14/11/2023 - 7:43
Se considerados apenas os casos diagnosticados, Brasil é o sexto no ranking mundial. Doença, que pode ser tratada com diagnóstico precoce, causa prejuízos de R$ 10,3 bilhões por ano ao país.De acordo com dados da Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês), há 5 milhões de brasileiros vivendo com a doença crônica sem saber disso. Para especialistas, essa falta de diagnóstico é um grande problema, já que ter diabetes e não tratá-lo pode acarretar consequências graves de saúde. Desta forma, visando alertar a população, desde 1991, a IDF e a Organização Mundial da Saúde (OMS) celebram em 14 de novembro o Dia Mundial do Diabetes.
De acordo com um atlas produzido pela IDF, se levado em conta apenas o número de pessoas diagnosticadas com a doença, o Brasil ocupa hoje a sexta colocação no mundo: são 15,7 milhões de pessoas com diabetes, o que deixa o país atrás de China (140,9 milhões), Índia (74,2 milhões), Paquistão (33 milhões), Estados Unidos (32,2 milhões) e Indonésia (19,5 milhões) — todas nações mais populosas.
Os custos sociais e sanitários também são enormes. De acordo com estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e publicado no ano passado, o Brasil gasta 2,1 bilhões de dólares por ano (cerca de R$ 10,3 bilhões) por causa da doença, considerando gastos diretos (farmácia popular, hospitalizações e outros atendimentos) e indiretos (falta ao trabalho, aposentadoria precoce, morte precoce). O mesmo estudo estima que esse valor pode chegar a 5,47 bilhões de dólares em 2030 (cerca de R$ 26,8 bilhões).
“Diabetes é a doença crônica que mais mata, superando todos os cânceres juntos. É responsável por 50% das mortes por doenças cardiovasculares, que são consideradas as principais causas de mortalidade”, afirma Fraige Filho, presidente da seção sul e centro-americana da IDF. “Ocupa 50% dos leitos em hospitais gerais, devido às complicações. Tem grande impacto econômico e social por conta das complicações. Todas elas poderiam ser evitadas com tratamento precoce e adequado.”
E diagnosticar a doença é simples. A maneira mais acessível é por meio da detecção de glicose no sangue.”Qualquer médico pode solicitar esse exame de rotina. Hoje até em farmácias já é possível verificar”, diz o biólogo Alex Rafacho, coordenador do Laboratório de Investigação de Doenças Crônicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O problema é que muitos pacientes não apresentam qualquer sintoma.
No caso do diabetes tipo 1, as crianças costumam sofrer perda de peso acentuada, cansaço frequente, urinam muito e estão sempre com sede. Muitas suam em períodos de jejum. “Esses mesmos sintomas também podem ocorrer nos adultos que porventura tenham o tipo 2 há muito tempo e nunca souberam. Mas até esse momento, a pessoa pode conviver com o diabetes há anos e ir desenvolvendo algumas comorbidades”, esclarece o biólogo.
As mais comuns são o aumento dos triglicerídeos, hipertensão, obesidade e gordura no fígado. Casos não tratadas, podem trazer consequências graves, como infarto, acidente vascular cerebral (AVC), glaucoma, perda de sensibilidade nas extremidades, disfunção renal, entre outros. “Por isso, o diabetes é um dos maiores fatores de risco para amputação de membros, cegueira e complicações renais que requeiram hemodiálise”, alerta Rafacho. “Não se pode negligenciar a doença.”
Cada vez mais casos no Brasil
Rafacho alerta que o cenário é de crescimento da doença no Brasil — de 8,8% da população em 2021 para 10,9% da população em 2045, conforme estimativas.
Esses números não fazem distinção entre os dois tipos de diabetes mellitus (1 e 2) — o termo vem do latim mel e se deve ao excesso de glicose no sangue. No primeiro caso, o paciente apresenta uma desordem que causa a destruição das células produtoras de insulina. No segundo, é uma deficiência na secreção da insulina.
“É importante frisar que há estudo apontando o Brasil como sendo o quarto país do mundo com a maior incidência de diabetes tipo 2 entre os jovens com menos de 20 anos e o terceiro com o maior número de indivíduos com o tipo 1 entre bebês, crianças e jovens com menos de 20 anos”, alerta Rafacho.
De acordo com ele, as razões para este cenário são muitas, “mas inegavelmente a falta de educação relacionada à saúde e a desigualdade social” seriam o ponto de partida do problema. E o cuidado precisa ser maior entre aqueles que apresentam pré-diabetes, “ou seja, uma condição de forte risco para o desenvolvimento futuro” da doença.
“As principais razões atribuídas para este alto número de pessoas com diabetes, que vem aumentando cada vez mais ao longo dos anos, são principalmente aquelas ligadas à mudança imposta pelo estilo de vida, como o sedentarismo, sobrepeso e obesidade, além do envelhecimento da população”, comenta a biomédica Gabriela Arrifano, professora na Universidade Federal do Pará (UFPA).
As causas são variadas. No caso do tipo 1, Rafacho explica que “há uma predisposição genética que deve ser considerada”, e a doença acaba se desenvolvendo após exposição, na infância, a fatores que geram um gatilho, como antígenos presentes em certos alimentos.
“Neste caso, a melhor forma de prevenir é ter um acompanhamento regular com endocrinopediatra sempre que o bebê nascer em família em que pai ou a mãe tenham diabetes tipo 1”, alerta.
Já o diabetes tipo 2 é causado por fatores como excesso de peso, idade, pressão arterial alta e por não praticar atividades físicas com regularidade. Ter parentes de primeiro grau com a doença aumenta o risco. “Tudo isso pode, em maior ou menor grau, ter como base uma cultura associada a ingestão de alimentos e bebidas com alto teor energético e baixo teor nutricional, um ambiente familiar e escolar que pouco discute temas relacionados à saúde, ambiente obesogênico, menor grau de instrução e de poder de escolha e até mesmo uma qualidade ou quantidade de sono insuficiente”, analisa o biólogo.
Em outras palavras, o diabetes tipo 1 “não é evitável, mas é rastreável”. “Já o de tipo 2 pode, sim, ser evitado, por meio de um estilo de vida saudável”, argumenta Rafacho.
Estudo na Amazônia
Arrifano cita um estudo feito em 2018 que ilustra as dificuldades de diagnóstico no país. “O Brasil é um país de dimensão continental, o que impõe imensos desafios para o sistema de saúde, com grandes discrepâncias entre as regiões Sul e Sudeste e as regiões Norte e Nordeste, por exemplo”, contextualiza. “Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) seja um modelo fantástico, ainda há desigualdades particularmente ligadas às distâncias geográficas.”
Na pesquisa, da qual ela fez parte, os cientistas analisaram o sangue coletado de populações ribeirinhas da Amazônia e constataram que 27% dos moradores dessas comunidades apresentavam alterações nos níveis de glicose.
“É importante destacar que não foi um diagnóstico de diabetes, mas uma indicação de que essas pessoas deveriam ter um acompanhamento médico por já apresentarem uma alteração. E elas não têm porque não havia posto de saúde no local ou, quando havia posto, não tinha médicos.”
O diabetes pode ser controlado, mas não tem cura. “Uma vez recebido o diagnóstico, a pessoa sempre terá diabetes e precisa fazer o controle médico regular”, frisa Arrifano.