01/07/2025 - 8:32
A festa do multimilionário foi um show de desperdício, ostentação e falta de consciência social e ambiental.Vivemos tempos difíceis. Diferentes guerras e conflitos armados acontecem no mundo ao mesmo tempo. Recessões econômicas ameaçam vários países. E, claro, as tragédias ambientais aumentam a cada ano e não sabemos mais se a humanidade vai ser capaz de sobreviver em longo prazo às mudanças climáticas. Para isso, teríamos que mudar nossos hábitos radicalmente. Mas, quem se importa?
Se olharmos para os grandes milionários do mundo, parece que eles não estão nem aí. A “super elite” do mundo ocidental continua fingindo que está tudo bem e vivendo em uma bolha de glamour e inebriados de champanhe. As provas disso foram dadas no grande evento do ano, já chamado de “a festa do século”. Falo do casamento do multimilionário Jeff Bezos – fundador da Amazon, o quarto homem mais rico do mundo e um dos grandes “tech oligarcas” dos nossos tempos – com a jornalista Lauren Sanchéz.
Por três dias, celebridades de todos os tipos se reuniram em Veneza, na Itália, para grandes desfiles de jatinhos, lanchas e opulência. A festa, segundo estimativas da imprensa, reuniu de 200 a 250 convidados e custou de 40 milhões a 48 milhões de euros. E reuniu cerca de 95 jatinhos.
Antes mesmo de começar, a cerimônia já havia criado polêmica e gerado raiva entre os moradores de Veneza, que acreditavam (com razão) que um evento desse porte poderia danificar patrimônios históricos e aumentar os problemas de uma cidade que já sofre com o turismo de massa, que causa, entre outras coisas, escassez de moradia e alta nos preços dos aluguéis. Veneza sofre também com os riscos de inundações causados pelas mudanças climáticas.
Protestos
Alguns dias antes do evento, um imenso banner com a imagem de Bezos e a frase “Se você pode alugar Veneza, você também pode pagar mais imposto” foi colocado no meio da praça São Marcos. No último dia da cerimônia, no domingo, centenas de manifestantes foram às ruas da cidade em um protesto contra o evento. Os manifestantes protestaram também contra Bezos, que é apoiador de Donald Trump.
A Amazon é acusada também de expor seus empregados e colaboradores a péssimas condições de trabalho. As polêmicas ainda não acabaram. O multimilionário é também o mesmo que, em abril, juntou um grupo de mulheres, inclusive sua então noiva, para uma controversa viagem no espaço de 12 minutos em um dos foguetes de sua empresa, a Blue Origin. A viagem funcionou como uma espécie de “despedida de solteiro” de Sanchéz.
As reclamações dos ambientalistas têm aval científico. De acordo com relatório da Oxfam, a população formada por 1% dos mais ricos do mundo, com seus usos de jatinhos, iates e viagens espaciais, excedem em 30 vezes os limites necessários para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ºC.
Até Leonardo DiCaprio
Todas essas críticas parecem não importar para os super-ricos e famosos, já que o evento juntou celebridades como Mick Jagger, Oprah Winfrey, a família Kardashian e Bill Gates. Donald Trump não foi, mas a família foi representada por sua filha Ivanka. Até celebridades mais liberais estavam presentes, como Leonardo DiCaprio que virou motivo de piadas e memes.
Ele merece as críticas. Afinal, não faz o menor sentido que uma pessoa como ele, que se diz comprometida com o meio ambiente, vá a um evento de um multimilionário que lança foguetes ao espaço por diversão e que juntou quase cem jatinhos. Se DiCaprio está preocupado com o meio ambiente, ele devia arrumar novos amigos, e não ir à festa e se esconder da imprensa colocando um boné em cima do rosto. Sim, ele fez isso.
Afinal, a festa foi um show de desperdício, ostentação e falta de consciência social e ambiental, o que mostra que os super-ricos não estão nem aí para os riscos das mudanças climáticas, a desigualdade ou os problemas diários enfrentados por nós, mortais.
Se dependermos do comportamento dessas pessoas, jamais venceremos essa luta para que o mundo continue sendo um local habitável e mais justo. Pelo jeito, eles preferem continuar fazendo seus passeios de iate, andando de jatinho para cima e para baixo e tratando o mundo como se fosse o seu playground. Foi exatamente isso que eles fizeram em Veneza. “Se eu tenho dinheiro, posso fazer o que bem entendo onde quiser”, parece ser o recado. As cidades, seus moradores e o mundo que aguentem…
_____________________________
Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.