Cientistas internacionais registraram com sucesso a atividade cerebral de polvos que se movem livremente, uma façanha possibilitada pela implantação de eletrodos e um registrador de dados diretamente nas criaturas.

O estudo, publicado na revista Current Biology, é um passo crítico para determinar como os cérebros dos polvos controlam seu comportamento e pode fornecer pistas para os princípios comuns necessários para a ocorrência de inteligência e cognição.

Modelo perfeito

“Se quisermos entender como o cérebro funciona, os polvos são o animal perfeito para estudar em comparação com os mamíferos. Eles têm um cérebro grande, um corpo incrivelmente único e habilidades cognitivas avançadas que se desenvolveram de maneira completamente diferente das dos vertebrados”, disse a drª Tamar Gutnick, primeira autora do artigo e ex-pesquisadora de pós-doutorado na Unidade de Física e Biologia do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST, no Japão). O estudo contou com a participação de cientistas de cinco países: Japão, Itália, Alemanha, Ucrânia e Suíça.

Medir as ondas cerebrais dos polvos provou ser um verdadeiro desafio técnico. Diferentemente dos vertebrados, os polvos têm corpo mole, portanto não têm crânio para ancorar o equipamento de gravação, de modo a evitar que ele seja removido.

“Os polvos têm oito braços poderosos e ultraflexíveis, que podem alcançar absolutamente qualquer parte do corpo”, disse a drª Gutnick. “Se tentássemos conectar fios a eles, eles os arrancariam imediatamente, então precisávamos de uma maneira de deixar o equipamento completamente fora de seu alcance, colocando-o sob a pele.”

Os pesquisadores registraram a atividade cerebral de um polvo por 12 horas. Aqui, o polvo está em sono ativo, uma fase em que há rápidas mudanças de cor e textura, bem como rápido movimento de sucção. Crédito: Current Biology, DOI: 10.1016/j.cub.2023.02.006

Dispositivos adaptados

Os pesquisadores escolheram registradores de dados pequenos e leves como solução, originariamente projetados para rastrear a atividade cerebral dos pássaros durante o voo. A equipe adaptou os dispositivos para torná-los à prova d’água, mas ainda pequenos o suficiente para caber facilmente dentro dos polvos. As baterias, que precisavam funcionar em um ambiente com pouco ar, permitiam até 12 horas de gravação contínua.

Os pesquisadores escolheram o Octopus cyanea, mais conhecido como polvo diurno, como animal modelo, devido ao seu tamanho maior. Eles anestesiaram três polvos e implantaram um artefato em uma cavidade na parede muscular do manto (tecido semelhante a uma pele, que é responsável por revestir a massa visceral do corpo do polvo). Os cientistas então implantaram os eletrodos na área mais acessível do cérebro do polvo, chamada de lobo vertical e lobo frontal mediano superior. Acredita-se que essa região do cérebro também seja importante para o aprendizado visual e a memória, processos cerebrais que a drª Gutnick está particularmente interessada em entender.

Concluída a cirurgia, os polvos foram devolvidos ao seu tanque doméstico e monitorados por vídeo. Após cinco minutos, os animais se recuperaram e passaram as 12 horas seguintes dormindo, comendo e se movimentando pelo tanque, enquanto sua atividade cerebral era registrada. O registrador e os eletrodos foram então removidos dos polvos e os dados foram sincronizados com o vídeo.

O polvo Octopus cyanea camufla-se contra o recife de coral. Crédito: Keishu Asada

Padrões distintos

Os pesquisadores identificaram vários padrões distintos de atividade cerebral, alguns dos quais eram semelhantes em tamanho e forma aos observados em mamíferos, enquanto outros eram oscilações lentas e de longa duração que não haviam sido descritas antes.

Os pesquisadores ainda não conseguiram vincular esses padrões de atividade cerebral a comportamentos específicos dos vídeos. No entanto, isso não é totalmente surpreendente, explicou a drª Gutnick, pois eles não exigiam que os animais realizassem tarefas específicas de aprendizado.

“Esta é uma área associada ao aprendizado e à memória, portanto, para explorar esse circuito, precisamos realmente fazer tarefas repetitivas de memória com os polvos. Isso é algo que esperamos fazer muito em breve.”

Primeiro passo

Os pesquisadores também acreditam que esse método de registrar a atividade cerebral de polvos que se movem livremente pode ser usado em outras espécies de polvos e pode ajudar a resolver questões em muitas outras áreas da cognição dos polvos, incluindo como eles aprendem, socializam e controlam o movimento de seu corpo e braços.

“Este é um estudo realmente fundamental, mas é apenas o primeiro passo”, disse o professor Michael Kuba, que liderou o projeto na Unidade de Física e Biologia do OIST e agora continua na Universidade de Nápoles Federico II (Itália). “Os polvos são muito inteligentes, mas até hoje sabemos bem pouco sobre como seus cérebros funcionam. Essa técnica significa que agora temos a capacidade de examinar seu cérebro enquanto eles realizam tarefas específicas. Isso é realmente emocionante e poderoso.”