12/08/2014 - 12:59
Na manhã de 19 de maio, às oito horas, o biólogo Carlos Rodrigo Brocardo, coordenador do Projeto de Regeneração do Pinheiro do Paraná, da ONG Instituto Neotropical, embrenhou-se na mata distante da zona turística do Parque Nacional do Iguaçu, no município de Céu Azul (PR). Levava consigo sete câmeras especiais, protegidas por estruturas resistentes à água e ao frio, para instalar em pontos-chave da floresta, tal como armadilhas.
Depois de ter escolhido os melhores lugares (o que exigiu oito horas de trabalho), deixou a mata para voltar 35 dias depois e conferir se havia fotografado os bichos que queria. “Quanto menos você entrar na área, melhor, para deixar os animais mais à vontade”, explicou à PLANETA. Brocardo está à caça de animais estocadores de pinhões, que têm como hábito juntar mais pinhões do que necessitam para comer e enterrá-los em lugares variados. As sementes não consumidas acabam germinando araucárias como o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia), a árvore emblemática do Estado sulista, que hoje figura na lista de espécies extremamente ameaçadas de extinção. Os animais dispersores de sementes são um elo crucial do ciclo de vida da espécie.
No país todo, restam pouco menos de 3% de Floresta Ombrófila Mista, também conhecida como floresta com araucárias. Estima-se que 100 milhões dessas árvores do bioma da Mata Atlântica tenham sido derrubadas entre as décadas de 1930 e 1990, em Estados do Sul e do Sudeste. A devastação foi estimulada pelo valor comercial da madeira e pela terra fértil da região, posteriormente ocupada pela agricultura e pelo reflorestamento com espécies não nativas como o pínus e o eucalipto.
Uma das consequências diretas desse processo contínuo de desmatamento foi a criação de um círculo vicioso de destruição da fauna e da flora. Durante o inverno e o outono, o pinheiro-do-paraná é uma das poucas árvores que produzem frutos que servem à alimentação da fauna da região – em especial o pinhão, que é sua semente. Quanto menos árvores, menos sementes. Quanto menos sementes, menos alimento para os animais que também são responsáveis pela regeneração das árvores.
As câmeras-armadilhas (termo derivado das camera traps, em inglês) ajudam os pesquisadores a monitorar os hábitos dos animais semeadores. A partir das suas imagens, é possível criar estratégias para aperfeiçoar o trabalho de regeneração do pinheiro- do-paraná na região. “Verificando como os processos de dispersão e predação das sementes de Araucaria angustifolia vêm ocorrendo em fragmentos da floresta, temos uma noção de quais relações ecológicas ainda são mantidas. Podemos estimar, assim, como a quebra dessas interações está interferindo no sucesso reprodutivo do pinheiro”, diz Brocardo.
Olha o passarinho
Os primeiros registros do uso da tecnologia fotográfica datam de 1880, quando George Shira, colaborador da National Geographic, usou um sistema de disparo por controle remoto para fotografar animais em Michigan (EUA). De lá para cá, o salto tecnológico foi gigantesco, beneficiando tanto fotógrafos de natureza como instituições conservacionistas como a World Wide Fund for Nature (WWF), que faz trabalho semelhante de monitoramento de espécies por todo o mundo.
Uma das câmeras deixadas por Brocardo na floresta, em maio, uma Bushnell Trophy Camera, foi colocada na base de um pinheiro que produzia pinhões, “justamente para observar que espécies usavam o recurso”, conta o biólogo. O modelo digital é capaz de tirar fotos e realizar filmagens por meio de um sistema automático que dispara quando o sensor infravermelho detecta a presença de animais.
Quando voltou ao local para conferir os resultados, um mês e cinco dias depois, o biólogo teve uma surpresa ao verificar o aparelho. Pela primeira vez, conseguira filmar uma gralha-picaça, bem diante da máquina, fazendo seu trabalho completo com um pinhão: bicando, comendo e enterrando a semente.
Cabe aqui um alerta: ao contrário do que se acredita, a verdadeira semeadora da araucária não é a gralha-azul mas sim a gralha-picaça. A primeira é a ave-simbolo do Paraná, mas tem um comportamento diferente de consumo do pinhão: enquanto a picaça enterra a semente, a gralha-azul deixa o pinhão ao relento, em geral em cima de xaxins, o que diminui bastante as chances do plantio.
As filmagens de Brocardo também trouxeram outras revelações. No vídeo foi observado que a gralha-picaça não enterrava fundo as sementes, ao contrário de outro notável animal estocador, a cutia. Dessa forma, o pinhão fica mais exposto a bichos que o comem, como ratos, veados e macacos. Ou seja, a cutia é muito mais importante para o replantio das araucárias do que a ave.
Também foi verificado que fora do território preservado pelo Parque Nacional do Iguaçu, em áreas de fragmentos de florestas, a caça humana predatória do roedor é intensa. “A nossa hipótese é de que a regeneração do pinheiro é muito baixa nos fragmentos principalmente pela caça da cutia. A cutia é o animal que estoca mais sementes e é o mais caçado. Poucas vezes eu fotografei ou consegui filmar uma cutia fora das áreas do parque nacional”, relata Brocardo.
Se por um lado a notícia não é boa, o que pode ser feito a partir do uso das imagens é animador. Com a informação nas mãos, a equipe de Brocardo pode alertar as autoridades sobre os danos da caça ilegal de animais em áreas não controladas e fazer um manejo mais preciso de reflorestamento, fornecendo sementes e mudas em áreas específicas. O pinheiro-do-paraná agradece.