Mesmo em sua história mais remota, os humanos devem ter precisado de algo para carregar seus bebês enquanto se moviam de um lugar para outro. Mas como existem poucas evidências concretas disso – nenhum tecido de funda para levar crianças discernível em escavações arqueológicas e muito poucos enterros de bebês pré-históricos, além disso –, ninguém sabia se a prática realmente havia ocorrido.

Um novo estudo de uma equipe internacional de cientistas muda esse cenário: os pesquisadores apresentam evidências do uso de carregadores de bebês há cerca de 10 mil anos. A descoberta, publicada na revista Journal of Archaeological Method and Theory, lança luz sobre como as crianças eram cuidadas na pré-história e como elas estavam ligadas socialmente à sua comunidade.

Liderada por Claudine Gravel-Miguel, antropóloga da Universidade Estadual do Arizona (ASU, nos EUA) que agora trabalha como pesquisadora convidada no laboratório do professor de antropologia da Universidade de Montreal (Canadá) Julien Riel-Salvatore (coautor do estudo), a equipe combinou métodos analíticos inovadores para extrair informações difíceis de obter sobre contas de conchas perfuradas encontradas no enterro de um bebê do sexo feminino de 40 a 50 dias, apelidado de Neve, na caverna de Arma Veirana, na Ligúria (Itália).

Material bastante usado

No estudo, Gravel-Miguel e seus colegas descrevem como eles usaram um modelo de fotogrametria 3D de alta definição do sepultamento combinado com observações microscópicas e análises de microtomografia computadorizada das contas para documentar em detalhes como o enterro ocorreu e como as contas eram provavelmente usadas por Neve e sua comunidade na vida e na morte.

Os resultados mostram que as contas foram costuradas no pedaço de couro ou tecido que foi usado para embrulhar Neve para seu enterro. Essa decoração continha mais de 70 pequenas conchas marinhas perfuradas e quatro grandes pingentes bivalves perfurados não encontrados em outros sítios pré-históricos. A maioria das contas tem fortes sinais de uso, que não poderiam ter sido produzidos durante a curta vida de Neve, observam os cientistas.

Isso mostra que as contas foram usadas por um período considerável de tempo por alguém da comunidade da criança antes de serem entregues a ela, possivelmente como herança, ou talvez até usadas como proteção contra forças negativas.

“Dado o esforço necessário para criar e reutilizar contas ao longo do tempo, é interessante que a comunidade tenha decidido se desfazer dessas contas no enterro de um indivíduo tão jovem”, disse Gravel-Miguel. “Nossa pesquisa sugere que essas contas e pingentes provavelmente adornavam o carregador em que Neve era levada, que foi enterrado com ela.”

Proteção contra o mal

Baseando-se em observações etnográficas de como os carregadores de bebês são adornados e usados ​​em algumas sociedades modernas de caçadores-coletores, o estudo sugere que a comunidade de Neve pode ter decorado seu carregador com contas destinadas a protegê-la contra o “mal”. No entanto, como sua morte sinalizou que essas contas haviam falhado, teria sido melhor enterrar o carregador em vez de reutilizá-lo.

A nova pesquisa contribui para a crescente literatura de cuidados infantis pré-históricos e o provável uso e reutilização de contas para proteger os indivíduos e manter os laços sociais dentro de uma comunidade, acrescentou Riel-Salvatore.

“Este artigo contribui com informações verdadeiramente originais sobre a arqueologia dos cuidados infantis”, disse ela. “Ele une a ciência e a arte da arqueologia para chegar ao elemento ‘humano’ que impulsiona o tipo de pesquisa que fazemos.”