09/09/2024 - 15:25
Vamos dar um exemplo bizarro. Se houvesse alienígenas viajando por nossa galáxia com o tipo de tecnologia de propulsão de dobra que frequentemente vemos em programas de ficção científica do tipo “Jornada nas Estrelas” (Star Trek), como se pareceriam os sinais da passagem de suas naves? Surpreendentemente, nossa pesquisa mostra que temos as ferramentas para responder a essa pergunta, independentemente de tais naves realmente existirem.
Telescópios usam a luz para sondar o espaço, e agora podem ver quase até o limite do que é observável. Cada nova frequência que exploramos – de raios gama e raios X a infravermelho e rádio – nos ensinou algo novo e inesperado.
Em 2015, um novo tipo de telescópio, um detector chamado Ligo, foi ativado, não procurando ondas de luz, mas ondas gravitacionais, que são “ondulações” invisíveis no espaço-tempo. Mais uma vez, a natureza nos surpreendeu com um sinal designado como GW150914 de um par de buracos negros. Cada um deles tinha cerca de 30 vezes a massa do nosso Sol, fundindo-se em uma violenta colisão a 1,4 bilhão de anos-luz de distância da Terra.
Desde então, as ondas gravitacionais se tornaram uma nova ferramenta essencial para os cientistas que exploram e estudam o Universo. Mas ainda estamos no início de nossas explorações. Que sinais poderemos ver nos dados, e como eles mudarão a forma como vemos a física do Cosmos?
Há, no entanto, uma questão mais prática que muitas vezes é negligenciada: se existe algo lá fora, como poderíamos reconhecer?
Da ficção científica à ciência séria
Você já deve ter visto os motores de dobra (warp drives) em séries como “Jornada nas Estrelas”. Um motor de dobra é uma forma hipotética de tecnologia que comprime o espaço na frente de uma nave estelar e o expande atrás. Embora nada possa viajar mais rápido do que a velocidade da luz, com um motor de dobra podemos contornar este limite, tornando a distância mais curta. Assim, o tempo que leva para ir de A a B é menor do que o tempo que a luz leva em outro caminho não comprimido pelo motor de dobra.
O salto da ficção científica para a ciência real foi dado pelo físico teórico Miguel Alcubierre em 1994, quando ele se inspirou para modelar um motor de dobra usando as equações da Relatividade Geral de Einstein.
A Teoria da Relatividade Geral prevê uma relação entre a curvatura do espaço-tempo (gravidade) e a distribuição de matéria ou energia (“coisas”) no espaço. Normalmente, começamos conhecendo as “coisas”. Por exemplo, sabemos que temos uma “bolha” de matéria que representa um planeta ou uma estrela. Em seguida, colocamos essa matéria nas equações para determinar como o espaço-tempo se curva. E como ele se curva nos informa a gravidade que mediríamos em torno do objeto.
Você poderia dizer que isso é exatamente o que a imagem da gravidade clássica de Isaac Newton faz – fornecer uma relação entre a massa de um objeto e a força gravitacional que ele exerce. E você estaria certo. Mas o conceito de curvatura do espaço-tempo dá origem a uma gama muito mais rica de fenômenos do que uma simples força. Ele permite um tipo de gravidade repulsiva que faz com que nosso Universo se expanda, cria dilatação do tempo em torno de objetos maciços e ondas gravitacionais no espaço-tempo e – pelo menos em teoria – torna possíveis os motores de dobra.
Alcubierre abordou seu problema na direção oposta à usual. Ele sabia o tipo de curvatura do espaço-tempo que queria. Era um tipo em que um objeto poderia surfar em uma região de espaço-tempo deformado. Então, ele trabalhou de trás para frente para determinar o tipo de configuração de matéria que seria necessária para criar isso. Não se tratava de uma solução natural das equações, mas de algo “feito sob encomenda”. Mas o que ele obteve não era exatamente o que teria pedido. Ele descobriu que precisava de matéria exótica, algo com uma densidade de energia negativa, para deformar o espaço da maneira correta.
As soluções de matéria exótica são geralmente vistas com ceticismo pelos físicos, e com razão. Embora, matematicamente, seja possível descrever materiais com energias negativas, quase tudo o que conhecemos parece ter uma energia positiva. Porém, na física quântica, observamos que podem ocorrer violações pequenas e temporárias da positividade da energia e, portanto, “nenhuma energia negativa” não pode ser uma lei absoluta e fundamental.
De motores de dobra a ondas
Dado o modelo de Alcubierre do espaço-tempo do motor de dobra, podemos começar a responder à nossa pergunta original: como seria um sinal dele?
Um dos pilares das observações modernas de ondas gravitacionais e uma de suas maiores conquistas é a capacidade de prever com precisão as formas de onda a partir de cenários físicos usando uma ferramenta chamada “relatividade numérica”.
Essa ferramenta é importante por dois motivos. Primeiro, porque os dados que obtemos dos detectores ainda têm muito “ruído”, o que significa que muitas vezes precisamos saber aproximadamente como é um sinal para poder extraí-lo do fluxo de dados. E, em segundo lugar, mesmo que o sinal seja tão forte que se destaque acima do ruído, precisamos de um modelo para interpretá-lo. Ou seja, precisamos ter modelado muitos tipos diferentes de eventos para que possamos combinar o sinal com seu tipo; caso contrário, podemos nos sentir tentados a descartá-lo como ruído, ou rotulá-lo erroneamente como uma fusão de buracos negros.
Um problema com o espaço-tempo do motor de dobra é que ele não emite ondas gravitacionais naturalmente, a menos que dê a partida ou pare. Nossa ideia era estudar o que aconteceria quando um motor de dobra parasse, especialmente no caso de algo dar errado. Suponhamos que o campo de contenção do motor de dobra entrasse em colapso (um enredo básico da ficção científica); presumivelmente, haveria uma liberação explosiva tanto da matéria exótica quanto das ondas gravitacionais. Isso é algo que podemos simular, e o fizemos, usando a relatividade numérica.
O que descobrimos foi que o colapso da bolha do motor de dobra é de fato um evento extremamente violento. A enorme quantidade de energia necessária para deformar o espaço-tempo é liberada como ondas gravitacionais e ondas de energia de matéria positiva e negativa. Infelizmente, é muito provável que seja o fim da linha para a tripulação da nave, que seria despedaçada pelas forças de maré.
Sabíamos que um sinal de onda gravitacional seria emitido; qualquer movimento de matéria de forma desordenada cria uma onda desse tipo. Mas não podíamos prever a amplitude e a frequência, e como elas dependeriam do tamanho da região deformada.
Ficamos surpresos ao descobrir que, para uma nave com tamanho de 1 km, a amplitude do sinal seria significativa para qualquer evento desse tipo em nossa galáxia, e até mesmo fora dela. A uma distância de 1 megaparsec (3,26 milhões de anos-luz, um pouco mais longe do que a galáxia de Andrômeda), o sinal é semelhante à sensibilidade do nosso detector atual de ondas gravitacionais. A frequência das ondas, no entanto, é cerca de mil vezes maior do que a faixa que estamos observando com ele.
Devemos ser honestos e dizer que não podemos afirmar que nosso sinal é um sinal definitivo de um motor de dobra. Tivemos que fazer algumas escolhas específicas em nosso modelo. E nossos alienígenas hipotéticos podem ter feito escolhas diferentes. Mas, como prova de princípio, isso mostra que casos além dos eventos astrofísicos padrão podem ser modelados e podem ter formas e formatos distintos que podemos procurar em detectores futuros.
Nosso trabalho também nos lembra que, em comparação com o estudo das ondas de luz, ainda estamos no estágio de Galileu, produzindo imagens do Universo na estreita faixa de frequência da luz visível. Ainda temos todo um espectro de frequências de ondas gravitacionais a explorar, que será sensível a uma série de fenômenos que ocorrem no espaço-tempo.
*Katy Clough é professora de Matemática na Universidade Queen Mary, de Londres, no Reino Unido
*Sebastian Khan é um pesquisador do Instituto de Exploração da Gravidade, na Universidade de Cardiff, no Reino Unido
*Tim Dietrich é professor de Astrofísica Teórica na Universidade de Potsdam, na Alemanha
**O artigo foi republicado do site The Conversation e o texto original pode ser lido neste link