10/03/2022 - 10:52
Ao completar dois anos, a pandemia de covid-19 alcançou o estágio endêmico. No início, a grande preocupação de muitos pais era a nova doença em si. Com o avanço das pesquisas e a descoberta de vacinas, surge um novo motivo de inquietação: os impactos das medidas restritivas impostas para conter o avanço do coronavírus nas crianças.
A pandemia é tudo que crianças com até 2 anos conhecem. Mesmo as de 4 anos passaram a metade de suas vidas com máscaras, distanciamento social e, pelo menos, algum tipo de lockdown ou quarentena. Para elas, tudo isto é bem normal.
Novas pesquisas têm lançado luz sobre como as medidas restritivas afetaram as famílias e, principalmente, as crianças.
Tendência preocupante
Sean Deoni é biofísico e professor associado de pediatria no Laboratório Avançado de Imagens de Bebês da Universidade Brown, nos Estados Unidos. O laboratório estuda o desenvolvimento infantil precoce ou, como ele diz, “como fazemos crianças saudáveis”.
Além de usar imagens, como as obtidas por ressonância magnética, os pesquisadores também testam bebês e crianças pequenas em suas habilidades motoras, cognitivas e de linguagem. As pesquisas com a avaliação presencial no laboratório continuaram mesmo após o início da pandemia.
“Ouvia de nossos assistentes de pesquisa e psicólogos que as crianças mais novas estavam tendo muito mais dificuldade para passar por esses jogos e quebra-cabeças. E essas observações foram aumentando, de forma que decidimos analisar isso com mais rigor”, diz Deoni à DW.
Em um estudo que será publicado em breve no Journal of Pediatrics, Deoni e seus colegas compararam avaliações cognitivas de quase 700 crianças de 3 meses a 3 anos, de 2011 a 2019 em relação ao período de 2020 a 2021.
Nestes “testes de QI para bebês”, os resultados normalmente oscilavam entre 85 e 115. Mas após o início da pandemia, os pesquisadores observaram que os resultados caíram para faixa de 60 a 70. De acordo com Deoni, as crianças estão, dependendo da idade, “com um atraso de um a seis meses” nos níveis de desenvolvimento esperados.
A princípio, os pesquisadores pensavam que o uso de máscaras poderia estar relacionado aos resultados. Mas outras pesquisas baseadas em relatórios dos pais excluíram esta possibilidade.
“Provavelmente não são as máscaras, assim como, provavelmente, não é o ambiente em que as crianças estão sendo avaliadas. Trata-se de uma mudança mais fundamental como resultado da pandemia”, analisa Deoni.
A equipe de Deoni analisa a hipótese de que os atrasos no desenvolvimento infantil sejam resultado de uma redução na estimulação das crianças.
Menos bem-estar
Além dos efeitos potenciais sobre o desenvolvimento infantil, outras pesquisas também examinaram o impacto psicológico das medidas restritivas. Em um estudo feito durante o primeiro lockdown na Alemanha em março de 2020, mais de 2.500 pais de crianças de 3 a 10 anos responderam a um questionário de pesquisadores do Laboratório de Desenvolvimento Social da Universidade de Munique.
Os pais avaliaram seus próprios níveis de estresse, bem como os de seus filhos, além de relatar o estado de espírito e se seus filhos estavam demonstrando problemas emocionais ou de comportamento.
Segundo Natalie Christner, pós-doutora em psicologia infantil no laboratório, as crianças pareciam menos felizes durante os períodos de isolamento. “Houve um grande impacto em seu bem-estar. Os pais relatam uma redução das emoções positivas nas crianças”, ressalta.
O fator que mais contribuiu para esta redução do bem-estar psicológico foi a diminuição do contato social, acrescentou. “Vimos que particularmente filhos únicos relatam mais problemas emocionais e também mais hiperatividade em comparação com crianças com irmãos”, diz Christner à DW. Essa alteração foi interpretada pelos pesquisadores como evidência da importância do contato com outras crianças.
Além disso, ela descreveu uma espécie de “ciclo de feedback”, no qual o estresse dos pais afeta o bem-estar das crianças, o que, por sua vez, influencia o bem-estar dos pais. No entanto, ela também descreve um lado positivo do lockdown. “Vimos também que alguns pais relataram um aumento no bem-estar da família; este tempo foi visto como uma oportunidade para algumas famílias passarem mais tempo juntas”.
Efeitos colaterais
Deoni enfatiza a importância dos primeiros anos de formação de uma criança. “Os primeiros mil dias dela, da concepção até cerca de 2 anos de idade, são amplamente reconhecidos como tendo um papel fundamental na formação de padrões de desenvolvimento para toda a vida”. O que acontece nesse tempo afeta praticamente todos os aspectos da saúde, prossegue.
Estamos atingindo a marca dos mil dias para as crianças nascidas quando a pandemia começou, aponta o pesquisador.
No entanto, prever o resultado a longo prazo para uma criança cujas medidas de restrição à pandemia começaram quando ela tinha 3 meses ou mesmo 1 ano de idade é complicado por haver uma grande diversidade entre os bebês, acrescenta.
“Nós meio que pensamos nas crianças como sendo incrivelmente resilientes, mas ainda assim há exemplos de eventos muito agudos de alta adversidade e alto estresse que têm implicações a longo prazo no desenvolvimento infantil”, ressalta Deoni.
Para Christner, nem todos os efeitos deste período serão muito duradouros. Com base na continuação do estudo em que ela estava envolvida, por exemplo, o bem-estar melhorou uma vez que as medidas de isolamento foram levantadas.
A pesquisadora destaca, porém, que é importante prestar atenção a qualquer possível atraso no desenvolvimento. “Igualmente importante é estimular de fato os contatos sociais”, acrescenta.
Aos pais, Deoni afirma que a melhor coisa que podem fazer pelos filhos é simplesmente agirem como pais. O cérebro é como um músculo que se fortalece com estímulo. Brincar, ler, fazer cócegas, engajar-se, falar, abraçar, estar presente – tudo isso ajuda a construir as habilidades fundamentais, diz ele. “A melhor coisa que você pode fazer é simplesmente amar seu filho”, ressalta.