01/03/2021 - 10:18
Apesar de anos de especulação, pouco se sabia a respeito da função do chifre dos narvais, uma espécie de baleia (Monodon monoceros) que vive nos mares frios do Ártico. Mas uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP, da Universidade do Estado do Arizona e no Greenland Institute of Natural Resources trouxe algumas evidências sobre a utilidade desses chifres. Segundo o estudo, a estrutura pode ter sido selecionada sexualmente, servindo para os machos atraírem fêmeas ou durante a disputa por parceiros.
As estruturas selecionadas sexualmente nada mais são do que aquelas que terão uma função muito grande durante a reprodução, mas que não foram, obrigatoriamente, selecionadas através da seleção natural. “São características que não necessariamente têm vínculo com a sobrevivência do indivíduo, mas apresentam ligação forte com aumentar o sucesso reprodutivo de um animal”, detalha o biólogo e pós-doutor em Ecologia pela USP Alexandre Palaoro, que participou do estudo.
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Várias hipóteses
Muitos pesquisadores discutem a função do chifre do narval, como é conhecido – isso porque o chifre, na verdade, é um dente que cresce de maneira exagerada pelo lado superior do animal. Apesar dos debates, nunca houve uma explicação concreta sobre a utilidade da estrutura. “Existem várias hipóteses como, por exemplo, o dente ser usado para sentir o pH e a temperatura da água, em confrontos ou para sinalização entre indivíduos da mesma espécie”, conta Palaoro ao “Jornal da USP”.
Foram essas incertezas e lacunas que impulsionaram os cientistas a investigar mais a fundo a função do dente dos narvais. Como eles são animais difíceis de ser observados na natureza por passarem muito tempo em mergulhos profundos, os pesquisadores utilizaram uma base de dados para obter informações: tamanho do narval, do dente, da cauda e o sexo foram essenciais. O banco, gerado por meio da coleta de dados ao longo de mais de 30 anos, foi fornecido pelos pesquisadores da Groenlândia, que também participaram do estudo.
Tamanho do corpo x tamanho do dente
A comparação de dados sobre os narvais machos mostrou que o dente é uma estrutura que cresce desproporcionalmente em relação ao corpo, ou seja, à medida que os animais aumentam de tamanho, o dente aumenta mais. Além disso, a variação do dente foi mais alta em comparação com outras estruturas, como o caso da cauda que, conhecidamente, é usada para sobrevivência. Segundo Palaoro, esses são indicativos de que a estrutura foi selecionada sexualmente, porque há um investimento maior de energia para que o dente cresça, mas não é uma prova suficiente.
Então, os pesquisadores analisaram a variação do tamanho do dente entre machos do mesmo tamanho. Essa variação é algo previsto na teoria para estruturas selecionadas sexualmente, pois assim os machos demonstram que são maiores. “Para um determinado tamanho de corpo nós vimos que essa estrutura variava muito. Em vez de todos os indivíduos crescerem uma mesma unidade do dente, alguns cresciam muito mais e outros menos”, explica Palaoro.
Estrutura não tão rígida
Outro sinal forte que pode significar que os narvais usam o dente durante a reprodução são suas propriedades materiais. A estrutura, além de ser muito grande, não é tão rígida. “Se for aplicada uma força reta no dente, ele quebra muito facilmente. E se o narval bater com ele reto em outro narval, quebrará muito facilmente. Isso, por exemplo, são evidências de que os navais não usam os dentes para brigar”, detalha o pesquisador.
Com base no levantamento dessas evidências, os cientistas demonstraram que o chifre do “unicórnio dos mares” pode estar sendo usado para a reprodução. Provavelmente, durante competições entre machos ou durante a seleção das fêmeas. O tamanho da estrutura pode sinalizar para os competidores “sou maior do que você” ou as fêmeas podem preferir narvais com os chifres maiores.
O estudo The longer the better: evidence that narwhal tusks are sexually selected foi publicado na revista científica “Biology Letters” em março de 2020.
Mais informações: e-mail alexandre.palaoro@gmail.com, com Alexandre Palaoro