01/11/2025 - 16:52
China pretende liderar setor de inteligência artificial até 2030, e seus modelos já se equiparam aos dos EUA. Especialistas dizem que essa corrida não é só tecnológica.A inteligência artificial (IA) é a nova moeda de troca do poder global, e a China a está acumulando em larga escala. Em 2017, Pequim declarou a ambição de se tornar a principal potência mundial em IA até 2030 e iniciou investimentos bilionários em inovação tecnológica. Só em 2025, se somados os setores público e o privado, a China deverá investir quase 100 bilhões de dólares em IA.
Os primeiros resultados já apareceram. A China surpreendeu a comunidade tecnológica global com a DeepSeek, uma startup cujo modelo de linguagem de grande escala (LLM) rivaliza com as principais empresas ocidentais, como ChatGPT e Grok. A DeepSeek tem um desempenho comparável por um custo bem menor.
A Alibaba, por sua vez, lançou um modelo de IA poderoso e anunciou planos para construir mais data centers ao redor do mundo, numa demonstração de que as maiores empresas de tecnologia da China levam a sério a disputa com os EUA pelo domínio na IA.
Já a Tencent intensificou ainda mais essa disputa com o lançamento do Hunyuan-A13B, um modelo de IA de código aberto projetado para ser melhor e mais rápido do que a concorrência, incluindo a da própria China.
Tudo isso mostra como os principais atores do ecossistema de IA da China – startups, gigantes da tecnologia e o Estado – estão se mobilizando para diminuir a distância em relação ao Ocidente.
O CEO da fabricante de chips Nvidia, Jenson Huang, alertou contra a complacência, afirmando que os EUA “não estão muito à frente” da China na corrida da IA. Huang também observou, em entrevista à emissora CNBC, que a sociedade chinesa é “muito rápida na adoção de novas tecnologias”.
Como a China está diminuindo a distância
A enorme população da China, com mais de 1 bilhão de pessoas online, serve como uma espécie de base para testes integrados, o que faz com que novos produtos de IA se disseminem rapidamente entre consumidores, serviços e indústrias.
Como os modelos chineses também são projetados para rodar em hardware menos sofisticado, eles são muito mais baratos para serem implementados.
“A China está se movendo na mesma velocidade que os EUA”, avalia o professor de ciência da computação Pedro Domingos, da Universidade de Washington. “Eles se recuperaram ao longo dos anos e agora estão na fronteira, tentando passar à frente.”
Domingos acrescenta que havia um “equívoco” de que os EUA estavam muito à frente em modelos de linguagem de grande escala (LLM), os modelos de IA que entendem e podem gerar linguagem semelhante à humana. Ele diz que esforços da China, como o grupo de aprendizado profundo da Baidu em 2010, estavam à frente de muitas empresas americanas.
Ao tornar modelos de IA poderosos como DeepSeek, Qwen-3 e Kimi K2 de código aberto, as empresas chinesas estão dando aos desenvolvedores acesso gratuito a ferramentas de ponta. As rivais ocidentais costumam manter seus códigos-fontes fechados.
“As empresas americanas costumavam tornar seus modelos de IA abertos, o que impulsionava o progresso”, observa Domingos. “Agora, elas estão sendo sigilosas por questões de concorrência, o que é lamentável para a inovação.”
Analistas chineses chamaram a atenção para a intensa competição entre as empresas de IA do país. Em julho, elas haviam lançado mais de 1.500 modelos de LLM, informou a mídia estatal chinesa. Isso representa 40% dos 3.755 modelos lançados globalmente até meados do ano.
A questão agora é quantas dessas startups algum dia darão lucro e se esse elevado número pode acabar prejudicando as ambições da China no setor de IA? O regime em Pequim se deu conta do problema e instou o setor de tecnologia a evitar a concorrência “desordenada”.
A China detém 14 dos 20 principais modelos de IA do mundo se classificados por áreas como raciocínio, conhecimento geral, matemática e habilidades de codificação, de acordo com a classificação da OpenCompass, uma plataforma de avaliação de modelos de IA. As empresas dos EUA ocupam as primeiras posições, mas o que chama a atenção nas chinesas é que nove delas são de código aberto, o que não é o caso de nenhuma das americanas.
Sanções fazem pesquisa avançar
Apesar do rápido progresso em IA, a China ainda está atrás em chips avançados, necessários para treinar rapidamente os modelos LLM. As limitações de exportação impostas pelos EUA bloquearam o acesso da China a semicondutores de ponta e dificultaram a fabricação de chips, forçando as empresas chinesas a depender de hardware mais antigo e menos eficiente.
Em resposta, a China proibiu importações de fornecedores importantes dos EUA, como a Micron, e redobrou os esforços para construir sua própria indústria de chips.
Num sinal de quão grandes são esses investimentos, a Cambricon Technologies, rival chinesa da Nvidia, relatou na semana passada um aumento de 14 vezes na receita trimestral e de 44 vezes no primeiro semestre do ano. A empresa se beneficiou das sanções tecnológicas dos EUA, que obrigaram as startups de IA chinesas a buscar alternativas locais.
A pressão para inovar em meio a essas restrições está levando a China a encontrar soluções mais inteligentes e eficientes e fazendo com que metas de longo prazo, como maior independência, sejam alcançadas mais cedo – esse é um resultado bem distante daquilo que Washington pretendia.
“As restrições dos EUA à exportação de chips para a China são contraproducentes. Elas incentivam empresas como a DeepSeek a otimizar hardware mais antigo e fazem a pesquisa avançar”, comenta Domingos, referindo-se à maneira como a empresa chinesa construiu modelos de IA poderosos usando chips menos avançados.
China ganha terreno em impacto da IA
Os EUA ainda lideram a pesquisa em IA, descobrindo como construir sistemas que entendam melhor a linguagem humana, seguir instruções de forma mais confiável e evitar comportamentos prejudiciais. Empresas de tecnologia americanas também estão pesquisando IA avançada para imagens, vídeos e até mesmo para tomar decisões por conta própria.
Porém, a China ganha terreno no impacto e no alcance internacional dessa tecnologia ao exportar infraestrutura de IA e modelos de código aberto para países em desenvolvimento, ávidos por infraestrutura digital. Empresas como Alibaba e Huawei estão construindo data centers e plataformas de nuvem na Ásia, na África e na Europa, oferecendo alternativas mais baratas do que as das concorrentes americanas.
Pequim também está impulsionando internacionalmente suas estruturas de governança de IA, com o objetivo de moldar os padrões globais aos seus interesses. Ao promover modelos treinados com dados e valores sociais chineses, o governo quer influenciar a forma como os sistemas de IA interpretam a história e a cultura – ou seja, pela visão de um regime autoritário onde a liberdade de expressão é rigidamente controlada.
“Quem controla os modelos de linguagem de grande escala controla o passado e o futuro. Os modelos de linguagem de grande escala moldam a realidade, e a China quer modelos que reflitam a sua visão.”
O diretor do Instituto de Direito e Inovação em IA da Universidade da Califórnia em São Francisco, Robin Feldman, vai além e descreve a corrida da IA como uma nova forma de Guerra Fria. “Essa guerra será vencida pelo país que conseguir desenvolver e manter a liderança em inteligência artificial.”
