Dublin foi premiada quando o magnata norte-americano da mineração Alfred Chester Beatty (1875-1968) resolveu, nos 20 anos finais de sua vida, mudarse para a Irlanda e para lá transferir sua preciosa coleção de arte. Hoje, a capital irlandesa guarda alguns dos mais belos exemplos da criatividade humana, alguns datados de 2700 a.C. São papiros egípcios, manuscritos do Velho e do Novo Testamentos, textos medievais e iluminuras renascentistas – só para começar. Também destacam-se exemplares fantásticos do Corão e um número infindável de miniaturas que ilustram a vida do profeta Maomé e a história e a tradição do Islã no mundo árabe, persa, hindu e turco. As mais importantes peças do acervo estão em exposição permanente, enquanto mostras temáticas são instaladas a cada três meses. Todo o material exibido não é mais do que 1% da coleção amealhada por Beatty!

Diferentemente de uma biblioteca tradicional, a Chester Beatty Library é, na verdade, um museu do livro que exibe 2 mil anos das muitas formas de escrita e o seu uso por diferentes sociedades. Além de ser um museu acessível a qualquer leigo, a Library também funciona como biblioteca de pesquisa, aberta a estudantes em nível de doutorado, que pode ser consultada sem qualquer custo. Também promove regularmente cursos, workshops e palestras sobre vários aspectos da arte.

A fabulosa coleção foi iniciada quando Beatty – um nova-iorquino que começou sua fortuna nas minas de ouro da Califórnia – passou a visitar regularmente o Egito e o Oriente Médio, nas primeiras décadas do século 20. Buscava raridades e nas viagens ao Oriente foi acrescentando verdadeiras preciosidades à sua coleção pessoal. Depois de viver por um período em Londres, o minerador mudou-se em 1950 para Dublin, onde construiu a primeira sede da Library. A instituição logo se tornou patrimônio da cidade. A história de Chester Beatty é contada num vídeo exibido no andar térreo da Library, que revela características da sua personalidade.

Vista parcial da área da Galeria das Tradições Sacras dedicada ao cristianismo; abaixo, o setor da Ásia. Na página oposta, detalhe de um álbum de orações copiado pelo calígrafo turco Shaykh Hamdullah no século 16 e remontado no século 18, com margens de papel marmorizado e iluminuras coloridas.

Tesouros da fé

Em todas as salas, vitrines impecavelmente iluminadas e música ambiente remetem a diferentes manifestações culturais. No segundo andar do edifício fica a galeria dedicada às Tradições Sacras. Impossível não se surpreender quando surgem alguns dos mais antigos fragmentos das cartas de São Paulo apóstolo aos Romanos (250 d.C.), aos Colossenses e a 1ª e 2ª Carta aos Coríntios (200 d.C.), assim como trechos do Evangelho de São Lucas, do Livro das Revelações e do Apocalipse de São João.

Para entender a importância desse tesouro basta lembrar que, das 86 páginas que restaram das 100 mensagens do apóstolo Paulo às primeiras comunidades cristãs, 55 estão na bibliotecamuseu de Dublin. Em exposição permanente, “esses são, sem dúvida, pela sua raridade, alguns dos objetos mais preciosos de todo o patrimônio”, explica Charles Horton, curador das coleções há 10 dos 20 anos dedicados por ele à Library.

DEPOIS DE VIVER POR UM TEMPO EM LONDRES, CHESTER BEATTY MUDOU-SE EM 1950 PARA DUBLIN, NA IRLANDA, ONDE CONSTRUIU A PRIMEIRA SEDE DA LIBRARY

Cristianismo, islamismo e religiões orientais – budismo, hinduísmo, confucionismo, taoísmo e jainismo – ocupam todo o segundo andar. São textos sagrados, manuscritos, miniaturas, pinturas e objetos das grandes religiões e sistemas de crença, impecavelmente organizados e expostos.

A coleção islâmica, que figura entre as primeiras aquisições do milionário, na época em que morou no Cairo, ocupa a área central do segundo andar e exibe manuscritos que datam do século 8 até os primeiros anos do século 19, a maioria vindos do mundo árabe e do Irã, da Turquia e da Índia. São parte de um acervo de mais de 6 mil itens, principalmente manuscritos, pinturas e caligrafias, entre as quais destacamse 260 unidades do Corão – completas ou fragmentadas, algumas datando dos séculos 8 ou 9, produzidas pelos mais afamados calígrafos do mundo islâmico.

Além de exibir tantas preciosidades do acervo religioso, a Library vai mais longe. Mostra, de maneira imparcial, ritos de passagem de diversas culturas – nascimento, casamento e morte -, de acordo com as diferentes crenças, e esclarece sobre aspectos importantes das várias religiões. Mostra, por exemplo, a peregrinação a Meca dos muçulmanos e o peso da fé como lei em diferentes culturas. Com recursos audiovisuais, explica fatos importantes de cada uma das várias crenças, ilustradas também por meio de objetos, de exemplares da Torá e da Bíblia, em edições as mais variadas, a exemplares raros do Corão e imagens de Buda, além de situar, em mapas, as diferentes manifestações religiosas do Sul e do Sudeste da Ásia.

 

Duas atrações de 2011

Mil anos de poesia persa – Shahnama, ou Livro dos Reis, um épico que relata as glórias de heróis e reis do Irã pré-islâmico, compilado da tradição oral pelo poeta Firdawsi, no século 11, é o tema da exposição temporária que a Chester Beatty Library está exibindo no seu primeiro andar, dedicado às mostras temporárias. São 25 cópias do Shahnama produzidas no Irã e na Índia entre os séculos 14 e 19, todas pertencentes ao patrimônio da Library. Também integra esse evento a celebração dos mil anos de compilação do poema por Firdawsi, no século 11. Os contos de Shahnama ganharam notoriedade dentro e fora do Irã e falam tanto de lendas de dragões como de Alexandre, o Grande, ou Iskandar, para os iranianos. A exposição vai até 20 de março de 2011.

Arts of the Book – Entre os papiros reunidos por Beatty estão não apenas as mais antigas escritas dos primeiros cristãos como também preciosidades como textos egípcios da 20ª Dinastia, incluindo Poemas e Canções de Amor, narrativa na qual um amante exalta as virtudes e as delícias físicas do outro. Datada de 1160 a.C. e quase completa, é uma das preciosidades da Library, testemunha milenar das paixões e sentimentos humanos. Essa e outras raridades, como O Livro Egípcio dos Mortos, papiros escritos no reinado do faraó Ramsés V, manuscritos medievais e antigos livros europeus, estarão novamente expostas ao público a partir da primavera de 2011 (no Hemisfério Norte, ou seja, de março a maio), reunidos como Arts of the Book. A exposição também explora a riqueza dos manuscritos islâmicos, ilustrações e caligrafias do Oriente Médio e da Índia, além de reunir a maior coleção de livros de jade da Corte Imperial, fora da China, e rolos japoneses dos séculos 17 e 18, narrando fábulas e lendas. Tudo complementado por recursos audiovisuais para melhor entendimento.

INAUGURADA NO INÍCIO DE FEVEREIRO DE 2000, A VERSÃO ATUAL DA BIBLIOTECA-MUSEU ESTÁ INSTALADA NO CASTELO DE DUBLIN. EM 2002, ELA JÁ FOI ESCOLHIDA COMO MUSEU EUROPEU DO ANO

Acima, o milionário Beatty. Abaixo, páginas de um exemplar turco do Corão confeccionado em 1806.

Dica de viajante

Dedique várias horas a visitar a Chester Beatty Library. Ande com calma, olhe atentamente cada vitrine, procure assistir aos vídeos e entender as características de cada fé, as razões que levaram esse ou aquele povo por diferentes caminhos. O museu é bonito, bem montado e ainda tem um agradável café, no qual é possível fazer uma refeição leve e, na esperada lojinha, adquirir livros e objetos relacionados às coleções. E, quando voltar a Dublin, visite-o novamente. Sempre valerá a pena.

 

SERVIÇO

A Chester Beatty Library fica nos jardins do Castelo de Dublin, unindo um antigo edifício do século 18 a galerias modernas, construídas especialmente para isso. Horários: de segunda a sexta, das 10 h às 17 h (de maio a outubro); de terça a sexta, das 10 h às 17 h (de outubro a abril); sábados, das 11 h às 17 h; domingos, das 13 h às 17 h (todos os meses). Fecha de 24 a 27 de dezembro e dia 1º de janeiro. Entrada: grátis.

Site: www.cbl.ie

Obras raríssimas

A Chester Beatty Library foi criada em Dublin, em 1950, para abrigar as coleções de Alfred Chester Beatty. A biblioteca atual, instalada no Castelo de Dublin, foi inaugurada em 7 de fevereiro de 2000, no 125º aniversário de nascimento do magnata. Ela foi escolhida como o Museu Europeu do Ano em 2002.

As coleções da biblioteca são organizadas a partir de dois temas principais: “Tradições Sagradas” e “Tradições Artísticas”. Ambas contêm manuscritos, pinturas, miniaturas, iluminuras, estampas e gravuras, desenhos, livros raros e algumas peças de arte decorativa islâmica provenientes do leste da Ásia e de uma das principais fontes mundiais para pesquisas acadêmicas sobre o Velho e o Novo Testamentos. O museu oferece numerosas exposições temporárias. Ele contém vários objetos raríssimos, inclusive um dos volumes que chegaram até os nossos dias da primeira edição ilustrada da Vida do Profeta e do Evangelho de Mani, a qual, acredita-se, é a última obra que restou do maniqueísmo.