27/01/2021 - 8:01
Variante do Amazonas já foi identificada na Alemanha e nos Estados Unidos, entre outros países. Assim como cepa sul-africana, ela é mais transmissível e mais difícil de ser detectada por anticorpos, indicam estudos.A variante do coronavírus do Amazonas, assim conhecida por ter sido detectada pela primeira vez em pessoas que estiveram no estado brasileiro, ao lado de cepas identificadas no Reino Unido e na África do Sul, aumentaram a pressão sobre governos para rastrear mutações do vírus e endurecer restrições a contatos sociais e viagens.
A cepa identificada no Reino Unido é mais transmissível que a versão anterior do vírus, o que faz aumentar o número de casos, internações e mortes pela doença, e também pode ser mais letal, mas estudos apontam que ela não afeta a eficácia das vacinas já aprovadas.
Já as variantes encontradas no Brasil e na África do Sul, além de serem mais transmissíveis, são mais difíceis de serem detectadas por anticorpos, segundo apontam estudos, o que reduz a capacidade de a pessoa infectada combater o vírus e possivelmente a eficácia de medicamentos à base de anticorpos . Estudos preliminares apontam que a cepa sul-africana reduz a eficácia das vacinas disponíveis – ainda não há pesquisas sobre como a variante brasileira se comporta em relação aos imunizantes.
O surgimento das variantes colocou em evidência um novo gargalo nos sistemas de diagnóstico dos países: a dificuldade de fazer o sequenciamento genético para identificar a linhagem do vírus nas amostras com resultado positivo. Sem isso, as nações ficam às escuras para monitorar a disseminação das cepas. O sequenciamento no Reino Unido, referência nesse quesito, é realizado em até 10% das amostras positivas.
Cepa do Amazonas
As mutações são um fenômeno esperado, ainda mais quando há milhares de pessoas sendo infectadas todos os dias. Quando o vírus ataca alguém e começa a se replicar, erros no seu processo de reprodução podem provocar mudanças aleatórias em sua estrutura. Se uma alteração torna o vírus mais eficiente para infectar e se reproduzir, essa variante tende a predominar sobre as outras.
A cepa brasileira foi identificada pela primeira vez no Japão, em quatro viajantes que chegavam do Brasil e estiveram no Amazonas, e comunicada ao público em 10 de janeiro. Três dias depois, pesquisadores da Fiocruz Amazônia, em Manaus, confirmaram ter encontrado a variante em um paciente local, num caso de reinfecção pelo coronavírus.
Essa cepa possui 12 mutações, das quais três são iguais a mutações encontradas na sul-africana, “que podem impactar a transmissibilidade e a resposta imune do hospedeiro”, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A variante é associada à alta de casos de covid-19 em Manaus, que levou ao colapso do sistema de saúde e do fornecimento de oxigênio hospitalar na cidade.
Por ser capaz de escapar dos anticorpos, virologistas apontam que a variante brasileira também pode atacar com mais facilidade pessoas que já tiveram covid-19 antes, aumentando o número de reinfecções.
Reação na Europa
Assim como a pressão por mais rapidez nas campanhas de vacinação, a emergência das novas variantes ocupou a agenda de autoridades políticas e de saúde nos últimos dias. Na sexta-feira, a OMS pediu que as nações se esforcem mais para detectar e monitorar as novas cepas.
A Alemanha registrou a variante do Reino Unido pela primeira vez em seu território em 24 de dezembro e a da África do Sul, em 12 de janeiro. Na última sexta-feira (22/01), o país identificou o primeiro caso da cepa brasileira, em uma pessoa que viajou do Brasil para o estado de Hesse. Ela fez o teste ao chegar no aeroporto de Frankfurt, e uma análise de laboratório revelou que se tratava da variante originária do estado do Amazonas.
No domingo, a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, pediu ao ministro do Interior Horst Seehofer que analisasse alternativas para proteger o país das novas cepas. Nesta terça-feira, Seehofer afirmou que o governo considerava proibir praticamente todos os voos internacionais para o país. Desde domingo, a polícia federal alemã também intensificou o controle de passageiros de países considerados áreas de alto risco.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou na segunda-feira mais restrições do bloco a viajantes de áreas de risco, como o Brasil. “A situação na Europa com as novas variantes nos levou a tomar decisões difíceis mas necessárias”, escreveu ela em sua página no Twitter.
Na quinta-feira passada, o chanceler federal da Áustria, Sebastian Kurz, já havia afirmado, antes de um encontro de cúpula de líderes europeus: “Precisamos fazer todo o possível para evitar que outras mutações, como por exemplo do Brasil, sejam introduzidas na Europa.” Nesta terça, a Itália informou ter identificado três pessoas infectadas com a variante brasileira do vírus – todas haviam viajado ao Brasil recentemente.
Repercussão na imprensa
A discussão sobre as novas variantes do coronavírus chamou a atenção dos principais veículos de imprensa da Alemanha. O jornal televisivo Tagesschau transmitiu nesta segunda uma reportagem sobre as variantes do Brasil, Reino Unido e África do Sul, e como elas vêm causando preocupação entre cientistas e políticos do país.
O Tagesschau mostrou críticas à demora da Alemanha para ampliar o sequenciamento genético das amostras positivas para o vírus. O governo alemão estabeleceu regras sobre o tema em 18 de janeiro, que exigem que os laboratórios façam o sequenciamento de no mínimo 5% das amostras com resultado positivo. Os laboratórios recebem do governo alemão 220 euros por cada sequenciamento realizado.
Também na segunda, ao mencionar as novas variantes, o porta-voz do governo alemão, Steffen Seibert, afirmou que havia “nuvens escuras” indicando um perigo de nova alta de casos, e que o relaxamento do lockdown estava mais distante, segundo reportagem da agência DPA que definia a variante brasileira como “provavelmente muito contagiosa”.
Em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung publicada nesta segunda, a virologista Sandra Ciesek disse que a falta de sequenciamento genético tornava difícil estimar o quanto as novas cepas já haviam se espalhado, mas que investigações iniciais apontavam que as variantes, inclusive a do Brasil, ainda não eram predominantes. Contudo, ela afirmou que as cepas precisavam ser “urgentemente contidas” nos seus estágios iniciais e que o país deveria priorizar ações nesse sentido.
O jornal Die Zeit publicou reportagem em 20 de janeiro citando a hipótese, ainda em estudo, de que a variante do vírus encontrado no Amazonas contribuiu para que muitos moradores de Manaus que já haviam contraído covid-19 fossem novamente contaminados, já que o vírus conseguiria escapar de ser reconhecido pelo sistema imunológico de quem já enfrentou a doença.
Preocupação nos Estados Unidos
A variante brasileira também chamou a atenção dos Estados Unidos nesta segunda, depois que o estado de Minnesota confirmou ter encontrado no país o primeiro caso da cepa oriunda do Amazonas, em um morador do estado que havia viajado recentemente ao Brasil. No mesmo dia, o presidente Joe Biden restabeleceu restrições de viagem a passageiros procedentes do Brasil, do Reino Unido e da União Europeia, e a nova ordem passou a incluir a África do Sul.
Após o anúncio do caso de Minnesota, o epidemiologista chefe dos Estados Unidos, Anthony Fauci, afirmou à rede CNN que a variante brasileira pode se tornar “mais dominante”, por ser mais transmissível. “Se ela [a variante] tem a capacidade de se espalhar de maneira mais eficiente, é provável que se torne cada vez mais dominante, mas temos que esperar para ver”, disse.
Ao jornal The New York Times, Fauci afirmou que sua preocupação em relação à variante do Reino Unido e às variantes da África do Sul e do Brasil “é muito, muito diferente”, por estas duas últimas terem mutações que podem contribuir para o vírus ser mais resistente às vacinas.
A variante britânica já foi identificada em 22 estados americanos, e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estima que ela possa se tornar a dominante no país até março. Não há casos confirmados da variante da África do Sul nos Estados Unidos até o momento. O país, porém, tem um baixo percentual de sequenciamento genético das amostras que dão positivo para o vírus.