China é a maior financiadora de projetos de energia limpa no Sudeste Asiático, mas suas empresas são acusadas de poluição e degradação ambiental.De usinas de processamento de níquel na Indonésia a minas de terras raras em Mianmar, empresas chinesas estão expandindo suas operações em setores que, segundo ambientalistas, podem gerar graves efeitos de longo prazo em rios, na qualidade do ar e para comunidades locais.

Em parte, essa expansão é impulsionada por regras ambientais mais rígidas e pelo excesso de capacidade industrial na China, mas ela é também o resultado da atratividade exercida por uma mão de obra mais barata, uma fiscalização ambiental mais relaxada e regiões ricas em recursos naturais nos países vizinhos.

Embora a China tenha se tornado a maior financiadora de energia limpa do Sudeste Asiático, analistas afirmam que esses investimentos verdes são ofuscados pelo envolvimento do país em algumas das indústrias mais poluidoras da região.

O resultado é um quadro difuso e complexo: por um lado, o capital chinês está ajudando a construir parques solares e hidrelétricas, por outro está favorecendo disputas ambientais, riscos à saúde e crescentes tensões políticas.

Essa expansão chinesa coloca também em evidência se os governos do Sudeste Asiático estão tão comprometidos com a proteção do meio ambiente quanto afirmam. “A realidade é que a maioria dos governos se preocupa mais com o desenvolvimento econômico do que com a sustentabilidade ambiental, exatamente como o governo chinês fez”, comenta o analista Zachary Abuza, da Escola Nacional de Guerra, em Washington, nos EUA.

Processamento de níquel na Indonésia

No fim de 2024, protestos e greves começaram em diversas usinas de processamento de níquel administradas por chineses na Indonésia.

Em julho passado, autoridades em Jacarta anunciaram que sancionariam empresas por violações ambientais no polo de níquel do Parque Industrial Morowali, na ilha de Celebes, administrado pela metalúrgica chinesa Tsingshan Holding Group.

Em fevereiro, a organização sem fins lucrativos C4ADS, que se dedica à análise de conflitos e segurança mundial e é financiada pelo governo dos EUA, revelou que mais de três quartos da capacidade de refino de níquel da Indonésia são controlados por empresas chinesas, muitas delas com vínculos com o governo em Pequim. Duas delas, incluindo a Tsingshan, respondem por mais de 70% dessa capacidade.

“A falta de controle interno deixa a Indonésia dependente de investimentos chineses, o que pode limitar a capacidade do governo de responsabilizar a indústria”, afirmou a C4ADS.

A professora de ciência política e relações internacionais Fengshi Wu, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, observa que vários estados do Sudeste Asiático, especialmente a Indonésia, adotaram o “nacionalismo de recursos”, introduzindo proibições de exportação para garantir que os minerais sejam processados internamente.

Isso lhes permite obter lucros agregando valor à extração dos recursos, em vez de simplesmente exportar as matérias-primas para que empresas estrangeiras fiquem com a maior parte da receita. “A Indonésia quer ver mais minerais sendo processados dentro do país. Mas com isso vem a poluição, a menos que medidas mais eficazes contra a poluição ambiental sejam adotadas”, diz Wu.

Poluição no Rio Mekong

Aumentaram também as críticas de que empresas chinesas estão poluindo grandes extensões do Rio Mekong com a expansão da extração de terras raras em Mianmar, um país devastado por uma guerra civil. Comunidades no Laos e na Tailândia têm reclamado nos últimos meses da elevada presença de arsênio e de outros metais tóxicos.

O Rio Mekong tem 4.500 quilômetros de extensão e nasce no Planalto Tibetano, na China. Ele atravessa a China, Mianmar, o Laos, o Camboja, a Tailândia e o Vietnã e deságua no Mar da China Meridional.

Em junho, a agência de poluição da Tailândia testou a água nas províncias de Chiang Mai e de Chiang Rai, uma região de forte atividade mineradora no norte do país, na fronteira com o estado de Shan, em Mianmar, e detectou níveis de arsênio quase cinco vezes superiores aos padrões internacionais para água potável.

O Instituto de Estratégia e Política de Mianmar constatou que o número de minas de terras raras num dos estados do país quase triplicou, chegando a cerca de 370, desde o golpe militar de 2021.

Autoridades e parlamentares tailandeses estão pressionando a China para conter o impacto ambiental dessas operações, o que fez a embaixada da China em Bangkok afirmar que todas as empresas chinesas “cumprem as leis do país anfitrião e realizam seus negócios sempre de forma legal e organizada”.

O ativista Pianporn Deetes, da ONG ambientalista e de direitos humanos International Rivers, alertou que o risco “deve se tornar ainda mais concentrado e persistente” com a planejada barragem hidrelétrica de Pak Beng, financiada pela China no Laos, que “pode reter e acumular sedimentos poluídos em seu reservatório”.

Dinheiro e conhecimento técnico da China

Se há cada vez mais críticas, também é verdade que a China é a maior investidora em energia renovável do Sudeste Asiático. A organização internacional de pesquisa Zero Carbon Analytics relatou em junho que a China investiu mais de 2,7 bilhões de dólares em projetos de energia limpa na região na última década, em grande parte por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, mais conhecida como Nova Rota da Seda.

No entanto, as empresas chinesas estão simultaneamente se expandindo para setores com alta poluição. Num artigo na revista semanal Nikkei Asia, os analistas Soon Cheong Poon e Guanie Lim, do National Graduate Institute for Policy Studies (Grips), do Japão, observaram que indústrias com alta poluição estão deixando a China e se estabelecendo em países menores do Sudeste Asiático. Isso inclui as indústrias de ferro e aço e de reciclagem de papel.

“Enfrentando regulamentações ambientais mais rígidas e excesso de capacidade interna, as siderúrgicas chinesas se voltaram para o Sudeste Asiático a partir de 2017”, dizem os analistas. Lim disse à DW que evitar as tarifas dos Estados Unidos é outro motivo para a realocação. “Essas usinas, devido a sua escala, tendem a criar empregos e conexões com um ecossistema industrial mais amplo. No entanto, muitos desses empregos são mal remunerados e criam riscos à saúde.”

A China tem algumas das empresas mais experientes e capazes do mundo em alguns dos setores mais poluentes e de mais alto impacto ambiental. Esses setores, com suas altas necessidades de investimento, são cada vez mais rejeitados por bancos de países ocidentais, mas ao mesmo tempo são importantes para o rápido crescimento econômico dos países do Sudeste Asiático. E aí que a China, com seus bancos estatais, entra em cena.

“A pergunta que não é feita com frequência suficiente é se e como empresas não chinesas que operam nos mesmos setores e dentro dos mesmos contextos nacionais agem de forma diferente”, diz a professora Juliet Lu, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.

Terras raras, por exemplo, são matérias-primas essenciais para a indústria, difíceis de adquirir no mercado internacional. É por isso que o dinheiro e o conhecimento técnico da China têm alta demanda. “Países como Indonésia, Malásia e Mianmar, que querem estradas construídas, infraestrutura energética estabelecida ou minas abertas, têm vários motivos para recorrer à China”, diz Lu.