03/11/2020 - 11:57
Quais são os segredos por trás de uma das séries de fantasia de maior sucesso de todos os tempos? Como uma história tão complexa como Game of Thrones cativou o mundo e como ela se compara a outras narrativas?
Físicos, matemáticos e psicólogos das universidades de Coventry, Warwick, Cambridge, Oxford (todas no Reino Unido) e Limerick (Irlanda) usaram ciência de dados e teoria de rede para analisar o aclamada série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo, os livros de George R. R. Martin nos quais a série de TV é baseada. O resultado está em um artigo recém-publicado pela revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”.
O estudo mostra que a forma como as interações entre os personagens são organizadas é semelhante a como os humanos mantêm relacionamentos e interagem no mundo real. Além disso, embora personagens importantes sejam mortos ao acaso conforme a história é contada, a cronologia subjacente não é tão imprevisível.
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Mortes aparentemente aleatórias
A equipe descobriu que, apesar de mais de 2 mil personagens nomeados em As Crônicas de Gelo e Fogo e mais de 41 mil interações entre eles, em nível de capítulo por capítulo esses números são médios para corresponder ao que podemos encontrar na vida real. Mesmo os personagens mais predominantes – aqueles que contam a história – têm, em média, apenas 150 outros para acompanhar. Esse é o mesmo número com o qual o cérebro humano médio evoluiu.
Embora se pudesse esperar que a combinação de motivos matemáticos levasse a um roteiro bastante estreito, o autor, George R. R. Martin, mantém a história borbulhando. Sua elaboração faz as mortes parecerem aleatórias à medida que a história se desenrola. Mas, como a equipe mostra, quando a sequência cronológica é reconstruída, as mortes não são aleatórias. Em vez disso, elas refletem como eventos comuns são disseminados para atividades humanas não violentas no mundo real.
Game of Thrones convidou todos os tipos de comparação para a história e o mito, e o casamento da ciência e das humanidades proporcionado pelo artigo abre novos caminhos para estudos literários comparativos. Mostra, por exemplo, que é mais parecido com as sagas islandesas do que com histórias mitológicas como Beowulf, da Inglaterra, ou Táin Bó Cúailnge, da Irlanda. O truque em Game of Thrones, ao que parece, é misturar realismo e imprevisibilidade de uma maneira cognitivamente envolvente.
Thomas Gessey-Jones, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), comentou: “Os métodos desenvolvidos no artigo nos permitem testar de maneira quantitativa muitas das observações feitas pelos leitores da série, como o famoso hábito dos livros de aparentemente matar caracteres aleatoriamente”.
Possibilidades empolgantes
“As pessoas em grande parte entendem o mundo por meio de narrativas. Mas não temos uma compreensão científica do que torna narrativas complexas relacionáveis e compreensíveis”, avaliou o professor Colm Connaughton, da Universidade de Warwick (Reino Unido). “As ideias que sustentam este artigo são etapas para responder a tal pergunta.”
O professor Ralph Kenna, da Universidade de Coventry (Reino Unido), disse: “Este tipo de estudo abre novas possibilidades empolgantes para examinar a estrutura e o design de épicos em todos os tipos de contextos; o impacto de trabalhos relacionados inclui protestos sobre a apropriação indébita da mitologia na Irlanda e falhas nos processos que levaram a isso”.
“Este estudo oferece evidências convincentes de que bons escritores trabalham com muito cuidado dentro dos limites psicológicos do leitor”, afirmou o professor Robin Dunbar, da Universidade de Oxford (Reino Unido).
O dr. Pádraig MacCarron, da Universidade de Limerick (Irlanda), comentou: “Esses livros são conhecidos por reviravoltas inesperadas, muitas vezes em termos da morte de um personagem principal. É interessante ver como o autor organiza os capítulos em uma ordem que faz isso parecer ainda mais aleatório do que seria se contado cronologicamente”.