J.D. Vance é criticado por afirmar incorretamente que a 2ª Guerra Mundial terminou por meio de negociações, e não com a rendição dos países do eixo. A DW verificou essa e outras distorções históricas do governo de Trump.O vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, foi criticado nas redes sociais após afirmar que a Segunda Guerra Mundial terminou por meio de uma negociação enquanto defendia, numa entrevista para a TV, a abordagem diplomática do presidente Donald Trump na guerra entre Rússia e Ucrânia.

“A Segunda Guerra Mundial terminou com as rendições incondicionais da Alemanha e do Japão e não com negociação”, publicou uma conta no X intitulada Republicanos contra Trump, compartilhando um trecho da entrevista de Vance.

A Alemanha nazista se rendeu incondicionalmente em 8 de maio de 1945, após o suicídio do ditador Adolf Hitler. O Japão, aliado da Alemanha, rendeu-se no final de agosto, após os EUA lançarem bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Essa não é primeira distorção histórica de membros do governo Trump. O próprio presidente repetidamente distorce fatos históricos para adequá-los a sua narrativa e está pressionando museus para se alinharem à sua visão de mundo, criticando-os por retratarem a história americana – particularmente a escravidão – de forma negativa.

A equipe de checagem de fatos da DW examinou algumas das alegações históricas mais controversas de Trump.

O falecido tio de Trump e o Unabomber

Theodore Kaczynski, um terrorista doméstico dos EUA mais conhecido como Unabomber, matou três pessoas e feriu outras 23 ao enviar para elas dispositivos explosivos. Seu principal alvo eram cientistas. Ele admitiu ter enviado 16 bombas ao longo de quase duas décadas e foi preso em 1996.

Em julho, Trump afirmou num evento em Pittsburgh, na Pensilvânia, que o seu tio John, um ex-professor do MIT, teria lhe dito que Kaczynski foi um de seus alunos. No entanto, Kaczynski estudou em Harvard e, posteriormente, na Universidade de Michigan. Não há registro de matrícula dele no MIT, segundo o próprio instituto.

Além disso, o tio de Trump morreu em 1985, enquanto só em 1996 foi revelado que Kaczynski era o Unabomber. A história de Trump foi desmentida por vários veículos de comunicação.

Tarifas e a Grande Depressão

Numa reunião de gabinete em julho, Trump afirmou que a Grande Depressão nunca teria acontecido se os EUA tivessem mantido as tarifas de importação e alegou incorretamente que elas foram reativadas após a Depressão.

O período conhecido como a Grande Depressão começou em 1929 e durou cerca de uma década. A Lei de Tarifas Smoot-Hawley, de 1930, destinada a proteger as empresas americanas, na verdade aumentou as taxas de importação e desencadeou tarifas retaliatórias de mais de 20 países.

Como resultado, a economia dos EUA mergulhou ainda mais numa crise devastadora, da qual não sairia até a Segunda Guerra Mundial. A maioria dos historiadores olha para a Lei Smoot-Hawley como um erro que tornou um clima econômico ruim ainda pior.

Trump argumenta que altos impostos de importação sobre produtos do exterior fundamentaram os EUA e que o país começou a abandoná-los quando criou um imposto de renda federal em 1913. Então, “em 1929, tudo chegou a um fim abrupto com a Grande Depressão. E isso nunca teria acontecido se eles tivessem mantido a política tarifária”.

Referindo-se à Lei Smoot-Hawley, ele acrescentou: “Eles tentaram trazer de volta as tarifas para salvar nosso país, mas era tarde demais”.

Na verdade, o histórico de tarifas elevadas dos Estados Unidos continuou bem depois de 1913, e a opinião de Trump sobre o que desencadeou a Grande Depressão – e a resposta de Washington a ela na era do presidente Herbert Hoover – não reflete o que realmente aconteceu.

Apesar do que Trump sugere, após a ratificação do imposto de renda, em 193, o que se seguiu foi um crescimento econômico contínuo, impulsionado por avanços tecnológicos como o telefone e o aumento dos gastos do consumidor após a Primeira Guerra Mundial.

A política de tarifas elevadas também persistiu, com o Congresso aprovando a Lei Fordney-McCumber de 1922, que elevou os impostos sobre muitos produtos importados ao nível mais alto da história dos EUA, num esforço para impulsionar ainda mais a produção nacional. Isso levou à imposição de tarifas retaliatórias por parte de importantes parceiros comerciais dos EUA.

A economia começou a desacelerar quando o Fed aumentou as taxas de juros em 1928 e no ano seguinte. A ideia era amenizar uma bolha no mercado de ações, reduzindo os empréstimos a corretoras ou empresas que compravam ações. Mas isso desencadeou taxas de juros mais altas no Reino Unido e na Alemanha, o que ajudou a desacelerar os gastos do consumidor e a produção globais e deu início a uma recessão nos EUA no verão de 1929.

Trump diz que alertou contra a invasão do Iraque

Trump afirma há muito tempo que se opôs à invasão do Iraque em 2003. Em junho, ele reiterou: “Eu era totalmente contra. Eu era, e eu disse isso em alto e bom som”, disse ele enquanto estava na pista ao lado do Air Force One. “E eu realmente disse: ‘Não entrem, não entrem, não entrem’.”

No entanto, a CNN e o Buzzfeed noticiaram em 2016 que Trump expressou apoio à invasão durante uma participação em 2002 do The Howard Stern Show.

O próprio Trump disse num debate de campanha presidencial com o jornalista Anderson Cooper, da CNN, que “poderia ter dito isso”, acrescentando que, “quando a guerra começou, eu era contra”.

O Washington Post realizou uma verificação de fatos já em 2016 e até compilou uma cronologia dos comentários de Trump antes da invasão do Iraque, em 2003, mostrando inconsistências em suas declarações.

Iniciativa para reescrever a história nos museus

Trump assinou uma ordem executiva instruindo o vice-presidente a eliminar “ideologia imprópria, divisionista ou antiamericana” dos museus, centros educacionais e do Zoológico Nacional do Instituto Smithsonian, segundo um comunicado da Casa Branca.

Vance é membro do Conselho de Regentes do Instituto Smithsonian, o maior complexo de museus e pesquisas do mundo, que é 62% financiado pelo governo federal e inclui 17 museus em Washington e dois na cidade de Nova York.

Na Truth Social, Trump criticou o Smithsonian por focar em “quão horrível é o nosso país, quão ruim foi a escravidão e como os oprimidos têm ficado para trás”.

Antes do 250º aniversário dos EUA, o governo colocou oito museus sob revisão, incluindo o Museu Nacional de História Americana e o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana. Eles devem apresentar planos para exposições, materiais educacionais e conteúdo digital.

“Enquanto nos preparamos para celebrar o 250.º aniversário do nascimento da nossa nação (04 de julho de 1776), é mais importante do que nunca que os nossos museus reflitam a unidade, o progresso e os valores que definem a história americana”, afirmou a Presidência dos Estados Unidos.

Mais museus serão revisados numa segunda fase, comunicou a Casa Branca numa carta ao Smithsonian.

Na semana passada, a Casa Branca divulgou um artigo intitulado O Presidente Trump está certo sobre o Smithsonian, no qual critica exposições que abordam questões como raça, escravidão, sexualidade e imigração.

Em resposta, mais de 150 organizações culturais e mais de 300 pessoas assinaram uma declaração pública afirmando seu compromisso com a liberdade artística e resistindo à pressão política. Embora a declaração não tenha mencionado o nome de Trump, ela fez referência às crescentes preocupações com a interferência em instituições como o Smithsonian e o Kennedy Center.