A piscina pública perto da minha casa, no distrito de Schöneberg, em Berlim, estava cheia na tarde desta segunda-feira (03/04). Por causa das férias de Páscoa, vários pais levaram seus filhos para nadar nesse começo de primavera frio. Fazia 4°C do lado de fora, e as crianças lotaram a piscina infantil.

Sentada em uma cadeira, eu tentava tomar coragem de tirar a toalha que me cobria. Meu medo não era do frio (me acostumei). Mas de ficar praticamente pelada no meio de uma multidão de crianças e pais. Explico: eu tinha combinado com minhas editoras da DW que nadaria de topless para fazer um “test drive”.

Ninguém queria que eu descumprisse a lei. Pelo contrário. Fui à piscina para usufruir de um direito. Em março, ficou decidido que mulheres podem abolir a parte de cima do biquíni em todas as piscinas públicas de Berlim.

Na terra do nudismo e do FKK (sigla em alemão para Cultura do Corpo Livre, em tradução literal), ficar pelada no lago e até em parques movimentados é rotina. Mas, nas piscinas públicas, o topless ainda era um tabu.

E bem, talvez ainda seja. Comecei a escrever este texto de biquíni na piscina enquanto tomava coragem para tirar a parte de cima e entrar na água. Nesse dia, eu era a única mulher a arriscar um topless na piscina lotada. E enfim tomei coragem. OK, confesso que só tirei a parte de cima dentro da água. Mas ali, fui me liberando e nadei 300 metros desviando de crianças e adultos. Descansei na borda ao lado de adolescentes do sexo masculino com meus peitos tão de fora quanto os deles.

Os homens talvez nunca entendam

No início, me senti exposta, sim. Isso porque eu era a única. É assim que a vergonha costuma operar. Se outras mulheres fizessem o mesmo, eu estaria totalmente à vontade.

Mas com o tempo relaxei e me senti muito bem nadando de topless na piscina pública cheia. Nadar sem a parte de cima dá, sim, uma sensação de liberdade. Os homens talvez nunca entendam isso. Afinal, eles nunca precisaram se cobrir, não é mesmo?

Saí da água com o peito de fora, andei calmamente, e as cerca de cem pessoas que estavam na piscina, incluindo as crianças e os administradores do local, me ignoraram solenemente – para minha alegria.

Por que ninguém se importa? Oras, porque corpos nus não são novidade na Alemanha. Todas as crianças, por exemplo, já viram vários peitos. Nessa mesma piscina, nós, mulheres, tomamos banho nuas em uma sala de duchas abertas. Mães levam seus filhos pequenos para tomar banho ali, e isso não é um problema. Andamos peladas com tranquilidade. Ninguém olha. Ninguém se incomoda.

Luta contra discriminação

Mas nem tudo é perfeito. O direito igualitário ao topless na piscina surgiu depois que mulheres declararam que sofreram discriminação por não usar a parte de cima do biquíni.

Assim como acontece com a maioria das conquistas femininas, algumas mulheres tiveram que lutar por esse direito. Em 2022, a francesa Gabrielle Lebreton, que mora na Alemanha há mais de dez anos, processou o estado de Berlim alegando ter sido discriminada em uma piscina. Ela estava com seu filho de cinco anos quando foi “convidada” a se retirar da piscina pelos seguranças do local.

Resultado: o governo de Berlim deu razão a ela, e a empresa que administra as piscinas públicas da cidade confirmou a decisão. Em comunicado, eles disseram que “todos os berlinenses, sejam homens, mulheres ou não binários, deveriam ter os mesmos direitos”. E liberaram o topless.

Outras cidades seguiram o mesmo caminho. Em Colônia e Kiel, por exemplo, é permitido que mulheres abram mão da parte de cima do biquíni desde esta segunda-feira.

Assim que ficou decidido que o topless seria liberado nas piscinas de Berlim, assisti a uma reportagem sobre o assunto na TV local. Todos os entrevistados disseram concordar com a medida.

Paradoxo brasileiro

Na hora, lembrei de cenas a que assisti pela TV na infância. Nos anos 80 e 90, algumas mulheres decidiram desafiar a lei nas praias do Rio de Janeiro e fazer topless. As cenas eram horríveis. Lembro-me de ver mulheres sendo agredidas por banhistas no maior estilo “joga pedra na Geni”. Elas saíam presas e protegidas de uma multidão pronta para o linchamento.

Sim, isso acontecia no Brasil, e não no Irã ou em outros países que nos chocam com perseguições e ataques a mulheres.

É um paradoxo. Mas não tenho a ilusão de que o topless seja liberado no país do Carnaval e das mulheres sensuais e lindas seminuas tão cedo.

Enquanto isso, prometo honrar as europeias na cidade onde moro. Piscina, no próximo verão, vai ser de topless. Parece um detalhe pequeno. Mas não deixa de ser mais uma conquista.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou-se para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.