16/10/2024 - 10:45
Nunca a Rússia disseminou tantas notícias falsas no país europeu, alertam autoridades. Tática está ajudando o Kremlin a impor sua narrativa e a se infiltrar cada vez mais na política local.A Alemanha continua sendo um dos principais alvos da disseminação de desinformação pela Rússia, e as campanhas apoiadas pelo Kremlin continuam crescendo em amplitude e intensidade, alertaram esta semana autoridades de segurança e legisladores alemães.
“Há muito tempo reconhecemos a ameaça da influência estrangeira e da guerra híbrida, especialmente da Rússia, para a Alemanha”, disse o parlamentar Konstantin von Notz, do Partido Verde, que preside o comitê do Bundestag (Parlamento alemão) responsável por supervisionar os serviços secretos do país. “Porém, estamos testemunhando um novo nível de intensidade, e isso é profundamente preocupante.”
Alemanha é vista “como um inimigo” pelo Kremlin
Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, a Alemanha é um dos mais firmes apoiadores da Ucrânia, e como consequência o Kremlin cada vez mais a considera um país inimigo e a trata como tal, conforme o presidente do Serviço Federal de Inteligência da Alemanha (BND), Bruno Kahl.
Kahl disse que o presidente russo, Vladimir Putin, há muito trava uma guerra híbrida contra os países do Ocidente para criar uma nova ordem mundial, e as agências de serviço secreto da Rússia são “ponta de lança” dessa luta. “Com todos os meios à sua disposição, sem restrições legais e, acima de tudo, sem qualquer problema de consciência.”
“Isso levou a um forte aumento na qualidade dos ataques cibernéticos realizados por agentes estatais russos e seus representantes”, acrescentou Kahl.
E os ataques cibernéticos são apenas um dos métodos usados pela Rússia. O presidente do Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV), agência de inteligência doméstica da Alemanha, Thomas Haldenwang, alertou sobre “operações de influência” para disseminar desinformação pró-Rússia: esforços coordenados para influenciar a opinião pública que misturam atividades cibernéticas com a disseminação da desinformação.
Ele mencionou, como exemplo, uma campanha recentemente descoberta e chamada de Doppelgänger, ou “Sósia”, na qual conhecidos sites de notícias europeus são clonados e depois preenchidos com notícias falsas com narrativas pró-Rússia. Essas fakes news são difundidas em redes sociais, dando a impressão de que se trata de uma notícia publicada no site verdadeiro.
Na Alemanha, por exemplo, foram clonados sites dos jornais Die Welt, Süddeutsche Zeitung e da revista semanal Der Spiegel. A falsificação pode muitas vezes ser reconhecida pela URL. Por exemplo o endereço do site falso da Spiegel não termina em .de.
Partidos políticos com posições pró-Kremlin
As campanhas de desinformação russas na Alemanha são controladas diretamente pelo Kremlin e têm como um de seus objetivos fortalecer o partido de ultradireita AfD, noticiaram em setembro as emissoras públicas NDR e WDR e o jornal Süddeutsche Zeitung, que citam documentos internos da empresa Social Design Agency (SDA), sediada em Moscou.
A SDA espalha 24 horas por dia narrativas pró-Kremlin nas redes sociais, noticiaram esses veículos da imprensa. Aparentemente isso é feito em estreita coordenação com a administração presidencial subordinada a Putin.
Pesquisadores dizem que a maioria das campanhas de desinformação voltadas para o público alemão tem ao menos um de três objetivos: enfraquecer o apoio à Ucrânia, manchar a imagem da Otan e fortalecer as vozes pró-Rússia dentro da Alemanha.
Uma das principais narrativas é a alegação de que o apoio alemão à Ucrânia é o culpado pela “mais profunda crise econômica e social da história recente”. O objetivo é criar a impressão de que a Alemanha está à beira de um colapso econômico.
“Vemos que essa estratégia está gradualmente atingindo seus objetivos, e o debate público na Alemanha está cada vez mais mudando para uma direção que atende aos interesses do Kremlin”, disse o analista político Felix Kartte, da Fundação Mercator, da Alemanha.
“Dois partidos que representam posições pró-Kremlin, a AfD e a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), estão agora também recebendo atenção significativa da mídia tradicional”, comentou. Ambos foram bem votados nas recentes eleições estaduais no Leste da Alemanha.
Como combater a influência russa
“A Alemanha ainda não conseguiu criar uma estratégia governamental abrangente para identificar, analisar e neutralizar de forma eficaz as campanhas lançadas pela Rússia”, disse Kartte.
Ele enfatizou que essa estratégia precisaria abordar a questão em vários níveis. “Isso incluiria uma melhor regulamentação das plataformas online, o fortalecimento da mídia independente – especialmente do jornalismo local – e uma melhor análise do apoio financeiro de figuras proeminentes pró-Kremlin na Alemanha por parte das agências de segurança e inteligência”, disse.