28/11/2022 - 10:49
Cefalópodes como polvos, lulas e sépias são animais altamente inteligentes com sistemas nervosos complexos. Em um artigo publicado na revista Science Advances, uma equipe liderada por Nikolaus Rajewsky, do Max Delbrück Center (Alemanha), mostrou agora que sua evolução está ligada a uma expansão dramática de seu repertório de microRNA.
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Se retrocedermos o suficiente na história evolutiva, encontraremos o último ancestral comum conhecido de humanos e cefalópodes: um animal primitivo semelhante a um verme com inteligência mínima e ocelos simples. Mais tarde, o reino animal pode ser dividido em dois grupos de organismos – aqueles com espinha dorsal e aqueles sem. Enquanto os vertebrados, principalmente os primatas e outros mamíferos, desenvolveram cérebros grandes e complexos com diversas habilidades cognitivas, os invertebrados não. Com uma exceção: os cefalópodes.
Os cientistas há muito se perguntam por que um sistema nervoso tão complexo só foi capaz de se desenvolver nesses moluscos. Agora, uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Max Delbrück Center e do Dartmouth College (EUA) apresentou um possível motivo no artigo publicado na Science Advances. Eles explicam ali que os polvos possuem um repertório massivamente expandido de microRNAs (miRNAs) em seu tecido neural – refletindo desenvolvimentos semelhantes aos dos vertebrados.
Papel fundamental
“Portanto, é isso que nos conecta ao polvo”, disse o professor Nikolaus Rajewsky, diretor científico do Instituto de Biologia de Sistemas Médicos de Berlim do Max Delbrück Center (MDC-BIMSB), chefe do Laboratório de Biologia de Sistemas de Elementos Reguladores de Genes e último autor do artigo. Segundo ele, essa descoberta provavelmente significa que os miRNAs desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de cérebros complexos.
Em 2019, Rajewsky leu uma publicação sobre análises genéticas realizadas em polvos. Os cientistas descobriram que muita edição de RNA ocorre nesses cefalópodes – o que significa que eles fazem uso extensivo de certas enzimas que podem recodificar seu RNA.
“Isso me fez pensar que os polvos podem não apenas ser bons em edição, mas também podem ter outros truques de RNA na manga”, afirmou Rajewsky. E assim ele começou uma colaboração com a estação de pesquisa marinha Stazione Zoologica Anton Dohrn, em Nápoles (Itália), que lhe enviou amostras de 18 tipos diferentes de tecidos de polvos mortos.
Expansão dramática
Os resultados das análises foram surpreendentes: “De fato, houve muita edição de RNA, mas não em áreas que acreditamos ser de interesse”, disse Rajewsky. A descoberta mais interessante foi, de fato, a dramática expansão de um conhecido grupo de genes de RNA, os microRNAs.
Um total de 42 novas famílias de miRNA foram encontradas – especificamente no tecido neural e principalmente no cérebro. Dado que esses genes foram conservados durante a evolução dos cefalópodes, a equipe conclui que eles foram claramente benéficos para os animais e, portanto, são funcionalmente importantes.
Rajewsky tem pesquisado miRNAs por mais de 20 anos. Em vez de serem traduzidos em RNAs mensageiros, que fornecem as instruções para a produção de proteínas na célula, esses genes codificam pequenos pedaços de RNA que se ligam ao RNA mensageiro e, assim, influenciam a produção de proteínas. Esses locais de ligação também foram conservados ao longo da evolução dos cefalópodes – outra indicação de que esses novos miRNAs são de importância funcional.
Novas famílias de microRNA
“Esta é a terceira maior expansão de famílias de microRNA no mundo animal e a maior fora dos vertebrados”, afirmou o primeiro autor dr. Grygoriy Zolotarov, cientista ucraniano que estagiou no laboratório de Rajewsky no MDC-BIMSB enquanto terminava a faculdade de medicina em Praga (República Tcheca) e depois disso. “Para se ter uma ideia da escala, as ostras, que também são moluscos, adquiriram apenas cinco novas famílias de microRNA desde os últimos ancestrais que compartilharam com os polvos – enquanto os polvos adquiriram 90.”
As ostras, acrescentou Zolotarov, não são exatamente conhecidas por sua inteligência.
O fascínio de Rajewsky pelos polvos começou anos atrás, durante uma visita noturna ao Aquário de Monterey, na Califórnia (EUA). “Vi essa criatura sentada no fundo do tanque e passamos vários minutos – pensei – olhando um para o outro.” Ele disse que olhar para um polvo é muito diferente de olhar para um peixe: “Não é muito científico, mas seus olhos exalam uma sensação de inteligência”. Os polvos têm olhos de “câmera” complexos semelhantes aos humanos.
Sinais de inteligência
Do ponto de vista evolutivo, os polvos são únicos entre os invertebrados. Eles têm um cérebro central e um sistema nervoso periférico – capaz de agir de forma independente. Se um polvo perde um tentáculo, o tentáculo permanece sensível ao toque e ainda pode se mover. A razão pela qual os polvos são os únicos a desenvolver funções cerebrais tão complexas pode residir no fato de que eles usam seus tentáculos de forma muito proposital – como ferramentas para abrir conchas, por exemplo.
Os polvos também mostram outros sinais de inteligência: são muito curiosos e podem se lembrar das coisas. Eles também podem reconhecer as pessoas e gostar mais de algumas do que de outras. Os pesquisadores agora acreditam que eles até sonham, já que mudam a cor e a estrutura da pele durante o sono.
Criaturas parecidas a alienígenas
“Dizem que se você quer conhecer um alienígena, mergulhe e faça amizade com um polvo”, observou Rajewsky. Ele agora planeja unir forças com outros pesquisadores de polvos para formar uma rede europeia que permitirá um maior intercâmbio entre os cientistas. Embora a comunidade seja pequena atualmente, Rajewsky diz que o interesse pelos polvos está crescendo em todo o mundo, inclusive entre os pesquisadores comportamentais.
De acordo com ele, é fascinante analisar uma forma de inteligência que se desenvolveu de forma totalmente independente da nossa. Mas não é fácil: “Se você fizer testes com eles usando petiscos como recompensa, eles logo perdem o interesse. Pelo menos é o que meus colegas me dizem”, disse Rajewsky.
“Como os polvos não são organismos-modelo típicos, nossas ferramentas de biologia molecular eram muito limitadas”, afirmou Zolotarov. “Portanto, ainda não sabemos exatamente quais tipos de células expressam os novos microRNAs.” A equipe de Rajewsky agora planeja aplicar uma técnica, desenvolvida no laboratório de Rajewsky, que tornará as células do tecido do polvo visíveis em nível molecular.