Vídeos de multidões em cidades de todo o país gritando: “Todos juntos contra o fascismo” viralizaram nas redes sociais como uma luz em tempos de escuridão. O mundo estava precisando disso.”Defendam-se, resistam contra o fascismo aqui no nosso país. Às barricadas, às barricadas.” Talvez você já tenha ouvido essa música nos últimos dias, só que em alemão, e entoada por milhões. A canção Wehrt euch, leitest Widerstand (Defendam-se, resistam) tem sido a trilha sonora das manifestações gigantes que aconteceram na Alemanha nas últimas semanas (e devem continuar) contra a ascensão das ideias de direita radical e alianças com a ultradireita, representada no país pelo partido AfD.

Vídeos de multidões em cidades de todo o país gritando: “Todos juntos contra o fascismo” viralizaram nas redes sociais como uma luz em tempos de trevas. Não por acaso os manifestantes carregavam velas ou tinham seus celulares acesos nas mãos. Uma das ideias parece ser essa mesmo: mostrar que há luz no fim do túnel. E o mundo anda precisando mesmo disso. Ver multidões de pessoas de todas as cidades se levantando contra o fascismo dá um alívio e tanto em um mundo que se vira cada vez mais para a direita e abraça ideias de ódio contra imigrantes e a população LGBTQ+ . A eleição de Trump e suas decisões radicais contra essas populações são o exemplo mais assustador.

As notícias para aqueles que defendem a democracia e a diversidade são boas: só no último domingo, segundo a polícia, pelo menos 160 mil (250 mil segundo os organizadores) se reuniram em Berlim em uma manifestação com o simbólico nome de “Revolta dos decentes”, pela manutenção do “cordão sanitário”. No dia anterior, milhares de pessoas tinham ido às ruas em Hamburgo e em Colônia, entre outros lugares. Antes disso, manifestações gigantes também aconteceram em todas as grandes cidades (e não só nelas).

A movimentação em massa e histórica acontece poucas semanas antes das eleições gerais, que serão realizadas no dia 23 de fevereiro e não parece que vão parar até essa data.

O impulso inicial aconteceu quando o candidato que lidera as intenções de voto, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), partido de centro-direita, deixou claro que aceitaria votos da AfD, de ultradireita, para aprovar um duro pacote anti-imigração. Em reação, manifestações eclodiram no país, já que esse é um tabu sério na democracia alemã. Explico: existe um acordo entre os principais partidos do país de que nenhum deles faria aliança com a ultradireita. No momento, a AfD é o segundo partido na preferência dos eleitores.

No dia 29 de janeiro, Merz fez o que tinha prometido e causou uma fissura grande nesse “cordão sanitário” ao aceitar o apoio da AfD para tentar passar no parlamento seu pacote contra a imigração. O “apoio” causou escândalo em todo país.

Logo após uma moção ser aprovada com o apoio da ultradireita, milhares de pessoas imediatamente rumaram para a sede da CDU em Berlim. Além disso, partes da sociedade civil, como líderes protestantes e católicos e associações judaicas, se manifestaram contra a aproximação com a AfD. Até a ex-chanceler Angela Merkel, que costuma curtir sua aposentadoria longe dos holofotes, divulgou uma nota onde falava que a atitude do colega de partido “era um erro”.

Resultado: na última sexta-feira (31/01), a lei encampada por Merz foi rejeitada no parlamento. Ou seja, a pressão da sociedade e as manifestações surtiram efeito.

Nós somos o muro de contenção

A ideia, agora, é fortalecer o cordão sanitário e exigir, nas ruas, que nenhuma aliança seja feita com a ultradireita e também tentar impedir uma “guinada à direita”.

“Nós somos o mundo de contenção” é uma das frases mais usadas nessas grandes manifestações contra a ultradireita. As primeiras aconteceram ano passado, quando dezenas de milhares de pessoas se reuniram em Berlim para se manifestar depois que a imprensa divulgou que membros da AfD teriam se reunido com radicais para discutir um plano de “remigração” – que previa, inclusive, a deportação de estrangeiros que adquiriram a cidadania alemã (ou seja, alemães!).

Se as manifestações conterão a extrema direita na Alemanha? Tenho esperança que sim. E, mais que isso, não vejo outra maneira eficiente de resistência nesse momento de avanço da extrema direita no mundo todo do que defender a democracia daquela velha maneira, indo às ruas. No mesmo fim de semana que os alemães saíram para defender a democracia e a diversidade, milhares de pessoas se reuniram na Argentina para protestar contra a política anti-diversidade do radical de direita Javier Milei.

“No TikTok e em nosso ambiente está na moda atualmente ser de direita”, disse Isabel Raffel, de 15 anos, ao jornal Tagesspiegel. Ela e amigos disseram que estavam na rua para tentar mudar isso.

Acho que elas estão certas. Vale muito mais se reunir com outras “pessoas decentes” e ir para a rua do que ficar em casa reclamando nas redes sociais.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.