Centro da indústria têxtil italiana, Prato é movida a décadas por mão de obra imigrante vinda da China. No entanto, modelo enfrenta críticas por substituição de italianos na produção e condições de trabalho.Ruas de paralelepípedos, fontes e igrejas em estilo românico – caminhar pelo centro histórico de Prato é como entrar em uma versão romantizada da velha Europa. Mas, logo além das muralhas da cidade, em bairros como Via Pistoiese e Via Fabio Filzi, a paisagem muda.

Lanternas vermelhas pendem sobre supermercados abastecidos com produtos chineses, placas anunciam comidas e lanches, e paira no ar um murmúrio em mandarim e dialetos regionais.

“A sensação é de desorientação, como entrar em uma cidade chinesa de terceiro ou quarto escalão dos anos 1990 ou 2000”, lembra Zheng Ningyuan, um documentarista chinês que visitou Prato pela primeira vez há uma década.

Prato abriga marcas de luxo como Prada e empresas de fast fashion. Desde o final da década de 1980, muitos imigrantes chineses sustentam o selo “Made in Italy”. Em 2021, mais de 27.000 chineses viviam em Prato, o que corresponde a cerca de 15% da população da cidade – uma das maiores concentrações de imigrantes chineses da Europa.

Ao oferecer mão de obra barata e rapidez, eles transformaram o modelo tradicional de produção de vestuário artesanal de Prato. O novo e bem-sucedido “modelo chinês”, por sua vez, continuou a atrair mais imigrantes chineses.

“Naquela época, a Europa parecia o paraíso”, lembra Li Qiu [que preferiu não ser identificada com seu nome verdadeiro na reportagem], de Zhejiang, China. Ela chegou à Itália em 2007. Seus parentes já trabalhavam desde o final do século passado na indústria têxtil na cidade. Ela disse que, naquela época, todos ao seu redor estavam “ganhando muito dinheiro em euros e trazendo de volta”.

Ela também veio para Prato para trabalhar como operária têxtil e perseguir seu “sonho italiano”. Depois de sete ou oito anos, economizou dinheiro suficiente para abrir um restaurante chinês na cidade, que administra até hoje. “Mas agora as coisas são diferentes. As regulamentações são mais rígidas e os negócios estão muito mais difíceis”, conta.

A questão do “Made in Italy”

Os imigrantes chineses deram a Prato uma nova cara, mas também alimentaram algumas controvérsias. Críticos dizem que eles substituíram italianos nas fábricas e transformaram Prato em uma Chinatown. Outros questionam se as peças produzidas com tecidos e mão de obra chineses realmente merecem o selo “Made in Italy”.

Segundo as regulamentações da União Europeia (UE) e da Itália, para se qualificarem como Made in Italy, os produtos devem seguir o “princípio da última transformação substancial”, ou seja, o processamento principal final deve ocorrer na Itália, criando um novo produto com características distintas antes de poder ser rotulado como Made in Italy.

Mas a interpretação jurídica deixa dúvidas e a fiscalização é difícil. Embora algumas peças em Prato utilizem matérias-primas importadas ou produtos semiacabados da China, o processamento final, como corte e costura, ocorre na Itália. Dessa maneira, elas ainda podem ser rotuladas como “Made in Italy”.

Para Zheng, a questão vai além da legalidade: “Definir qualidade com base na produção chinesa corre o risco de criar uma narrativa racista. Muitos buscam uma produção de alta qualidade. Mas quem arca com o custo dos produtos baratos de Prato são os imigrantes.”

Más condições de trabalho e “guerra dos cabides”

A reputação da indústria têxtil é manchada por abusos trabalhistas. Em 2013, um incêndio em uma fábrica chinesa matou sete trabalhadores. Embora o governo italiano tenha posteriormente reforçado o controle sobre as fábricas chinesas, os problemas permaneceram graves na última década.

De acordo com a organização Politico, os vistos de residência na Itália são frequentemente vinculados a contratos de trabalho. Muitos imigrantes, para permanecer na Itália, são forçados a aceitar trabalho de meio período ou informal, o que os deixa vulneráveis à exploração. As condições para trabalhadores sem documentos podem ser ainda piores.

Recentemente, o sindicato local Sudd Cobas, que já convocou greves, alegou que alguns trabalhadores têxteis em Prato trabalham até 84 horas por semana, mas podem ganhar apenas 800 euros (R$ 5 mil) por mês. Muitos buscam proteção sindical, mas permanecem vulneráveis. Trabalhadores paquistaneses e de outros países enfrentam condições semelhantes.

O crime organizado também se instalou, com ataques e incêndios criminosos em fábricas chinesas nos últimos meses. A polícia relata que gangues disputam o mercado de cabides e transporte de roupas, avaliado em 100 milhões de euros. Em abril, um suposto membro de uma gangue que possuía vastos negócios em Prato, foi morto a tiros em Roma em um caso ligado à chamada “guerra dos cabides”.

Entre dois mundos

Além da questão econômica, Prato também enfrenta desafios no que diz respeito a integração dos imigrantes. Li Qiu conta que quando chegou na cidade não falava italiano. Hoje quase 20 anos depois, os negócios em Prato tornaram-se cada vez mais difíceis, mas ela não tem planos de retornar à China, não apenas porque lá “a concorrência é muito acirrada”, mas também porque seus filhos já se enraizaram na Itália.

Desde 2019, Zheng, o documentarista, realiza pesquisas de campo em Prato. Ele observou que muitas famílias chinesas enfrentam uma situação desafiadora: se seus filhos crescerem em um ambiente de língua italiana, eles podem não conseguir se comunicar com os pais porque não falam chinês. Se crescerem na China e depois se mudarem para Prato, podem falar chinês bem, mas ter dificuldades para se integrar se não souberem falar italiano.

“A integração deve ser bilateral”, diz Zheng. “A Itália não era um país de imigrantes antes da década de 1990. Ainda carece de políticas e espaço cultural para incluir os imigrantes.”

A onda de imigração mudou profundamente a cidade, enquanto os próprios migrantes – e a China – também estão evoluindo. “Cada vez que volto para a China, me sinto mais distante. Depois de alguns anos sem voltar, não me sinto mais em casa”, diz Zheng.

“Muitas pessoas se sentem chinesas, mas às vezes também se sentem mais italianas. Elas dizem: ‘eu me identifico como chinesa, mas posso viver a vida inteira na Itália. Se eu voltasse, talvez não me acostumasse mais com o país.'”