19/08/2025 - 7:19
Cúpula na Casa Branca com europeus dá indícios dos próximos passos que um acordo de paz deve percorrer para sair do papel. Cessar-fogo sai da mesa, e acordo trilateral com Putin ganha força.A jornada do presidente dos EUA, Donald Trump, para receber o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e um grupo de líderes europeus em território americano em um intervalo de quatro dias marca um novo momento nas negociações sobre a guerra na Ucrânia. Nesta segunda-feira (18/08), a presença do ucraniano em Washington sinalizou uma mudança de direção da Casa Branca, cujo poderio militar e financeiro pesa nas tratativas de paz.
Desde o início da guerra, em 2022, quando os primeiros soldados russos cruzaram a fronteira do Donbass, região do leste que se tornou o epicentro do conflito e das negociações, a Ucrânia exige garantias de segurança contra a agressão russa.
À época, sob o governo Joe Biden, EUA e Europa estabeleceram uma política de sanções e apoio militar à Ucrânia. Diversas tentativas de negociação foram abertas desde então, sempre sem resultados claros, com a Ucrânia insistindo que sua demanda número um seria uma garantia ativa de apoio militar contra a agressão russa.
Ao assumir o poder, Trump passou a prometer um fim rápido à guerra. Com histórico de relação mais próxima de Putin do que seu antecessor, o presidente americano abriu uma linha direta de contato com o russo. A Europa se viu escanteada, e as tensões entre EUA e Ucrânia atingiram seu ápice durante a primeira visita de Zelenski à Casa Branca, quando discutiu com Trump em frente a repórteres e viu Washington suspender o envio de armas ao seu país.
Na atual rodada de negociações, no entanto, o presidente americano mudou de tom, recebeu Zelenski com comentários bem-humorados e respondeu aos repórteres de forma mais alinhada com o ucraniano. Analistas são unânimes em entender que o resultado das discussões ainda é inconclusivo, mas dá indícios dos próximos passos que um acordo de paz deve percorrer para sair do papel.
1. Relações com a Europa se consolidam mesmo após encontro Putin-Trump
Na diplomacia, negociações de alto nível são calcadas na confiança, algo que os líderes europeus insistem a Trump que Putin não pode oferecer. A cúpula presencial com o líder russo no Alasca foi vendida pelo presidente americano como essencial para a paz. A repórteres, ele defendeu que saberia identificar em dois minutos se Putin de fato estava interessado em acabar com a guerra.
O saldo foi de poucos avanços. A cúpula frustrou líderes europeus que esperavam um cessar-fogo imediato e acabou ocorrendo sob os termos de Putin. O encontro deu status ao líder russo, que foi recebido com um literal tapete vermelho e validou sua tese de que não está isolado da comunidade internacional.
Por outro lado, mostrou uma relativa unidade da chamada coalizão pró-Ucrânia, um grupo de europeus liderados por França, Reino Unido e Alemanha, que acompanha de perto os caminhos da guerra e pressiona por soluções pró-Kiev.
Os líderes apresentaram suas demandas a Trump antes da reunião com Putin e foram imediatamente convidados para o consequente encontro na Casa Branca, ao lado de Zelenski, ocorrido nesta segunda-feira.
Em Washington, os europeus enfatizaram que há pontos em comum em sua posição com os EUA, mesmo em questões ainda em aberto. A repórteres, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, disse que houve “sensação real de unidade e progresso”.
“E isso é o reconhecimento do princípio de que, em algumas dessas questões, seja o território, a troca de prisioneiros ou o gravíssimo tema do retorno das crianças, a Ucrânia precisa estar à mesa”, disse Starmer.
2. Foco é “paz duradoura”; questão territorial ainda em aberto
Apesar de indícios de unidade, a defesa de líderes como o chanceler federal alemão, Friedrich Merz, por um cessar-fogo imediato está fora da mesa para Trump. “Eu não faço cessar-fogo. Eu gosto do conceito, mas estrategicamente poderia ser uma desvantagem. Eu faço esses acordos sem pensar em cessar-fogo”, disse o americano a jornalistas, defendendo que estas negociações precisam resultar em uma paz definitiva.
A estratégia é vista com desconfiança por Zelenski, que acredita que tal modelo permitiria a Putin avançar ainda mais no território ucraniano enquanto as tratativas acontecem, obtendo vantagem futura.
Em declarações nas redes sociais, Trump parece ter acatado a ideia de que a transferência da região do Donbass à Rússia é caminho para a paz. Já Zelenski defende que a negociação parta da atual linha de frente. Hoje a Rússia não ocupa toda a área leste da Ucrânia, apesar de recentes ataques-relâmpago.
3. Garantias de segurança para a Ucrânia estão na mesa; adesão à Otan, não
Se anteriormente Trump não demonstrava disposição em assumir um papel nas garantias de segurança para a Ucrânia, agora Zelenski conquistou do presidente americano um compromisso verbal, ainda que evasivo, de que participará de soluções de proteção para o território ucraniano.
Questionado por repórteres, Trump disse que “daremos a eles boa proteção e segurança”, sem especificar sob qual modelo. A Ucrânia pede adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o que já foi rejeitado pelo americano.
Já o assessor de Trump, Steve Witkoff, indica a possibilidade de os EUA concederem uma proteção similar à do artigo 5 da Otan, que permite defesa compartilhada em caso de agressão. O Reino Unido já se propôs a enviar tropas de paz para garantir uma transição segura. Zelenski deixou a reunião prometendo que apresentará em breve suas demandas de segurança para viabilizar um acordo com Moscou.
4. Um encontro trilateral é possível?
Classificada como “diplomacia pessoal”, a forma tradicional de se conduzir acordos internacionais é um dos desejos de Zelenski, que acredita só conseguir extrair as nuances necessárias para um entendimento ao se encontrar pessoalmente com Putin.
Até o momento o líder russo não acatou tal proposta, mas a pressão por uma reunião entre os dois rivais e os EUA aumentou após os encontros na Casa Branca.
Trump ligou para Putin ainda durante a reunião com os europeus e, segundo Friedrich Merz, ouviu do russo que um encontro com Zelenski pode acontecer dentro de duas semanas.
“Liguei para o presidente Putin e iniciei os preparativos para uma reunião, em um local ainda a ser determinado, entre o presidente Putin e o presidente Zelenski. Após essa reunião, teremos um trilateral, que incluirá os dois presidentes e eu”, disse Trump a repórteres.
Em uma declaração, o Kremlin disse apenas que está aberto à ideia de negociações diretas, sem detalhar se concordará com a proposta.
5. Trump quer indústria americana no acordo
Questionado se continuará a enviar ajuda à Ucrânia, Trump defendeu apenas que está disposto a vender armas aos ucranianos. Zelenski reiterou que a questão da defesa aérea foi discutida na agenda de garantia de segurança e que a Ucrânia tem interesse nos sistemas Patriot americanos.
Segundo Zelenski, a Ucrânia poderia se comprometer a comprar 90 bilhões de dólares em aeronaves e sistemas de defesa aérea americanos por meio da Europa, enquanto os EUA investiriam em drones ucranianos, cuja indústria nacional ganha cada vez mais espaço no mercado de defesa.
gq/cn (OTS)