A primeira simulação da Via-Láctea, que conta com mais de 100 bilhões de estrelas e proporciona aos cientistas uma forma mais objetiva e otimizada de estudar as galáxias, foi recentemente criada em um modelo de inteligência artificial. Ao longo de anos, cientistas idealizaram acompanhar de perto a Via-Láctea crescer estrela por estrela.

Essa idealização sempre teve um obstáculo latente, a então incapacidade dos computadores de acompanharem os movimentos perenes ao lado de eventos mais bruscos. Agora, a equipe de Keiya Hirashima, do Centro RIKEN de Ciências Teóricas e Matemáticas Interdisciplinares, modificou esse cenário com um modelo que acompanha mais de 100 bilhões de estrelas com extrema precisão. A pesquisa está disponível na revista ACM Digital Library.

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O desafio mais notável sempre foi a profunda variedade de condições físicas dentro de uma galáxia. A Via-Láctea se estende por volta de 200.000 parsecs e possui um gás em turbilhão a temperaturas que variam de 10 kelvin em nuvens frias a quase 10 milhões de kelvin ao redor de explosões de supernovas. 

As estrelas massivas se extinguem e explodem em milhões de anos, enquanto a rotação completa do disco solar leva centenas de milhões de anos para realizar tal feito. Calcular esses processos na mesma linha do tempo pode forçar os computadores a usar intervalos de tempo exacerbadamente curtos. As explosões de supernovas se alteram tão rapidamente que os códigos convencionais precisam rastreá-las ano a ano, o que congela o restante da galáxia e torna toda a simulação muito lenta.

No momento que os cientistas tentam modelar o gás até uma solar de material por partícula, cada passo próximo a uma supernova pode levar até 100 anos. Ao estender isso a um milhão de anos de tempo em simulação, o número de atualizações necessárias passa a ser muito expressivo. Até os computadores mais potentes encaram dificuldades com as demandas de transferência e comunicação de dados necessárias para o rastreio de bilhões de partículas.

Durante anos, esse processo forçou os cientistas a realizarem uma escolha muito difícil, eles tinham a possibilidade de simular uma galáxia completa, porém encarar cada partícula como centenas de estrelas agrupadas, ou poderiam rastrear as estrelas individuais, mas apenas em galáxias menores com um número total de estrelas muito baixo.

Hirashima então conseguiu resolver essa questão de forma objetiva. Ao invés de fazer o cálculo de cada passo da explosão de uma estrela, eles passaram a treinar um modelo de aprendizado mais profundo para prever como o gás ao redor irá se comportar 100.000 anos depois de uma supernova. Esse processo possibilita que a parte principal da simulação não tenha problemas.

Eles construíram um modelo usando a arquitetura U-Net 3D treinada em simulações de alta resolução de ondas de choque das supernovas. Quando o código principal identifica que uma estrela está no fim da vida, ele transmite um pequeno cubo de gás próximo para um “nó de pool”. A rede neural prevê a temperatura, movimento e a densidade do gás muito tempo depois da explosão e os dados atualizados são reinseridos na simulação maior a cada 50 passos de tempo.

Isso evita a desaceleração causada pelas supernovas. Ao invés de ser forçada a evoluir em minúsculos incrementos, toda a galáxia evolui em etapas constantes de 2.000 anos. Como muitos “nós do pool” funcionam em paralelo, dezenas de supernovas podem ser processadas simultaneamente sem prejudicar o ritmo integral. Na simulação completa da escala da Via-Láctea, os estudiosos realizaram seu método no supercomputador Fugaku. A simulação mais expressiva rastreou 300 bilhões de partículas, o que inclui gás, estrelas e matéria escura. O processamento de cada intervalo de tempo levou cerca de 20 segundos e atingiu velocidades equivalentes a oito petaflops

O modelo utiliza cerca de 500 vezes mais partículas em simulações anteriores, enquanto é executado mais de cem vezes. Ele captura o comportamento de estrelas individuais e os detalhes do gás quente sem apresentar vagarosidade. Os modelos anteriores precisavam de mais de 300 horas de computação para simular 1 milhão de anos de evolução galáctica, o método de Hirashima consegue fazer isso em menos de três horas. Um modelo completo de 1 bilhão de anos, antes considerado quase impossível, agora poderia ser concluído em menos de quatro meses, em vez de várias décadas.