A energia que movimenta o moderno Centro Internacional de Convenções de Dezhou, no leste da China, tem origem totalmente solar. A construção, de 43.000 m2, é equipada com painéis solares e tubos de cerca de 6.000 m2 no teto, que podem reduzir a emissão de dióxido de carbono em 860 toneladas por ano.

O maior poluidor do mundo, a China, está se transformando num surpreendente líder em energias limpas, deixando para trás potências do setor como Estados Unidos, Japão e Austrália. A confirmação mais recente dessa tendência está no relatório “The Vivid Economics”, encomendado pelo Instituto do Clima da Austrália e divulgado no fim de outubro.

De acordo com o estudo, a China só perde para a Grã-Bretanha em termos de incentivos para reduzir a poluição causada pela geração de eletricidade. O país europeu desembolsa US$ 29,30 por tonelada de carbono, ante US$ 14,20 do gigante asiático. Os ocupantes das posições seguintes estão bem longe desse patamar: US$ 5,10 nos EUA, US$ 3,10 no Japão, US$ 1,70 na Austrália e US$ 0,70 na Coreia do Sul. Juntos, esses seis países são responsáveis por quase 50% das emissões globais.

Turbinas eólicas em ação na cidade de Nantong, no leste da China. A energia proveniente do vento conta com generosos subsídios governamentais, uma das iniciativas destinadas a aumentar a participação das energias renováveis para 20% da matriz energética do país até 2020.

“Os líderes chineses tomaram uma decisão estratégica: eles ficaram de fora das duas últimas revoluções industriais e não querem perder a terceira”, afirmou Erwin Jackson, diretor do Instituto do Clima, à agência de notícias AFP sobre essa paradoxal condição do gigante asiático. Como resultado da iniciativa, observou Jackson, a China detém a maior fatia de mercado dos investimentos em energia limpa em nível mundial. Em 2009, os recursos aplicados pelos chineses nessa área ultrapassaram US$ 35 bilhões, quase o dobro da quantia investida pelos EUA (US$ 18 bilhões) e mais do triplo do gasto britânico (US$ 11 bilhões). Não vai parar por aí: Jackson alertou que o investimento chinês no setor deve ser multiplicado por dez durante a próxima década. Tudo isso está acontecendo apesar da resistência do governo de Pequim em firmar um acordo vinculativo a respeito das emissões de gases do efeito estufa na conferência de Copenhague, há um ano – uma atitude encarada na época como um indício de que a prioridade chinesa era fazer sua economia crescer, ao custo que fosse necessário.

A guinada verde da China está lastreada sobretudo em fatores geopolíticos e ambientais. O país se tornou um voraz consumidor de petróleo, num volume muitíssimo superior ao de sua produção. O resultado é a dependência de outros países, algo sempre delicado no contexto de uma superpotência nascente. No caso do carvão, não há dependência – o país repousa sobre as maiores jazidas do mundo –, mas os chineses já perceberam que utilizá-lo da forma atual constitui um mau negócio. As antigas e precárias termelétricas a carvão respondem pela maior parte da pesada poluição atmosférica que atinge o país, detentor, segundo o Banco Mundial, de 20 das 30 cidades mais poluídas do planeta. (Entre elas se inclui Pequim, sede dos Jogos Olímpicos de 2008, e a intenção de promover uma “olimpíada verde” tem forte relação com os esforços ambientais chineses.)

“Ficou claro para nós que precisávamos mudar”, afirmou Wan Bentai, engenheiro chefe do Ministério de Proteção Ambiental da China, numa palestra em um evento internacional ocorrido em Xangai em junho, promovido pela empresa de comunicações Bloomberg. “Precisamos transformar nosso crescimento econômico de quantitativo para qualitativo.”

 

A China detém as maiores reservas de carvão do mundo. Esse combustível fóssil, extraído de minas como a de Huaibei, na foto, impulsionou boa parte do excepcional desenvolvimento vivido pelo país nos últimos tempos, mas começou a ser reavaliado em virtude dos problemas ambientais que causa.

As autoridades chinesas assumiram o compromisso de fechar mais de cem das antigas usinas a carvão e abrir até 2011, em troca, termelétricas movidas com o mesmo combustível, mas dotadas de tecnologia mais moderna e menos poluidora. Apenas essa mudança já traria uma redução de 15% nas emissões de poluentes. Outra medida de impacto envolve os subsídios destinados a projetos de energia renovável: os chineses têm aplicado bilhões de iuanes nesse setor, com a expectativa de fazê-lo responder por 15% da matriz energética do país ao redor de 2020. A meta se integra ao plano do governo de cortar, em mais uma década, as emissões de dióxido de carbono por unidade de produto interno bruto (PIB) em aproximadamente 45% dos níveis de 2005.

Com a instituição das tarifas subsidiadas para a energia eólica, por exemplo, as companhias do setor adicionaram 14,1 gigawatts à capacidade instalada do país, mais que duplicando-a (no fim daquele ano, a participação da energia eólica atingiu 25,1 GW). Direcionados para a energia solar, os investimentos governamentais permitiram que painéis fabricados por empresas chinesas inicialmente para ser enviados a países como EUA e Espanha passassem também a ser instalados na China.

O clima favorável às energias renováveis no país foi devidamente registrado no mercado econômico internacional. Em um estudo preparado pela consultoria Ernst & Young em setembro, a China surgiu como o lugar mais atraente para investir em energia renovável, destronando os EUA. Até fundos de investimento norteamericanos têm aplicado nessa área. Com caixa abarrotado, o governo chinês fica ainda mais à vontade para tocar seu programa de energias verdes. Um reflexo disso é que 39% das turbinas eólicas produzidas este ano vêm de fábricas chinesas, ante 12% dos EUA. A diferença fica ainda maior no caso dos painéis solares: 43% deles têm origem na China, ante 9% nos EUA.

Como resultado do investimento intensivo chinês no desenvolvimento das energias renováveis, especialistas do setor já anteveem um futuro em que os preços da energia obtida do vento e do sol serão semelhantes aos daquela originária do carvão. No evento de Xangai, Johnny Kwan, vice-presidente da Basf, avaliou que a China está a caminho de ser “a mais bem-sucedida economia de baixo carbono”. Também presente ao encontro, Anil Srivastava, presidente-executivo de energias renováveis da francesa Areva, declarou na ocasião que os projetos solares chineses estão chegando perto da “paridade com a rede” – o ponto em que essa energia renovável seria produzida a um custo igual ou inferior ao da energia convencional. “O maior benefício da China é que nos deixará mais perto do Cálice Sagrado”, afirmou. Uma compensação significativa para o mundo, vinda do atual líder da poluição no planeta.

Voracidade energética

Com uma economia em rapidíssima expansão e mais de um sexto dos habitantes da Terra, a China tem uma colossal necessidade de energia. As renováveis estão em alta no país, mas os combustíveis tradicionais vão ter lugar garantido por muito tempo. A sede de petróleo, por exemplo, levou o governo de Pequim a fechar nos últimos anos acordos com nada menos do que dez países: Casaquistão, Chade, Irã, Mianmar, Nigéria, Omã, Peru, Rússia, Sudão e Venezuela. A Agência Internacional de Energia calcula que as importações chinesas de petróleo vão quadruplicar por volta de 2030, considerando-se o nível de 2006, a fim de sustentar o crescimento econômico do país. Vale lembrar também que o país asiático detém as maiores reservas de carvão do mundo e pretende explorá-las. Mas os chineses reconhecem que é preciso desenvolver métodos para tornar o consumo desses combustíveis fósseis menos poluente e vêm trabalhando a fundo nisso.

 

Operários colocam uma cortina feita de cordas de luzes de neon nas instalações de turbinas eólicas e painéis solares antes do 4º Congresso Mundial da Iniciativa Cidades Solares, realizado em agosto de 2010 em Dezhou. Esse município chinês abriga o Solar Valley, que seus criadores definem como “a maior base de produção de energia solar do mundo”.

O Vale Solar

O investimento chinês em energia renovável vai muito além do convencional. No caso da energia solar, por exemplo, foi criado um assentamento no norte do país especificamente dedicado a isso: o Solar Valley, nos arredores de Dezhou, definido por seus criadores como “a maior base de produção de energia solar em todo o mundo”. O projeto, de US$ 740 milhões, é comandado por Huang Ming, um engenheiro da área petrolífera que se tornou magnata da energia solar. A versão chinesa e de baixo carbono do Vale do Silício, da Califórnia, exigiu a transferência de dezenas de milhares de agricultores para prédios de apartamentos (todos equipados com aquecedores de água solares), enquanto suas terras eram postas à disposição das indústrias do setor. Por enquanto, o plano vai de vento em popa: estão se instalando na região cerca de 100 empresas e fábricas, afora um centro de pesquisa, que representam emprego para cerca de 800 mil pessoas. O empreendimento é dotado de vias largas e iluminadas, naturalmente, com lâmpadas abastecidas por energia solar. Em 2009, aliás, as autoridades de Dezhou já haviam investido mais de US$ 10 milhões para iluminar as estradas da região com a energia do sol. Impulsionada por toda essa movimentação, a cidade, com 600 mil habitantes, já reúne em seu entorno mais de 5 milhões de moradores.

Estrela maior do Solar Valley, a empresa de Huang, Himin Solar Energy Group, é a maior produtora mundial de aquecedores de água movidos a luz solar. Mas seus negócios não se restringem a isso: além de investir em nichos inesperados para o aproveitamento da energia do sol, como assentos sanitários aquecidos e rodas de oração tibetanas, a Himin abriu este ano um hotel cinco-estrelas com baixa emissão de carbono e está construindo um complexo de apartamentos de luxo fundamentado sobre princípios ecológicos. Ambos, naturalmente, são equipados com piscinas aquecidas por energia solar.

Texto: eduardo@planetanaweb.com.br