05/11/2020 - 0:25
O amor não é a razão pela qual cantamos e criamos sinfonias – pelo menos não a razão principal, de acordo com uma nova teoria evolucionária das origens da música.
Em um artigo publicado recentemente na revista “Behavioral and Brain Sciences”, uma equipe de antropólogos e psicólogos argumenta que mais evidências apoiam a ideia de que a música provém da necessidade de grupos impressionarem aliados e inimigos, e de os pais sinalizarem sua atenção para os bebês.
Os pesquisadores também contestam outras teorias de origem da música, incluindo que fazer música surgiu da necessidade de vínculo social, ou que é apenas um subproduto evolutivo extravagante sem nenhum propósito real – um “cheesecake auditivo”, como o psicólogo cognitivo Steven Pinker definiu certa vez.
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A teoria da seleção sexual, entretanto, é talvez a mais arraigada, remontando a Charles Darwin, que primeiro sugeriu que, assim como o canto dos pássaros, a música era desenvolvida por humanos para atrair parceiros.
Execução em grupos
“Sexo e acasalamento são parte da história, mas a música parece se expandir muito além desse domínio específico”, disse Ed Hagen, antropólogo evolucionista da Universidade do Estado de Washington (EUA) e coautor do estudo. “A hipótese da seleção sexual não explica realmente uma característica central da música: que ela é frequentemente executada em grupos. Também é ouvida e executada por ambos os sexos.”
Hagen e seus colegas de Harvard e da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) apontam que, se a teoria da seleção sexual fosse verdadeira, os homens teriam desenvolvido habilidades musicais superiores e as mulheres habilidades de audição altamente seletivas. No entanto, a partir de observações simples e experimentos científicos, ambos os sexos mostram níveis semelhantes de aptidão em cada área.
Os pesquisadores também argumentam contra a teoria do vínculo social, observando que há muitas maneiras mais eficientes de os grupos se unirem do que o demorado processo de fazer música, incluindo conversar e compartilhar uma refeição. A teoria também não leva em consideração o fato de que a música é frequentemente tocada por outras pessoas que não participam de sua criação.
Segundo os autores, o público é a chave para entender a utilidade da música. Os animais costumam usar vocalizações para sinalizar seu território, alertar os outros sobre intrusos e assustar os demais, e há evidências de que essa é uma função central da música humana também. “Se estudarmos música em sociedades tradicionais, vemos que é usada consistentemente para formar alianças políticas”, disse Hagen.
Força da coalizão
Apresentações musicais elaboradas, de danças de guerra a bandas militares e até bandas marciais de faculdades, costumam ser usadas para mostrar a força de uma coalizão e impressionar estrangeiros. Hagen destacou que muitas visitas de estado incluem a apresentação de uma orquestra nacional ou banda militar. Os estudos também mostram que as pessoas podem detectar a qualidade de sincronia dos músicos e conectar essa sincronia superior à força de uma coalizão.
Os humanos também têm outro público especial que se beneficia do “sinal confiável” que a música oferece: bebês. “Precisamos investir muito em bebês, já que bebês humanos nascem indefesos e precisam de todo tipo de ajuda dos adultos ao seu redor”, disse o psicólogo Samuel Mehr, diretor do Laboratório de Música de Harvard e coautor do estudo. “Os pais ou responsáveis precisam de uma forma confiável de sinalizar ao bebê que estão cuidando dele. Mas a atenção é uma propriedade oculta da mente. É difícil determinar se alguém está realmente prestando atenção em você.”
A música dirigida dá ao bebê um sinal de que o adulto está prestando atenção às suas necessidades, acrescentou Mehr. Ao cantarem, os adultos não podem estar conversando com outras pessoas. A música também alerta o bebê sobre a localização física do adulto. “Tais informações não podem ser falsificadas”, disse ele.
Comum a todas as culturas
Esses dois propósitos focados no público, construção de coalizão e sinalização de pais e filhos, fornecem razões evolutivas convincentes para o desenvolvimento humano da música, disseram os pesquisadores. Eles até anulam a hipótese de que a música é um “cheesecake auditivo” e não serve a nenhum propósito menos convincente.
“Não acho que possamos descartar completamente a hipótese do ‘cheesecake auditivo’, mas ela realmente não oferece uma explicação muito convincente para todo o pacote de evidências”, disse Hagen. “Há uma ocorrência generalizada de tipos semelhantes de sinais vocais em muitas espécies. Além disso, há o fato de que desenvolvemos aptidões musicais muito cedo na vida. A música também parece ser universal. Encontramos música em todas as culturas que estudamos.”