28/02/2025 - 16:28
Antigo reservatório de óleo, túneis escavados na rocha de Västerås hoje amazenam água quente proveniente de usina de cogeração. Sistema aquece cidade de 160 mil habitantes economizando CO2.Desde 2022, com o início da guerra na Ucrânia e consequentes sanções contra Moscou, uma das preocupações que assombram a Europa é o que fazer sem os combustíveis fósseis russos. Como aquecer as casas? Os europeus vão morrer de frio no inverno? Uma cidade da Suécia aplica uma das respostas possíveis, que é ecológica e tem a ver com o petróleo – mas só indiretamente.
Num local sigiloso, sob as ruas de Västerås, no sul do país, encontra-se um sistema artificial de túneis e cavernas. Meticulosamente escavado no leito de rocha em plena Guerra Fria, no fim da década de 1960 e início da de 1970, seu propósito original era abrigar uma reserva de óleo. Hoje ele armazena algo bem diferente: água quente.
Inaugurado em fins de 2024, o reservatório é basicamente uma gigantesca bateria de calor que aquece a cidade de 160 mil habitantes, à margem do rio Svartån, onde no inverno a temperatura pode chegar a -20ºC. Assim como muitos centros urbanos suecos, Västerås mantém um sistema de calefação municipal: em vez de cada unidade residencial ter seu pequeno boiler, a usina de energia local abriga várias caldeiras enormes.
Trata-se de uma usina de cogeração, em que se queimam lixo e madeira para produzir energia e, ao mesmo tempo, aquecer 98% dos edifícios. “É um modo muito eficiente de utilizar combustível”, explica Lisa Granstrom, responsável pela estratégia de aquecimento e eletricidade da Mälarenergi, a estatal que administra a estação de energia.
O que é uma usina de cogeração?
Numa usina de eletricidade convencional, o calor necessário a formar o vapor que faz a turbina girar é desperdiçado. Em contraste, numa de cogeração, como a de Västerås, ele é usado para aquecer água. Esta circula por uma rede de tubulações de 900 quilômetros, levando às casas calefação e água quente corrente. Essa tecnologia apresenta mais ou menos o dobro da eficiência da convencional, utilizando 90% da energia injetada.
No verão, se a energia produzida excede a consumida, parte do calor se perde. No inverno, por outro lado, por vezes é necessário ligar caldeiras adicionais para cobrir a demanda. Se é empregado combustível fóssil, isso resulta em mais emissões carbônicas.
Aí a companhia Mälarenergi colocou em cena um sistema de cavernas pré-existente. Durante a Guerra Fria, como se declarou neutra, a Suécia precisava garantir que disporia de combustível para alimentar sua economia, caso irrompesse uma guerra em escala total.
O sítio em Västerås foi escolhido para armazenar óleo suficiente ao abastecimento da cidade durante um ano inteiro. Em 1985, com o alívio das tensões políticas globais, esse reservatório de emergência foi desativado, e o combustível, drenado. As cavernas permaneceram vazias, até que em 2019 a Mälarenergi decidiu dar-lhes uma nova utilidade.
“Como café numa garrafa térmica”
“Tivemos que limpar todo o resíduo de óleo que ainda restava”, recorda Granstrom. “Aí decidimos instalar toda a tubulação dentro das cavernas.” Com uma capacidade equivalente a 100 piscinas olímpicas, o processo de selá-las novamente e enchê-las de água exigiu cinco meses.
A água quente do topo da caverna é passada a um permutador de calor, e daí para a rede municipal de calefação. O projeto todo custou 14,7 milhões de euros (R$ 89,3 milhões), que a empresa espera recuperar nos próximos cinco a dez anos, graças à economia de energia.
Mesmo quando a temperatura externa está vários graus abaixo de zero, as paredes do túnel acima das cavernas estão quentes. O leito rochoso serve como isolante térmico, garantindo que muito pouco do calor armazenado no líquido escape.
“Como café numa garrafa térmica, esta água fica muito tempo quente”, garante Granstrom. Dependendo da temperatura exterior, o sistema é capaz de manter Västerås aquecida por até duas semanas.
Além da economia de energia, já que os boilers não precisam ser ligados, a Mälarenergi calcula que reduz em 1,6 mil toneladas as emissões anuais de CO2 – o equivalente à pegada climática de 460 suecos.
Soluções alternativas, da Holanda ao Reichstag
“É ótimo esse grande reservatório estar implementado, e ganhamos mais experiência com ele”, comenta o especialista em calefação municipal Sven Werner, professor aposentado da Universidade Halmstad. “As pessoas tentam evitar riscos. Então, se alguém assumiu o risco e teve sucesso, vai ter seguidores.”
É também possível construir sistemas especificamente para armazenar a água aquecida, já que nem toda cidade dispõe de um antigo reservatório de petróleo esperando para ser reutilizado. Na cidade de Vantaa, no sul da Finlândia, está em andamento o projeto Varanto, um sistema rupestre com mais de três vezes a capacidade de Västerås, previsto para entrar em funcionamento em 2028.
Segundo Werner, alguns países nórdicos, sobretudo a Suécia, Finlândia e Noruega, possuem condições perfeitas para produzir muitos outros sistemas de armazenagem de calor: “Temos leito rochoso cristalino, que é ideal para escavar grandes cavernas.”
Locais cujo solo é menos sólido talvez tenham que apelar para outras soluções subterrâneas, como perfurar poços para aquecer as camadas naturais de rocha fraturada, areia ou cascalho que contêm água subterrânea. Essa tecnologia está sendo utilizada em diversos locais da Holanda, além de ser a base da calefação do Reichstag, o prédio do parlamento alemão em Berlim.
Outra solução especialmente popular na Dinamarca é cavar uma grande fossa, cobri-la com material impermeável e usá-la para armazenar água quente. “Calefação municipal é muito local”, observa Granstrom. “Você tem que adaptar sua solução às condições locais.”