Titã, a maior lua de Saturno, e a Terra têm uma geologia muito parecida. Isso é o que mostra um estudo publicado na semana passada por Rosaly Lopes, astrônoma brasileira e pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa.

A partir de dados coletados pela sonda Cassini, missão encerrada há dois anos, Rosaly Lopes conseguiu montar um mapa com as características de Titã: atmosfera densa, ventos, erosões, rios e lagos com metano em estado líquido e até chuvas.

Em entrevista exclusiva ao programa “Universo”, da Radioagência Nacional, a astrônoma, nascida no Rio de Janeiro, falou da importância do trabalho em equipe para a análise de uma grande quantidade de dados captados pela sonda que deu um mergulho derradeiro em Saturno, em setembro de 2017.

Rosaly Lopes disse que, assim como Titã, Encélado (outra lua de Saturno) e Europa (satélite de Júpiter) são lugares onde pode haver vida.  E que a Nasa já se prepara para mais uma missão à maior lua de Saturno.

Radioagência Nacional – Como foi o trabalho de análise detalhada dos achados da sonda Cassini, que sobrevoou Saturno e suas luas, entre elas Titã, e que finalizou sua missão há dois anos em um mergulho derradeiro no planeta?

Rosaly Lopes – As imagens de Titã foram capturadas antes do fim da Cassini, mas demorou para colocar muitos dados de vários instrumentos juntos e ainda fazer o mapa e, agora, publicar o estudo. A missão Cassini acabou há dois anos, mas foram analisados dados captados desde o princípio, quando a Cassini chegou a Saturno e passou por Titã, até os que foram colhidos antes do fim da missão. Como são muitos dados, as análises muito detalhadas demoram. Acabamos o mapa há alguns meses e só agora finalizamos a publicação.

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“Em Titã, temos chuvas de metano”

 

Radioagência Nacional – Esse mapa, fruto dessas análises, mostra que Titã e Terra têm algo em comum? E qual a principal diferença?

Rosaly – Titã e a Terra têm geologia muito parecida. Porque Titã tem uma atmosfera espessa e, por causa dessa atmosfera, tem ventos. Então, tem erosão, líquidos, mares e lagos na superfície e rios com líquidos que também causam erosão. Mas esses líquidos todos não são água. Essa é a diferença principal. Embora os processos geológicos sejam similares, a temperatura em Titã é tão baixa – 94 graus Kelvin (K), cerca de -179 graus Celsius (°C) – que a água só existe como gelo. Mas o metano pode existir como líquido. Então, em Titã, nós temos lagos e rios e até chuva de metano.

Radioagência Nacional – A partir do detalhamento desse mapa, o que podemos esperar em relação à busca de vida fora da Terra?

Rosaly – Esse mapa foi feito para estudar a geologia de uma maneira global, não tem relevância direta em relação à procura de vida. Mas o que estamos fazendo, em outro projeto, é vendo onde que os depósitos orgânicos na superfície se acumulam e em quais lugares eles podem penetrar a crosta de gelo por meio de fraturas. A partir da distribuição do material orgânico, vamos ver onde ele se acumula e usar isso para ver a evolução da superfície de Titã. E a coisa importante para a busca de vida é saber se esse material orgânico está penetrando a crosta de gelo até chegar ao oceano de água líquida que temos abaixo do gelo.

Radioagência Nacional – Após o registro de que Encélado (outra lua de Saturno) e de que Europa (lua de Júpiter) soltam vapores d’água, podemos dizer que as luas estão entre os ambientes mais ricos para pesquisas?

Rosaly – Europa e Encélado são lugares onde pode haver vida. Nós soubemos que foi detectado vapor d’água acima da superfície de Europa. Já se tinha detectado várias plumas ou suspeitas de plumas. O importante das duas luas, onde vemos esses jatos de vapor, é que esse material está vindo do oceano embaixo de uma crosta de gelo. E é nesses oceanos, que Titã tem também, que achamos que a vida pode ter se desenvolvido.

“É muito bom trabalhar com brasileiros na JPL”

 

Radioagência Nacional – Como foi realizado este trabalho em equipe?

Rosaly – Uma das melhores coisas do trabalho que faço na Nasa, há bastante tempo, é que é sempre trabalho de equipe. Tem parte do trabalho que faço sozinha, mas muito é trabalho em equipe. Às vezes com estudantes também. Nesse projeto, trabalhei com três estudantes mulheres – uma da Grécia e outras duas dos Estados Unidos.  Além de um colega da França e de outros americanos. A equipe da Cassini também foi bem internacional. Esse trabalho de equipe é muito bom porque as pessoas trazem especialidades diferentes, então, nós tivemos pessoas especializadas em dados de outros instrumentos. Colocamos todas as análises juntas e isso foi muito interessante.

Radioagência Nacional – Como é a interação com os brasileiros na Nasa?

Rosaly – Aqui no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, temos vários brasileiros e brasileiras, principalmente na área de engenharia, mas alguns na área de ciência. É muito bom trabalhar com eles. Eu espero que, no futuro, haja mais brasileiros treinados na área de geologia planetária.

Radioagência Nacional – Se pudéssemos descrever uma imagem de Titã, como seria?

Rosaly – Nós brincamos que Titã, se você estivesse na superfície, seria parecido com um dia em Los Angeles, com muito smog (fumaça de poluição). Titã tem essa atmosfera muito espessa, as cores são alaranjadas e o ar não é muito bom, não tem oxigênio. Tem uma atmosfera mais densa do que a da Terra. É um lugar relativamente fácil para enviarmos um drone, como será feito na próxima missão. A Dragonfly é uma missão que tem vários colegas meus, e enviará um drone que vai voar por Titã. Isso será muito interessante.

A previsão é que Dragonfly deve ser lançada pela Nasa em 2026, com expectativa de chegar a Titã em 2034.