma maneira que era difícil de imaginar há alguns meses, e nossos resultados mostram como a mudança climática poderia fazer algo semelhante”, disseram os cientistas em comunicado.
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Prevê-se que as mudanças climáticas ocorram tão rapidamente quanto as provocadas pela pandemia de coronavírus, mas, diferentemente da situação atual do mundo, não haveria esperança de alívio no futuro próximo, acrescentou Scheffer. Ele e seus colegas basearam parcialmente suas conclusões em uma análise de dados passados, comparando as condições climáticas nas regiões em que os seres humanos mais preferem se instalar.
Os cientistas descobriram que a raça humana atingiu o pico de prosperidade em locais onde as temperaturas médias anuais oscilavam em torno de 11 a 15 graus Celsius, com um segundo pico menor de 20 °C a 25 °C.
Nicho ecológico
Essa distribuição quase não mudou nos últimos 6 mil anos, motivo pelo qual os pesquisadores chamam essa faixa de temperatura de “nicho ecológico humano”.
Olhando para o futuro, os cientistas usaram uma previsão climática do Quinto Relatório de Avaliação de 2014 do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O relatório pressupõe que as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa (como dióxido de carbono, liberado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, e metano) se desenvolverão praticamente sem controle, como ocorreram nas últimas décadas, levando a aumentos de temperatura correspondentes em todo o mundo.
Usando as projeções internacionais do terceiro cenário do relatório Shared Socioeconomic Pathways (SSP3), que prevê um futuro marcado por rivalidades regionais, os pesquisadores conseguiram modelar a população mundial prevista diante das temperaturas crescentes.
Eles descobriram que, no cenário avaliado, a porcentagem de área terrestre com uma temperatura média anual de mais de 29 °C aumentará de 0,8% (a maior parte da qual está atualmente no deserto do Saara) para 19% até 2070.
Redução severa
“Grandes áreas do planeta se aqueceriam até níveis de difícil sobrevivência e não esfriariam novamente”, disse Scheffer. “Isso não apenas teria efeitos diretos devastadores, como deixaria as sociedades menos capazes de lidar com crises futuras como novas pandemias. A única coisa que pode impedir que isso aconteça é um rápido corte nas emissões de carbono.”
As áreas mais atingidas no cenário previsto estão no norte da América do Sul, na África, na Índia, no Sudeste da Ásia e no norte da Austrália.
O clima mais quente afetará mais de 1 bilhão de pessoas somente na Índia e mais de 100 milhões de pessoas na Nigéria, no Paquistão, na Indonésia e no Sudão.
Mas esse cenário de poluição atmosférica não contempla reduções severas de emissão de poluentes, como o proporcionado pela pandemia de covid-19. Uma condição como a deflagrada pelo coronavírus já não parece tão inimaginável quanto alguns meses atrás.
“A boa notícia é que esses impactos podem ser bastante reduzidos se a humanidade conseguir conter o aquecimento global”, disse Tim Lenton, especialista em clima da Universidade de Exeter (Reino Unido) e coautor do estudo. “Nossos cálculos mostram que cada grau [Celsius] de aquecimento acima dos níveis atuais corresponde a aproximadamente 1 bilhão de pessoas que ficam fora do nicho climático. É importante que agora possamos expressar os benefícios de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em algo mais humano do que apenas termos monetários.”