Corte Internacional de Justiça, em Haia, determinou que Israel deve garantir ingresso de ajuda humanitária na região. Decisão é anunciada após audiências e depoimentos de diversas nações e organizações.A Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu nesta quarta-feira (22/10) que Israel tem a obrigação de facilitar a passagem de ajuda humanitária em Gaza, enfatizando que é preciso fornecer aos palestinos “necessidades básicas” essenciais à sobrevivência. A decisão ocorre em meio a tentativas de grupos e organizações para ampliar a assistência, aproveitando o cessar-fogo acordado neste mês de outubro.

O chamado “parecer consultivo” da CIJ, que é formada por 11 juízes e tem sede em Haia, na Holanda, não é juridicamente vinculativo, mas o tribunal acredita que tem “grande peso jurídico e autoridade moral”.

O presidente da corte, Yuji Iwasawa, afirmou que Israel tem “a obrigação de concordar e facilitar os programas de ajuda humanitária proporcionados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e suas entidades”.

Isso inclui, por exemplo, a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para Refugiados da Palestina (UNRWA), organização da ONU que atua pelos refugiados palestinos.

Israel baniu a agência após acusar alguns de seus funcionários de participarem do ataque perpetrado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, que desencadeou os ataques israelenses em Gaza. A CIJ, em contrapartida, julgou que Israel não comprovou essas alegações.

Sem participar efetivamente do processo, Israel, por meio de um funcionário do governo, havia dito que a decisão se tratava de “um abuso do direito internacional”, e que o país “coopera com organizações internacionais e outras agências da ONU em relação a Gaza. Mas não irá cooperar com a UNRWA”.

Iwasawa rebateu o funcionário israelense, dizendo que a CIJ “rejeita o argumento de que o pedido abusa e instrumentaliza o processo judicial internacional”.

Menos do que o necessário

Na véspera da decisão, a porta-voz do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU para o Oriente Médio, Abeer Etefa, disse que 530 caminhões da UNRWA cruzaram a fronteira rumo à Gaza desde o cessar-fogo, que começou no dia 10 de outubro.

Ao todo, estima-se que os veículos transportaram e entregaram mais de 6.700 toneladas de alimentos, o que, segundo ela, seria “suficiente para suprir a demanda de cerca de meio milhão de pessoas durante duas semanas”.

Etefa também informou que atualmente chegam em torno de 750 toneladas de mantimentos por dia, o que, embora seja mais do que antes do início do cessar-fogo, continua muito abaixo da meta do PMA, que é de cerca de 2 mil toneladas diárias.

Devido a isso, a CIJ afirmou que Israel tem “a obrigação de não impedir o fornecimento desses suprimentos”. E lembrou que o país deve seguir a lei do direito internacional de não utilizar a fome como método de guerra.

A partir da decisão, a ONU pediu à CIJ para deixar claro quais são as obrigações de Israel, como força ocupante, em relação à própria organização e a outros órgãos, a exemplo de “garantir e facilitar o fornecimento incondicional de suprimentos urgentes e essenciais à sobrevivência” dos palestinos.

Durante uma semana, em abril, os juízes da CIJ ouviram depoimentos de dezenas de países e organizações, muitos dos quais a respeito da conceituação e do status da UNRWA. Em uma das audiências, o funcionário palestino Ammar Hijazi disse aos juízes que Israel estava fazendo do bloqueio de ajuda uma “arma de guerra”, provocando fome em Gaza.

Caso separado

A decisão desta quarta-feira foi julgada em separado de outros processos que Israel enfrenta no direito internacional devido à incursão em Gaza. Em julho de 2024, por exemplo, a CIJ emitiu outro parecer consultivo afirmando que a ocupação israelense de territórios palestinos era “ilegal” e deveria ser encerrada o mais rápido possível.

A CIJ também avalia acusações apresentadas pela África do Sul, de que Israel, com suas ações em Gaza, violou a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio de 1948.

Outra corte em Haia, o Tribunal Penal Internacional (TPI), emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, por supostos crimes de guerra e crimes contra a humanidade. E também contra o chefe do Hamas, Mohammed Deif, que Israel afirma ter sido morto em um ataque aéreo.

Decisão criticada por Israel e EUA

Assim que confirmada e divulgada, a decisão foi criticada por Israel. O embaixador israelense na ONU, Danny Danon, afirmou que o parecer sobre a UNRWA é “vergonhoso”.

“Eles estão culpando Israel por não cooperar com os órgãos da ONU. Eles deveriam culpar a si mesmos. Esses órgãos se tornaram terreno fértil para terroristas. Veja, por exemplo, a UNRWA, uma organização que apoiou o Hamas durante anos”, declarou Danon.

Nas audiências de abril, o funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Joshua Simmons, levantou “sérias preocupações” sobre a imparcialidade da UNRWA e alegou que o Hamas tira vantagem das instalações da agência.

Simmons também afirmou que Israel “não tem a obrigação de permitir que a UNRWA, especificamente, preste assistência humanitária [em Gaza]”. E acrescentou que a agência não é a única opção para entregar ajuda na região.

No entanto, a CIJ observou que a UNRWA “não pode ser substituída a curto prazo sem um plano de transição adequado”.

gb/md (AFP, Reuters)