31/07/2025 - 10:58
Na crescente onda produtivista que atrapalha cada vez mais o trabalho do professor, a insalubridade acaba fazendo vítimas por onde passa.No dia 26 de maio, uma sexta-feira, a professora Silvaneide Monteiro Andrade faleceu na sala de coordenação pedagógica da Escola Estadual Cívico-Militar Jayme Canet, em Curitiba. Alguns dias depois, a morte da professora Rosane Maria Bobato se deu em circunstâncias semelhantes.
Colegas de profissão e familiares apontaram em relatos nas redes sociais sobre a constante cobrança que as duas sofriam para desempenhar seus trabalhos de maneira a cumprirem metas irreais estipuladas por gestões escolares cada vez mais alinhadas ao sistema de plataformização escolar.
Plataformização: lógica mercadológica incoerente com a educação
Para contextualizar o leitor, a plataformização do ensino básico surgiu com a promessa da modernização advinda das mais recentes revoluções tecnológicas. Com estudantes cada vez mais inseridos em espaços digitais, o fazer pedagógico não teve alternativa a não ser moldar-se às novas formas em que os alunos consomem informações.
Entretanto, esse suposto “progresso” mascarou-se de maneira perversa: enquanto entregava a falsa promessa da democratização do ensino, apunhalava a classe educadora.
O efeito foi nada mais do que implantar conteúdos de maneira vertical sem passar por qualquer crivo pedagógico dos professores. As secretarias de educação implementaram metas hostis e distantes da realidade da atuação dos docentes, suspendendo a formação de um ambiente de pensamento crítico e reflexivo em detrimento de uma esteira de produção. A educação tornou-se produto. Os resultados tornaram-se commodities. Os estudantes foram descaracterizados enquanto sujeitos ativos de seus respectivos processos de aprendizagem para figurarem estatísticas sem qualquer respaldo pedagógico.
Entre os vocábulos “taxas de aprovação”, “metas”, “testes padronizados” e “índices de rendimento”, temos, do outro lado, os docentes. Cada vez mais cerceados de sua autonomia e do controle do conteúdo a ser ministrado, a pressão constante tem retirado a tarefa de educar para a de ser um mediador entre um conteúdo pré-pronto (e mal formulado, diga-se de passagem) e um estudante desmotivado. Dado o contexto, não é de se surpreender que os professores disparem nos índices de profissionais afastados por questões de saúde.
A realidade
Pesquisadores da área da educação afirmam com veemência que a falta de políticas públicas voltadas aos docentes, especialmente àqueles atuando no ensino básico, gera consequências permanentes à saúde física e mental destes. Não obstante, a piora na saúde coletiva de toda uma classe de trabalhadores indica falhas gravíssimas advindas da gestão escolar e das secretarias de ensino. Falhas estas que culminaram no trágico falecimento das professoras Silvaneide Monteiro Andrade e Rosane Maria Bobato.
Eu, enquanto professor recém-diplomado, entendo que suas fatalidades são retratos de um sistema que consome educadores, culpabiliza professores pelo fracasso institucional e, ao mesmo tempo, ignora as condições basilares da dignidade humana. Talvez este seja um dos retratos mais evidentes e dilacerantes do século atual: um trabalhador literalmente perdendo a vida devido aos mecanismos abusivos e predatórios de seu local de trabalho.
Silvaneide merecia mais. Rosane merecia mais.
Todos nós, professores, merecemos mais.
______________________________
Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto foi escrito por Daniel Pisselli Novo, de 27 anos, graduado em Letras pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).