Santa Edwiges teve interior totalmente mudado por projeto arquitetônico controverso que demorou mais de seis anos para ser concluído. Obra do século 18 é ícone em cidade de maioria protestante.Quem visitar a recém-reformada Catedral de Santa Edwiges, um edifício circular do século 18 inspirado no Panteão de Roma e situado no centro de Berlim, irá encontrar um interior modestamente diferente: amplo e banhado pela luz natural, fruto de mais de seis anos de obras.

A Catedral de Santa Edwiges é o primeiro templo católico construído na cidade após a Reforma Protestante, sob autorização do então rei da Prússia, Frederico 2º.

O templo de marcante cúpula redonda fica na Bebelplatz, mesma praça onde os nazistas atearam fogo a livros em 1933 e que se converteria, anos mais tarde, no coração da antiga Berlim Oriental.

A reforma da catedral, aberta ao público neste domingo (24/11), talvez admire ou intrigue quem já a conhecia. É quase um recomeço radical – e após muitas controvérsias.

A abertura de oito metros de largura no piso do centro da igreja, com a escada em espiral para a cripta, desapareceu. Ela havia sido criada durante a reconstrução tardia, quase 20 anos depois da Segunda Guerra Mundial. Alguns apreciavam-na como detalhe arquitetônico, outros viam nela um incômodo.

Agora, exatamente no centro, sob a cúpula de 30 metros de altura, está um modesto altar – uma meia-esfera com o lado plano virado para cima, lembrando uma versão em miniatura de uma das cúpulas do Congresso brasileiro. À escultura em cimento e areia foram incorporados mais de mil pequenos pedaços de pedra coletados por pessoas de todas as partes da arquidiocese.

Dispostas em torno do altar estão as cadeiras dos fieis. E… Isso é tudo. Mais não há a ver: nem quadros coloridos, nem anjos ou degraus até o altar, tampouco algum mobiliário imponente ou uma grande cruz.

Entusiasmado, o clérigo Tobias Przytarski enfatiza o “espaço maravilhoso que ganhamos” com a reforma.

Celebração no centro das atenções

Quem busca esplendor e grandiosidade pode encontrá-los não muito longe dali. Por exemplo, na vizinha casa de ópera “Staatsoper Unter den Linden” e na Universidade Humboldt, ou na imponente Catedral de Berlim, esta sim protestante, e de arquitetura de influência neobarroca e neorrenascentista.

A reforma da Santa Edwiges, no entanto, enfatiza algo que os arquitetos originais do século 18 já haviam buscado ao se inspirar no Panteão de Roma: colocar a celebração religiosa no centro das atenções.

Conforme explica o arquiteto Peter Sichau, era isso que faziam as primeiras igrejas, que eram frequentemente estruturas circulares como o Panteão. A construção italiana, datada do segundo século depois de Cristo, só foi virar igreja cristã 500 anos depois.

Agora, diz Sichau, a Santa Edwiges tornou-se um “espaço de celebração”, projetado para “ajudar as pessoas a experimentar Deus”. Daí a escolha dos arquitetos de “liberar [seu interior] de todas as distrações”.

Parte da história de Berlim

A Santa Edwiges diz muito sobre a história de Berlim. Inaugurada em 1773, ela foi a primeira igreja católica da cidade, e a primeira construção do gênero autorizada no Reino da Prússia (Estado precursor da Alemanha) desde a Reforma Protestante.

O prédio, como muitas construções em Berlim, já não preservava sua forma original há muito tempo: durante a Segunda Guerra Mundial, bombardeios em 1943 destruíram a cúpula de cobre e provocaram um incêndio que consumiu todo o seu interior, inclusive a cripta. Sobrou somente a fachada com suas colunas.

Até hoje, o edifício segue sendo o único templo católico no centro de Berlim Oriental.

Perfil demográfico da cidade pesou nas escolhas arquitetônicas

A capital alemã é considerada também uma “capital das religiões”, já que igrejas, sinagogas, mesquitas, templos hindus e budistas, e até mesmo casas de religiões afrobrasileiras convivem lado a lado.

Ainda assim, o maior grupo na cidade é de pessoas que não professam nenhuma fé. Isso, claro, em um país onde quem declara uma fé tem quase sempre a obrigação de pagar impostos religiosos para financiar sua congregação.

Para o arcebispo de Berlim, Heiner Koch, a alta prevalência de habitantes na cidade sem religião declarada foi um fator que pesou na reforma. “Prestamos muita atenção para também nos dirigirmos a pessoas que não estão enraizadas na fé cristã”, afirma.

No fim das contas, como explica Koch, a catedral também é a “igreja católica na capital federal”, e será usada para celebrações com a presença de políticos.

O arcebispo espera que a nova cara da igreja atraia mais passantes e turistas. O prédio deve ser um lugar em que, “num espírito aberto e acolhedor, cristãos, pessoas de outras religiões e pessoas sem vínculos religiosos se encontrem com total abertura e aprendam uns com os outros”.

Subsolo de cara nova

A catedral é o coração de uma arquidiocese, e isso está expresso na Santa Edwiges em seu subsolo com pé direito de três metros. Ali, diretamente debaixo da cúpula e do altar, há uma pia batismal em forma de cruz, com água corrente – e, no que é mais inusitado para uma igreja católica, grande o suficiente para batizar um adulto.

Ao redor da pia, há doze salas temáticas, capelas para meditação e oração, e espaços para confissão. Há também uma “sala do arrependimento”, que tematiza abusos sexuais cometidos por clérigos.

Um dos espaços mais importantes ali é seguramente o túmulo do padre Bernhard Lichtenberg (1875-1943), que intercedeu pelos judeus perseguidos durante o nazismo e morreu no campo de concentração de Dachau. A memória de sua coragem contra os nazistas é mantida viva pela arquidiocese.

Custo na casa das dezenas de milhões de euros

Construir custa caro na Alemanha. Isso vale também para a Igreja Católica, que nos últimos anos tem se ocupado mais da venda ou demolição de seus templos pelo país. E muitos serviços necessários na catedral, principalmente a parte elétrica, foram adiados por muito tempo. É por isso que a reforma deu quase tanto trabalho quanto uma construção do zero.

Em 2016, o custo da obra era estimado em 40 milhões de euros. No fim, porém, a despesa foi de mais de 44 milhões de euros (R$ 266 milhões). Além da arquidiocese de Berlim, outras dioceses na Alemanha e os próprios governos federal e estadual ajudaram a bancar a empreitada.

Mas ainda há outros gastos à vista: a reconstrução da Casa Bernhard Lichtenberg, que fica logo atrás da catedral, e cujas obras devem continuar por mais de um ano, sairá por mais de 30 milhões de euros (R$ 181,7 milhões) – muito acima dos 20 milhões de euros inicialmente orçados.